17 de agosto de 2021

Héctor Béjar Rivera, o Chanceler de esquerda do Peru

Educado politicamente na Cuba revolucionária, Héctor Béjar conheceu Che Guevara e foi o fundador do Exército de Libertação Nacional (ELN) na década de 1970. Agora é o novo Chanceler do governo Pedro Castillo no Peru.

Jan Lust

Jacobin


Héctor Béjar foi nomeado Chanceler do governo Pedro Castillo no Peru.

Héctor Béjar nasceu em 2 de setembro de 1935 no distrito de Ricardo Palma, província de Huarochirí, departamento de Lima, Peru. Seu pai, Mariano Béjar Pacheco, era músico e membro do Partido Aprista (em desacordo com sua direção). Sua mãe, Zoila Rivera Rodríguez, era professora. Héctor estudou Direito na Universidad Nacional Mayor de San Marcos (UNMSM), mas nunca foi um líder estudantil, mas sim secretário de imprensa do Centro Federado de Letras.

Desde os 16 anos trabalhou como repórter e apresentador de artistas nacionais e internacionais na Rádio Central de Lima. Com esse trabalho de 4 horas por dia, ele conseguiu financiar seu custo de vida. Ele trabalhou até 1960 nesta estação. Em 1951, com apenas 15 anos, começou a estudar na UNMSM. Obteve os graus de Bacharel em Direito e Ciência Política, Advogado (1999), Mestre em Gestão de Projetos Sociais (2002) e Doutor em Sociologia (2006). Em 1959 também estudou na Escola Nacional de Belas Artes de Lima. Ele chegou ao terceiro ano de pintura. Teve uma bolsa para estudar artes plásticas em Praga, mas deixou tudo para se juntar à guerrilha.

Em 1953 ingressou no Partido Comunista Peruano (PCP), ainda uma organização clandestina. Foi secretário de imprensa e membro da sua Comissão Central Provisória de 1954 a 1959. Em 1956 fundou a Unidad, o jornal PCP. Seu pseudônimo no partido era Alayza. Em 1956 foi preso, pela primeira vez, por organizar uma peregrinação a Mariátegui. Sua segunda prisão foi em maio de 1958, como parte das mobilizações organizadas pela esquerda para "dar as boas-vindas" à visita do vice-presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon. A resposta do Estado peruano foi a prisão de dezenas de pessoas, incluindo Béjar.

Em 1959 foi expulso do PCP junto com Juan Pablo Chang (que foi assassinado junto com Ernesto Che Guevara em outubro de 1967). No decurso da sua adesão, Béjar e Chang criticaram fortemente a liderança e o curso político do partido. Junto com Chang, Guillermo Mercado León e Luis Zapata Bodero (os dois últimos mortos na guerrilha "Javier Heraud" do Exército de Libertação Nacional em dezembro de 1965), entre outros, e após sua expulsão em 1959, formou o Comitê Leninista do Departamento de Lima. Este Comitê tinha por objetivo fundar um partido comunista porque não considerava o PCP um partido genuinamente comunista. No período em que integrou o referido Comitê, até 1961, seu órgão de radiodifusão chamava-se Peru Popular.

Em 1961 viajou a Cuba para treinar política e militarmente com o objetivo de desenvolver a guerrilha no Peru. Em setembro de 1962, em Cuba, foi fundado o ELN. E Béjar foi um de seus líderes. A organização nasceu do desejo dos jovens peruanos de seguir o exemplo da Revolução Cubana e foi dirigida por meio de uma liderança coletiva. A base do ELN era formada por um grupo de sete peruanos que haviam viajado para Cuba no final de 1961. Embora fosse um grupo politicamente heterogêneo, alguns deles eram ex-membros do Partido Comunista. Posteriormente, o grupo original foi alimentado por outros ex-membros do partido orientado para Moscou, revolucionários independentes e um grupo de cerca de quarenta estudantes peruanos que haviam recebido bolsas para estudar em Cuba que, impressionados com a Revolução, queriam organizar a luta de guerrilha em Peru.

O ELN passou por três fases; Béjar participou ativamente das duas primeiras. A primeiro começa com sua fundação e se estende até a primeira derrota do ELN, em maio de 1963, na cidade peruana de Puerto Maldonado, com a morte do poeta Javier Heraud. A segunda fase começa com um processo de reestruturação e uma avaliação da experiência da primeira guerrilha. Nesta fase, em setembro de 1965, o ELN criou a Frente Guerrilheira "Javier Heraud" no departamento de Ayacucho, província de La Mar. Esse período terminou em dezembro de 1965 com a derrota do ELN e a morte de quase todos os seus militantes. Havia apenas dois sobreviventes; um deles, Héctor Béjar. Doente da uta e com a guerrilha dizimada, voltou a Lima em 27 de fevereiro de 1966 e no dia seguinte foi preso na casa do economista e professor universitário Virgilio Roel.

Na guerrilha, seu pseudônimo era Calixto. Ele não comandava o ELN, mas liderava a guerrilha: o ELN não usava graduações, apesar de ter disciplina militar. Béjar teve a carreira política mais longa de todos os integrantes do grupo guerrilheiro do departamento de Ayacucho. Ele não foi condenado porque não havia provas de sua participação na guerrilha. Os camponeses da Fazenda Chapi, uma das fazendas atacadas pelos guerrilheiros (em 25 de setembro de 1965), não o reconheceram como um dos guerrilheiros. Ele estava na prisão sem sentença. O Estado peruano pediu 17 anos de prisão.

Seu primeiro livro, Perú 1965: Apuntes sobre una experiencia guerrillera, que ganhou o Premio Latinoamericano de Ensayo de Casas de Américas en 1969, foi o resultado de uma extensão de um relatório que ele preparou sobre a guerrilha em 1965 para o ELN. Esse texto foi denominado Informe 1965 e foi publicado mimeografado pela organização. O relatório inicial foi ampliado porque Desirée Lieven, líder franco-russa de um comitê de apoio aos presos políticos no Peru na França, propôs publicar as análises e experiências de Béjar pela renomada editora Maspero. No entanto, Hildebrando Pérez Grande, membro do ELN, propôs que ele concorresse ao prêmio de melhor redação da Casa de las Américas.

Além deste livro, após sua prisão, ele conseguiu publicar vários trabalhos em relação à guerrilha. Em 1967, o próprio ELN publicou Revolución: presente y futuro. Este trabalho é uma síntese explicativa dos antecedentes objetivos e das principais experiências do movimento guerrilheiro de 1965, e particularmente do ELN. Um ano depois, a revista chilena Punto Final publicou "La lección de los errores" e em 1969 apareceu na revista OCLAE, de Cuba, "Ernesto Guevara y la revolución latinoamericana" e "Dos guerrilleros continentales", um artigo sobre Che Guevara e Juan Pablo Chang.

Em 24 de dezembro de 1970, Béjar e outros presos políticos foram anistiados. Sua libertação não foi condicional. No entanto, conversas com os representantes militares do Governo de Juan Velasco Alvarado (1968-1975), produto de um golpe militar contra o presidente Fernando Beláunde em 3 de outubro de 1968, Jorge Fernández Maldonado e Leónidas Rodríguez Figueroa, e o civil Carlos Delgado Olivera, Secretário do presidente Velasco, levaram Béjar para atuar na "turma inicial" do Sistema Nacional de Apoio à Mobilização Social (SINAMOS).

O objetivo do SINAMOS era trabalhar pela transferência do poder, pois os militares pensavam em ir embora. Se saíssem, não entregariam o poder aos partidos, mas organizariam uma espécie de governo popular com representação de operários e camponeses. A missão do SINAMOS era organizar os camponeses que receberam terras por meio da Reforma Agrária (1969) e os trabalhadores das comunidades industriais, que junto com o empresariado dirigiam suas empresas.

Lá, Béjar era responsável pela Direção Geral das Organizações Juvenis. Essa diretoria organizava jovens voluntários que ajudavam a organizar as ligas agrárias, mas também tinham tarefas técnicas. Além disso, a Diretoria desenvolveu atividades de divulgação sobre a revolução entre os jovens. Trabalhou no SINAMOS de 1971 a 1975, ano da queda de Velasco (29 de agosto de 1975).

Depois de trabalhar no SINAMOS, por alguns meses, foi vice-redator do jornal El Comercio, expropriado pelo Governo Militar de Velasco. Ele foi convidado por seu diretor Helan Jaworski. Quando a correlação de forças no Governo era definitivamente contrária ao processo iniciado por Velasco, em maio de 1976, Béjar foi despedido. Tendo em vista que o novo governo militar liderado por Francisco Morales Bermúdez pensava que voltaria a organizar a guerrilha, foi perseguido por um ano e tinha um mandado de prisão.

Em dezembro de 1976, seu segundo livro foi publicado, intitulado La revolución en la trampa. Este trabalho trata dos processos políticos do período 1968-1975.

Em 1977, sob a liderança de Jaworski, foi fundado o Centro de Estudos de Desenvolvimento e Participação (CEDEP). A missão do CEDEP era manter relações com os camponeses beneficiários da reforma agrária e oferecer assistência técnica às comunidades camponesas. Béjar aderiu e teve a tarefa de continuar a desenvolver contatos com as ligas agrárias e com as federações camponesas. No período 1989-2000 foi diretor do CEDEP. Além de desenvolver trabalhos com as comunidades, o CEDEP também publicou uma revista de ciências sociais chamada Socialismo y Participación. No período 2000-2009, Béjar foi seu diretor.

Apoiando a Asociación Nacional de Centros del Perú, participou da organização de treze Conferencias Nacionales sobre el Desarrollo Social (CONADES), que reuniu entre 1995 e 2007 organizações peruanas que trabalham pelo desenvolvimento.. Foi responsável pelos Relatórios Centrais que propunham políticas sociais para superar a situação de pobreza de grande parte da população. Todo esse trabalho influenciou o Acordo Nacional (2002) firmado pelo ex-presidente Alejandro Toledo, que incorporou um conjunto de demandas sociais como políticas públicas.

A partir de 1994, após a aprovação da Constituição de 1993, juntou-se à oposição à ditadura neoliberal de Fujimori, por meio do Comitê Cívico liderado por Gustavo Mohme Llona, ​​diretor do jornal La República, e participou da organização do DEMOS - Movimiento por la Democracia y Sociedad, que coordenou e centralizou este movimento anti-ditatorial. Essa intensa atividade, que mobilizou milhares de pessoas, culminou na fuga de Fujimori e na volta à democracia.

Até 2009 trabalhou no CEDEP. Foi nesse período que publicou seu terceiro livro, Política Social, Justicia Social (2001). A saída do CEDEP ocorreu porque, por um lado, não havia mais financiamento para o tipo de projetos que Béjar estava propondo e, por outro, começou a trabalhar como professor. O Socialismo y Participación não continuaram por falta de financiamento. A última edição (107) data de outubro de 2009.

Após a queda do ditador Fujimori em 2000, Béjar voltou à política de esquerda organizada. Por um tempo, ele foi o coordenador de uma frente que visava unir a esquerda. Posteriormente, algumas dessas organizações criaram a Frente Ampla, que participou das eleições parlamentares de 2016. Essas eleições marcaram o retorno da esquerda de forma organizada, após mais de 20 anos de ausência, ao Congresso peruano.

No período 2009-2020, Béjar dedicou-se principalmente ao ensino e à redação de livros acadêmicos, como Mitos y metas del milenio. La pobreza según los sofistas (2010), Mito y Utopía. Relato alternativo del origen republicano del Perú (2012), Retorno a la guerrilla (2016) e Vieja crónica y mal gobierno Desde 2005 é Membro Honorário do Colégio de Sociólogos do Peru. Além de se dedicar ao ensino e à pesquisa acadêmica, é analista político, dá conferências sobre a situação política no Peru e na América Latina, escreve artigos e faz apresentações em eventos relacionados à guerrilha dos anos 1960 e ao governo Velasco.

Ao longo de sua vida, Héctor Béjar foi um militante de esquerda comprometido. E continuará sendo agora, desde sua posição como Chanceler do Peru. Para os peruanos e peruanas, mas também para as esquerdas de toda a América Latina, sua nomeação é motivo de comemoração. Saúde!

Sobre o autor

Doutor em Estudos de Desenvolvimento (Universidade Autônoma de Zacatecas, México) e Mestre em Economia (Universidade de Amsterdã, Holanda). Professor-pesquisador da Faculdade de Ciências Econômicas e Empresariais da Universidade Ricardo Palma (Peru) e autor de Lucha revolucionaria. Perú, 1958-1967 (2013) e Capitalism, class and revolution in Peru, 1980-2016 (2018).

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