Helen Yaffe
O presidente cubano, Miguel Díaz-Canel. Fotografia: Alexandre Meneghini / Reuters |
Tradução / Os protestos violentos que eclodiram em Cuba no início de julho foram as primeiras sérias perturbações sociais desde o “Maleconazo” de 1994, 27 anos atrás. Ambos os períodos foram caracterizados por profundas crises econômicas. Eu estava vivendo em Havana em meados dos anos 90 e testemunhei as condições que causaram o levante: prateleiras de mercados, lojas e farmácias vazias, cortes de energia contínuos, produção e transporte estagnados. Essas foram as consequências do colapso do bloco socialista, que representava cerca de 90% do comércio da ilha.
Apostando no colapso do socialismo cubano, os EUA aprovaram a Lei Torricelli de 1992 e a Lei Helms-Burton de 1996 para obstruir o comércio e as relações financeiras da ilha com o resto do mundo. Enquanto isso, programas sofisticados e multifacetados de “mudança de regime” foram desenvolvidos, desde o programa “de pessoa em pessoa” de Clinton até a Comissão por uma Cuba Livre de Bush. De meados dos anos 90 até 2015, o congresso dos EUA se apropriou de cerca de 284 milhões de dólares para promover a democracia (capitalista).
A história de como, contra todas as previsões, a revolução cubana sobreviveu às últimas três décadas é o foco do meu livro. Em alguns campos, como a biotecnologia e o internacionalismo médico, ela prosperou. Desde 2019, no entanto, as condições remanescentes do “período especial” estão retornando para Cuba, um resultado direto das sanções dos EUA. A administração Trump implementou 243 novas medidas coercitivas contra Cuba, bloqueando seu acesso ao comércio, finanças e investimentos internacionais em um período no qual o capital estrangeiro foi recompensado com um papel importante na estratégia de desenvolvimento da ilha. O resulto inevitável e pretendido tem sido escassez de comida, combustível, bens básicos e suprimentos médicos. Desse modo, enquanto Cuba possui vacinas conta covid-19, o país não consegue comprar seringas suficientes para administrá-las, nem ventiladores médicos para suas UTIs.
Restrições sanitárias rígidas, impostas por autoridades cubanas em resposta à pandemia, impediram a capacidade de Cuba de “resolver” (problemas por meio de canais alternativos) e socializar. Os casos de covid continuam aumentando, gerando ansiedade entre os cubanos, embora as taxas de infecção e óbitos se mantenham baixas em relação à região. Em todo lar cubano, as pessoas revezam para acordar cedo e ficar em filas em busca de bens básicos. Ninguém deveria se surpreender com a presença de sentimentos de frustração e descontentamento.
Os críticos de Cuba culpam o governo pelos problemas diários que os cubanos enfrentam, ignorando as sanções estadunidenses como desculpa. É como culpar uma pessoa por não nadar bem quando ela está presa ao solo. O embargo estadunidense à Cuba é real. É o mais longo e mais extenso sistema de sanções unilaterais aplicadas contra qualquer país na história moderna. Afeta cada aspecto da vida cubana.
Na Assembleia Geral da ONU em 23 de junho, um total de 184 países apoiaram a moção cubana para pôr fim ao embargo dos EUA. Foi o 29º ano que Cuba ganhou na votação. O representante dos EUA, Rodney Hunter, alegou que as sanções eram “um jeito legítimo para alcançar política externa, segurança nacional e outros objetivos internacionais e nacionais”. Ele também as descreveu como “ferramentas relacionadas à nossa ampla iniciativa em relação a Cuba”.
Outra ferramenta chave nos últimos anos tem sido as redes sociais. Em 2018, Trump estabeleceu uma força tarefa na internet para promover “o fluxo de informação livre e não regulamentado” para Cuba, justamente quando o país expandiu facilidades permitindo o acesso dos cubanos à internet em seus celulares. Durante esse verão, a campanha das redes sociais, que vê influenciadores e youtubers baseados em Miami encorajando cubanos na ilha a irem às ruas, aumentou. Mesmo parecendo espontânea e autêntica, por trás da campanha estão coordenação e financiamento estadunidenses.
Em 11 de julho, eu estava em Havana, assistindo as finais da Euro em um lar cubano quando a transmissão foi interrompida por um anúncio do presidente Miguel Díaz-Canel. Ele havia visitado San Antonio de los Banos, nos arredores da capital, onde um protesto havia se transformado em um motim, com lojas saqueadas, carros policiais revirados e pedras lançadas. Protestos simultâneos estavam acontecendo em dezenas de locais ao redor da ilha. Em Matanzas, onde os casos de covid-19 aumentaram, houve uma destruição extensiva. Díaz-Canel encerrou a transmissão pedindo para os revolucionários irem para as ruas. Milhares de cubanos ouviram seu pedido.
Enquanto isso, o prefeito de Miami pediu para Biden considerar ataques aéreos em Cuba, ao passo que já existiam planos de uma frota naval saindo da Flórida sendo preparados. A imprensa internacional mostrou uma oposição em massa a um governo incompetente, protestos pacíficos sendo reprimidos violentamente e um regime em crise. Essa narrativa conta com exageros e manipulações. Imagens foram compartilhadas na imprensa e nas redes sociais fingindo mostrar protestos anti-governo que, na realidade, eram o contrário. Fotos de protestos no Egito e celebrações esportivas na Argentina foram atribuídas aos protestos cubanos de 11 de julho.
Dos EUA, onde protestos violentos e assassinatos por policiais acontecem com uma regularidade trágica, e onde uma insurreição de direita tentou anular o resultado eleitoral de 2020, o novo presidente Joe Biden descreveu Cuba como um “estado falido”. Em 30 de julho ele já havia imposto novas sanções, mesmo prometendo em sua campanha anular algumas sanções.
A história de como, contra todas as previsões, a revolução cubana sobreviveu às últimas três décadas é o foco do meu livro. Em alguns campos, como a biotecnologia e o internacionalismo médico, ela prosperou. Desde 2019, no entanto, as condições remanescentes do “período especial” estão retornando para Cuba, um resultado direto das sanções dos EUA. A administração Trump implementou 243 novas medidas coercitivas contra Cuba, bloqueando seu acesso ao comércio, finanças e investimentos internacionais em um período no qual o capital estrangeiro foi recompensado com um papel importante na estratégia de desenvolvimento da ilha. O resulto inevitável e pretendido tem sido escassez de comida, combustível, bens básicos e suprimentos médicos. Desse modo, enquanto Cuba possui vacinas conta covid-19, o país não consegue comprar seringas suficientes para administrá-las, nem ventiladores médicos para suas UTIs.
Restrições sanitárias rígidas, impostas por autoridades cubanas em resposta à pandemia, impediram a capacidade de Cuba de “resolver” (problemas por meio de canais alternativos) e socializar. Os casos de covid continuam aumentando, gerando ansiedade entre os cubanos, embora as taxas de infecção e óbitos se mantenham baixas em relação à região. Em todo lar cubano, as pessoas revezam para acordar cedo e ficar em filas em busca de bens básicos. Ninguém deveria se surpreender com a presença de sentimentos de frustração e descontentamento.
Os críticos de Cuba culpam o governo pelos problemas diários que os cubanos enfrentam, ignorando as sanções estadunidenses como desculpa. É como culpar uma pessoa por não nadar bem quando ela está presa ao solo. O embargo estadunidense à Cuba é real. É o mais longo e mais extenso sistema de sanções unilaterais aplicadas contra qualquer país na história moderna. Afeta cada aspecto da vida cubana.
Na Assembleia Geral da ONU em 23 de junho, um total de 184 países apoiaram a moção cubana para pôr fim ao embargo dos EUA. Foi o 29º ano que Cuba ganhou na votação. O representante dos EUA, Rodney Hunter, alegou que as sanções eram “um jeito legítimo para alcançar política externa, segurança nacional e outros objetivos internacionais e nacionais”. Ele também as descreveu como “ferramentas relacionadas à nossa ampla iniciativa em relação a Cuba”.
Outra ferramenta chave nos últimos anos tem sido as redes sociais. Em 2018, Trump estabeleceu uma força tarefa na internet para promover “o fluxo de informação livre e não regulamentado” para Cuba, justamente quando o país expandiu facilidades permitindo o acesso dos cubanos à internet em seus celulares. Durante esse verão, a campanha das redes sociais, que vê influenciadores e youtubers baseados em Miami encorajando cubanos na ilha a irem às ruas, aumentou. Mesmo parecendo espontânea e autêntica, por trás da campanha estão coordenação e financiamento estadunidenses.
Em 11 de julho, eu estava em Havana, assistindo as finais da Euro em um lar cubano quando a transmissão foi interrompida por um anúncio do presidente Miguel Díaz-Canel. Ele havia visitado San Antonio de los Banos, nos arredores da capital, onde um protesto havia se transformado em um motim, com lojas saqueadas, carros policiais revirados e pedras lançadas. Protestos simultâneos estavam acontecendo em dezenas de locais ao redor da ilha. Em Matanzas, onde os casos de covid-19 aumentaram, houve uma destruição extensiva. Díaz-Canel encerrou a transmissão pedindo para os revolucionários irem para as ruas. Milhares de cubanos ouviram seu pedido.
Enquanto isso, o prefeito de Miami pediu para Biden considerar ataques aéreos em Cuba, ao passo que já existiam planos de uma frota naval saindo da Flórida sendo preparados. A imprensa internacional mostrou uma oposição em massa a um governo incompetente, protestos pacíficos sendo reprimidos violentamente e um regime em crise. Essa narrativa conta com exageros e manipulações. Imagens foram compartilhadas na imprensa e nas redes sociais fingindo mostrar protestos anti-governo que, na realidade, eram o contrário. Fotos de protestos no Egito e celebrações esportivas na Argentina foram atribuídas aos protestos cubanos de 11 de julho.
Dos EUA, onde protestos violentos e assassinatos por policiais acontecem com uma regularidade trágica, e onde uma insurreição de direita tentou anular o resultado eleitoral de 2020, o novo presidente Joe Biden descreveu Cuba como um “estado falido”. Em 30 de julho ele já havia imposto novas sanções, mesmo prometendo em sua campanha anular algumas sanções.
Desde os protestos de 11 de julho, eu viajei por Havana a trabalho. Os únicos protestos significativos que eu vi na capital foram os que apoiavam o governo, incluindo uma manifestação com 200.000 em Havana em 17 de julho. Os cubanos com quem converso rejeitam a violência e interferência dos EUA. Estão confiantes de que os cubanos sabem nadar, mas sabem que precisam que as correntes do embargo estadunidense sejam quebradas.
Sobre a autora
Helen Yaffe é professora sênior de história econômica e social na Universidade de Glasgow
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