Alex Hochuli
Jacobin
The White Lotus alfineta tanto os direitos dos ricos quanto suas pretensões egoístas. (HBO) |
Tradução / Tirar férias é um momento especial, quando você pode deixar esse fardo chamado sociedade para trás e se dedicar a atividades mais narcisistas. E ser mimado – como um bebê.
“Eles querem ser o único filho, o bebê especialmente escolhido para o hotel”, explica Armond, o gerente do resort, a um colega no primeiro episódio de The White Lotus, da HBO, uma minissérie de 6 episódios sobre pessoas ricas de férias no Havaí. A comédia dramática é uma sátira mordaz, valendo-se nitidamente de clássicos da TV e do cinema: problemas no paraíso (digamos, A praia) e comédia em um hotel (Fawlty Towers).
O que diferencia The White Lotus e seu hotel resort de mesmo nome é que ele serve como um contêiner para os antagonismos sociais dos Estados Unidos, com a representação do drama da sociedade de classes dos hóspedes e funcionários e seus delírios no século XXI no idílio tropical. Os membros principais de um elenco soberbo são dez no total. Os oito veranistas – uma família de quatro pessoas mais uma amiga, um casal recém-casado e uma viajante solo de luto – são verdadeira caricaturas da classe dominante e seus auxiliares profissionais: uma autopiedade cruel, alienada e superior. Estes são complementados por funcionários contratados: Belinda, a massagista do hotel, e o gerente, Armond.
Suas interações são frequentemente sobrepostas por um pressentimento fatal – auxiliado por um ritmo de tambores tribais e ondas que quebram e aumentam a tensão sem nunca servir como um substituto para o drama real nas cenas. As relações dos personagens, por sua vez, servem como lembretes de que a sociedade (de classes) permeia toda parte, até mesmo em uma ilha tropical, algo que a televisão norte-americana tradicionalmente faz o possível para esconder.
A nitidez da sátira social é, deve ser dito, estimulada por um recurso barato de enredo: aprendemos na cena de abertura que alguém morreu no resort durante a estada de nossos oito protagonistas. O fato ser bem executado não o impede de ser um clichê também. Mas, para o crédito do showrunner Mike White (que também fez Escola do Rock), isso funciona como gancho para dar início à ação: depois disso, a tensão dramática é autossustentável. Mesmo que os showrunners desfiem o mistério da morte no final, isso não deve causar grandes danos ao programa.
Em vez disso, os hóspedes do hotel criam seu próprio drama. Os recém-casados Shane (herdeiro de um magnata do mercado imobiliário e um idiota detestável com um boné da Cornell) e Rachel (uma jornalista de clickbait e a única convidada que não está lá pelo seu dinheiro) estão no processo de se descobrirem – ao mesmo tempo em que descobrem que cometeram um grande erro. Nicole (CEO de uma empresa de alta tecnologia) e seu marido desmasculinizado, Mark, são pais de Quinn (um adolescente alienado e viciado em telas) e da estudante universitária Olivia (uma sabe-tudo cruel obcecada por si mesma). Acompanhados pela amiga de faculdade de Olivia, Paula (uma típica zoomer super diagnosticada e super medicada). Os cinco compõem a clássica família rica e disfuncional. Completando este conjunto VIP – os convidados, ao contrário da maioria, chegaram de barco – está a trágica Tanya, uma senhora com botox que luta para superar o luto de sua falecida mãe abusiva.
O narcisismo carente dos personagens transborda para o âmbito dos funcionários do hotel. A alcoólatra Tanya se apega a Belinda, a massagista, imaginando-a como uma “negra mística” que pode preencher o vazio dentro dela. A estoica Belinda fica desconcertada com a resposta quase extática de Tanya às massagens terapêuticas de Belinda. A massagista aceita com relutância o convite de Tanya para jantar, apesar dos regulamentos do hotel serem contra a confraternização entre funcionários e hóspedes. “O que?! Isso é algum tipo de sistema de castas?”, pergunta Tanya incrédula (Ah, mais do que você imagina!).
Belinda mantém suas cartas escondidas, em um eco do que Armond (um gerente de hotel em recuperação do vício) aconselha outra funcionária: “Desencorajamos a presença do funcionário… Você não vai querer ser muito específica ou ter uma identidade.” O trabalho físico da equipe – preparando o resort antes mesmo dos hóspedes acordarem – é adicionado ao trabalho emocional dos bastidores.
Armond, porém, está prestes a explodir, de volta ao álcool e às drogas – precisando apenas de um empurrão do babaca Shane, que insiste em hostiliza-lo por ter duplicado sem querer a reserva da premiada Pineapple Suite. Embora a lua-de-mel de Shane e Rachel desfrute de uma bela suíte com suas próprias vantagens, Shane exige seu privilégio. “Estou finalmente recebendo algum respeito!”, exclama o personagem após receber uma garrafa de champanhe como recompensa do gerente. Como um garoto rico mimado, ele precisa do seu ego acariciado. “As pessoas têm vindo atrás de mim durante toda minha vida”, ele lamenta a esposa, suas imensas vantagens sociais são transformadas em vitimização.
São esses tipos de momentos que são observados com tanta astúcia na série. Mike White tem seus personagens empurrados uns contra os outros de tal forma que desferem golpes, expondo suas fraquezas e contradições, sem um modelo de virtude emergindo – seja ele pessoal ou político.
Em uma das muitas cenas tensas da mesa de jantar (o estábulo de sátiras da burguesia, de Luis Buñuel em diante), a guerreira da justiça social Olivia denuncia a carreira de sua mãe, Nicole, minimizando sua conquista como mulher no topo da cadeia corporativa e cobrando sua empresa Big Tech de “desvendar o tecido social”. Acontece que Nicole estava apenas procurando alguma validação pessoal de sua filha, não seu endosso político. “Quero apoio como sua mãe”, ela exclama – uma das muitas situações de confusão entre o pessoal e o político, o social e o psicológico.
Olivia e Paula são perfeitamente descritas como estudantes em seus primeiros anos de faculdade, membros de uma futura casta de administradores que aprenderam um pouco sobre o mundo e que se imaginam saber de tudo. A certa altura, Nicole rebateu a dupla: “Meu sentimento é que a maioria desses ativistas não quer realmente desmantelar os sistemas de exploração econômica, não aqueles que os beneficiam – que são todos globais, a propósito. Eles só querem um lugar melhor à mesa da tirania.” Olivia retruca: “Não, é só você, mãe.”
“E qual é o seu sistema de crença, Olivia?” pergunta Nicole. “Não é capitalismo. Não é socialismo. Então, é apenas cinismo?”
O fato de tal distorção das pretensões radicais e egoístas por parte dos abastados vir de uma mulher chefe estilo Hillary Clinton é uma conquista por parte dos criadores da série. Quando a verdade surge de bocas improváveis, é uma prova de boa escrita.
E é uma mulher improvável. Em uma cena separada, a bela jornalista Rachel se aproxima de Nicole, de quem ela havia escrito um perfil alguns anos antes, em busca de conselhos de vida. Rachel sente que está perdendo sua independência, agora que ela se casou com um cara rico, e teme que sua carreira evapore (o marido execrável até mesmo propõe “dobrar tudo que eles estão pagando” a ela para que sua noiva se torne a esposa troféu dos seus sonhos). É revelado que nesse perfil, Rachel argumentou que Nicole havia escalado o topo da escada corporativa “surfando na onda Me Too, usando a vitimização de outras mulheres para avançar”. Ninguém se deu bem, nem mesmo Rachel – ela também faz parte do sistema, agora se beneficia da segurança financeira com a qual se casou.
E é este precisamente o ponto: a ideologia não é o que você acredita, é o que você faz.
O filho adolescente Quinn, por causa dos argumentos egoístas da irmã e da mãe, explode à mesa: “O que importa o que pensamos? Se pensamos nas coisas certas ou erradas? Todos nós fazemos a mesma merda.” Um momento de clareza impressionante – embora rapidamente abalado quando descobrimos o que Quinn estava querendo dizer: eco-niilismo. “Ainda somos todos parasitas da Terra. Não existe pessoa virtuosa quando estamos todos comendo peixe e jogando todas as nossas porcarias de plástico no oceano. Tipo, um bilhão de animais morreram na Austrália durante os incêndios. Um bilhão. Para onde vai toda a dor?”
Olivia e Paula são estudantes em seus primeiros anos de faculdade, membros de uma futura casta de administradores que aprenderam um pouco sobre o mundo e que se imaginam saber de tudo.
Mais uma vez, o narcisismo afetado dos convidados os leva a reconhecer continuamente o político como pessoal e vice-versa. Por exemplo, quando o pai vitimista, Mark, fica traumatizado com a notícia que recebe (seu falecido pai era gay, levava uma vida dupla e morreu de AIDS, não de câncer como se acreditava anteriormente), a insensível filha Olivia interpreta isso como uma expressão de repulsa homofóbica – mais uma oportunidade para ela sinalizar suas virtudes.
O envolvimento pessoal dos personagens é um ponto perigoso. A carente Tanya descarta casualmente a ideia de que Belinda poderia começar seu próprio negócio – Tanya poderia até mesmo bancar isso! Belinda de repente vê uma oportunidade de se livrar de um trabalho insatisfatório no spa do hotel “ajudando pessoas ricas fodidas” (“Eu conheço um monte de gente rica fodida”, cospe Tanya com algum veneno – claramente se referindo a seus pais abusivos… e talvez ela mesma). Mais tarde, Tanya começa um romance de férias e parece perder o interesse em sua outrora favorita amiga Belinda. Será que Belinda ficará em apuros, com um plano de negócios sem investidores?
A evidente dor psicológica de Tanya estimula um certo grau de simpatia do público. Assim como a amiga de Olivia, Paula – apanhada não apenas na perturbação da família de sua amiga, mas também na mira do ciúme dela. Paula – uma das únicas hóspedes não brancas – se identifica com a situação de Kai, um belo membro da equipe havaiana e sua história de injustiça (o hotel roubou as terras de sua família; agora ele trabalha no hotel realizando danças tradicionais para os clientes ricos). Para “salvar” Kai, ela elabora um plano para que ele roube um par de pulseiras de Nicole no valor de 75 mil dólares – expondo assim ele, não ela, a um grande risco. Ela só faz isso, no entanto, quando descobre que Olivia estava flertando com Kai, tentando tirá-lo de perto dela. Engraçado como as supostas paixões por justiça social frequentemente vêm entrelaçadas com uma vingança pessoal.
O fato da série ter sido produzido nos Estados Unidos pode ser um acidente nas circunstâncias. Foi sinalizado que a HBO estava procurando algo “amigável para COVID” do ponto de vista de produção. Filmar em locações em um hotel resort no Havaí se encaixou. Mas a HBO tem antecedentes. Em sua sátira sobre os ricos – e no exame das patologias americanas pelo prisma da família – a Sucession é uma comparação óbvia. Este último é uma série muito mais grandiosa, com um drama melhor, mas o showrunner Mike White reconhece algumas limitações de Sucession como uma sátira da classe média alta: “É uma grande série, mas é a corte do rei. Eles são bilionários. Com White Lotus eu queria que fosse mais, tipo ‘esse é o seu vizinho rico que faz parte do sistema”’.
Alguns críticos reclamaram que essa abordagem carece de tensão dramática, perguntando “por que devo me preocupar com as férias dessas pessoas?”. Mas é a falta de exotismo da série (se não banal) que o torna uma sátira tão contundente. Afinal, uma sensação comum aos veranistas que estão em níveis inferiores na ordem social também é – e isso que a torna tão envolvente. Tanto é investido em uma semana de férias em meio a 51 semanas de trabalho árduo que a necessidade de ser perfeito e livre de preocupações sociais comuns se torna grande. É por isso que revela os problemas no paraíso: a ideia do desastre nas férias, ocorre com tanta frequência, tanto na ficção quanto em nossos próprios medos. É o que o torna tão provocativo.
Mas o que torna os convidados do White Lotus um pouco diferentes é sua evidente falta de preocupação em aproveitar o tempo; eles, ao contrário da maioria, usam seu lazer com leveza – seja a disposição workaholic de Nicole ou a determinação de Shane em perseguir o gerente do resort às custas da “lua-de-mel perfeita”.
Aqui está um ponto importante sobre a classe que a série aborda – com seus personagens cuidadosamente gentis e quase nunca totalmente antipáticos (o que é esperado de um roteirista de Freaks and Geeks, a única série de TV que retratou o ensino médio direito). A classe não é sobre desigualdade, é sobre falta de liberdade. Uma parte importante da história da sociedade de classes são os sujeitos problemáticos que ela cria. Como em Parasita, o pessoal, os oprimidos, do andar de baixo para os hóspedes ricos de cima, não são boas vítimas, ou boas porque são vítimas. Eles têm suas fraquezas e causam danos também. Mas simpatizamos porque seu arbítrio, sua liberdade, é muito mais circunscrito do que aqueles a quem servem.
Isso é socialmente estruturado. Não se trata de ter boas opiniões ou ser uma boa pessoa. A ideologia funciona por meio do que você faz, não dos pensamentos que você mantém em sua cabeça. Entender as coisas dessa maneira permite que The White Lotus atravesse as infindáveis guerras culturais de grande importância, cuja base é precisamente as opiniões que alguém mantém e as opiniões dos outros que um defende e as opiniões que alguém presume que o outro defende. E isso permanece verdadeiro, não importa quão “políticas” sejam as opiniões – digamos, no confronto entre aqueles preocupados com opressão e privilégio e aqueles que defendem o mérito e as realizações. No jantar do White Lotus, esses lados são divididos materialmente apenas pela mesa, e talvez uma geração.
O que mudaria se o narcisismo não os impedisse de perceber isso? O que está em jogo é que suas ilusões materialmente estruturadas estão continuamente espalhadas pela mídia dos Estados Unidos. Esta é a política contemporânea achatada, esmagada, dobrada, sugando o oxigênio da esfera pública. Esse lugar onde a política de classe pode estar.
Sobre o autor
Alex Hochuli é escritor e consultor de pesquisa. Ele é co-apresentador do Aufhebunga Bunga, o podcast de política global, e coautor de "Politics at the End of the End of History".
“Eles querem ser o único filho, o bebê especialmente escolhido para o hotel”, explica Armond, o gerente do resort, a um colega no primeiro episódio de The White Lotus, da HBO, uma minissérie de 6 episódios sobre pessoas ricas de férias no Havaí. A comédia dramática é uma sátira mordaz, valendo-se nitidamente de clássicos da TV e do cinema: problemas no paraíso (digamos, A praia) e comédia em um hotel (Fawlty Towers).
O que diferencia The White Lotus e seu hotel resort de mesmo nome é que ele serve como um contêiner para os antagonismos sociais dos Estados Unidos, com a representação do drama da sociedade de classes dos hóspedes e funcionários e seus delírios no século XXI no idílio tropical. Os membros principais de um elenco soberbo são dez no total. Os oito veranistas – uma família de quatro pessoas mais uma amiga, um casal recém-casado e uma viajante solo de luto – são verdadeira caricaturas da classe dominante e seus auxiliares profissionais: uma autopiedade cruel, alienada e superior. Estes são complementados por funcionários contratados: Belinda, a massagista do hotel, e o gerente, Armond.
Suas interações são frequentemente sobrepostas por um pressentimento fatal – auxiliado por um ritmo de tambores tribais e ondas que quebram e aumentam a tensão sem nunca servir como um substituto para o drama real nas cenas. As relações dos personagens, por sua vez, servem como lembretes de que a sociedade (de classes) permeia toda parte, até mesmo em uma ilha tropical, algo que a televisão norte-americana tradicionalmente faz o possível para esconder.
A nitidez da sátira social é, deve ser dito, estimulada por um recurso barato de enredo: aprendemos na cena de abertura que alguém morreu no resort durante a estada de nossos oito protagonistas. O fato ser bem executado não o impede de ser um clichê também. Mas, para o crédito do showrunner Mike White (que também fez Escola do Rock), isso funciona como gancho para dar início à ação: depois disso, a tensão dramática é autossustentável. Mesmo que os showrunners desfiem o mistério da morte no final, isso não deve causar grandes danos ao programa.
Em vez disso, os hóspedes do hotel criam seu próprio drama. Os recém-casados Shane (herdeiro de um magnata do mercado imobiliário e um idiota detestável com um boné da Cornell) e Rachel (uma jornalista de clickbait e a única convidada que não está lá pelo seu dinheiro) estão no processo de se descobrirem – ao mesmo tempo em que descobrem que cometeram um grande erro. Nicole (CEO de uma empresa de alta tecnologia) e seu marido desmasculinizado, Mark, são pais de Quinn (um adolescente alienado e viciado em telas) e da estudante universitária Olivia (uma sabe-tudo cruel obcecada por si mesma). Acompanhados pela amiga de faculdade de Olivia, Paula (uma típica zoomer super diagnosticada e super medicada). Os cinco compõem a clássica família rica e disfuncional. Completando este conjunto VIP – os convidados, ao contrário da maioria, chegaram de barco – está a trágica Tanya, uma senhora com botox que luta para superar o luto de sua falecida mãe abusiva.
O narcisismo carente dos personagens transborda para o âmbito dos funcionários do hotel. A alcoólatra Tanya se apega a Belinda, a massagista, imaginando-a como uma “negra mística” que pode preencher o vazio dentro dela. A estoica Belinda fica desconcertada com a resposta quase extática de Tanya às massagens terapêuticas de Belinda. A massagista aceita com relutância o convite de Tanya para jantar, apesar dos regulamentos do hotel serem contra a confraternização entre funcionários e hóspedes. “O que?! Isso é algum tipo de sistema de castas?”, pergunta Tanya incrédula (Ah, mais do que você imagina!).
Belinda mantém suas cartas escondidas, em um eco do que Armond (um gerente de hotel em recuperação do vício) aconselha outra funcionária: “Desencorajamos a presença do funcionário… Você não vai querer ser muito específica ou ter uma identidade.” O trabalho físico da equipe – preparando o resort antes mesmo dos hóspedes acordarem – é adicionado ao trabalho emocional dos bastidores.
Armond, porém, está prestes a explodir, de volta ao álcool e às drogas – precisando apenas de um empurrão do babaca Shane, que insiste em hostiliza-lo por ter duplicado sem querer a reserva da premiada Pineapple Suite. Embora a lua-de-mel de Shane e Rachel desfrute de uma bela suíte com suas próprias vantagens, Shane exige seu privilégio. “Estou finalmente recebendo algum respeito!”, exclama o personagem após receber uma garrafa de champanhe como recompensa do gerente. Como um garoto rico mimado, ele precisa do seu ego acariciado. “As pessoas têm vindo atrás de mim durante toda minha vida”, ele lamenta a esposa, suas imensas vantagens sociais são transformadas em vitimização.
São esses tipos de momentos que são observados com tanta astúcia na série. Mike White tem seus personagens empurrados uns contra os outros de tal forma que desferem golpes, expondo suas fraquezas e contradições, sem um modelo de virtude emergindo – seja ele pessoal ou político.
Em uma das muitas cenas tensas da mesa de jantar (o estábulo de sátiras da burguesia, de Luis Buñuel em diante), a guerreira da justiça social Olivia denuncia a carreira de sua mãe, Nicole, minimizando sua conquista como mulher no topo da cadeia corporativa e cobrando sua empresa Big Tech de “desvendar o tecido social”. Acontece que Nicole estava apenas procurando alguma validação pessoal de sua filha, não seu endosso político. “Quero apoio como sua mãe”, ela exclama – uma das muitas situações de confusão entre o pessoal e o político, o social e o psicológico.
Olivia e Paula são perfeitamente descritas como estudantes em seus primeiros anos de faculdade, membros de uma futura casta de administradores que aprenderam um pouco sobre o mundo e que se imaginam saber de tudo. A certa altura, Nicole rebateu a dupla: “Meu sentimento é que a maioria desses ativistas não quer realmente desmantelar os sistemas de exploração econômica, não aqueles que os beneficiam – que são todos globais, a propósito. Eles só querem um lugar melhor à mesa da tirania.” Olivia retruca: “Não, é só você, mãe.”
“E qual é o seu sistema de crença, Olivia?” pergunta Nicole. “Não é capitalismo. Não é socialismo. Então, é apenas cinismo?”
O fato de tal distorção das pretensões radicais e egoístas por parte dos abastados vir de uma mulher chefe estilo Hillary Clinton é uma conquista por parte dos criadores da série. Quando a verdade surge de bocas improváveis, é uma prova de boa escrita.
E é uma mulher improvável. Em uma cena separada, a bela jornalista Rachel se aproxima de Nicole, de quem ela havia escrito um perfil alguns anos antes, em busca de conselhos de vida. Rachel sente que está perdendo sua independência, agora que ela se casou com um cara rico, e teme que sua carreira evapore (o marido execrável até mesmo propõe “dobrar tudo que eles estão pagando” a ela para que sua noiva se torne a esposa troféu dos seus sonhos). É revelado que nesse perfil, Rachel argumentou que Nicole havia escalado o topo da escada corporativa “surfando na onda Me Too, usando a vitimização de outras mulheres para avançar”. Ninguém se deu bem, nem mesmo Rachel – ela também faz parte do sistema, agora se beneficia da segurança financeira com a qual se casou.
E é este precisamente o ponto: a ideologia não é o que você acredita, é o que você faz.
O filho adolescente Quinn, por causa dos argumentos egoístas da irmã e da mãe, explode à mesa: “O que importa o que pensamos? Se pensamos nas coisas certas ou erradas? Todos nós fazemos a mesma merda.” Um momento de clareza impressionante – embora rapidamente abalado quando descobrimos o que Quinn estava querendo dizer: eco-niilismo. “Ainda somos todos parasitas da Terra. Não existe pessoa virtuosa quando estamos todos comendo peixe e jogando todas as nossas porcarias de plástico no oceano. Tipo, um bilhão de animais morreram na Austrália durante os incêndios. Um bilhão. Para onde vai toda a dor?”
Olivia e Paula são estudantes em seus primeiros anos de faculdade, membros de uma futura casta de administradores que aprenderam um pouco sobre o mundo e que se imaginam saber de tudo.
Mais uma vez, o narcisismo afetado dos convidados os leva a reconhecer continuamente o político como pessoal e vice-versa. Por exemplo, quando o pai vitimista, Mark, fica traumatizado com a notícia que recebe (seu falecido pai era gay, levava uma vida dupla e morreu de AIDS, não de câncer como se acreditava anteriormente), a insensível filha Olivia interpreta isso como uma expressão de repulsa homofóbica – mais uma oportunidade para ela sinalizar suas virtudes.
O envolvimento pessoal dos personagens é um ponto perigoso. A carente Tanya descarta casualmente a ideia de que Belinda poderia começar seu próprio negócio – Tanya poderia até mesmo bancar isso! Belinda de repente vê uma oportunidade de se livrar de um trabalho insatisfatório no spa do hotel “ajudando pessoas ricas fodidas” (“Eu conheço um monte de gente rica fodida”, cospe Tanya com algum veneno – claramente se referindo a seus pais abusivos… e talvez ela mesma). Mais tarde, Tanya começa um romance de férias e parece perder o interesse em sua outrora favorita amiga Belinda. Será que Belinda ficará em apuros, com um plano de negócios sem investidores?
A evidente dor psicológica de Tanya estimula um certo grau de simpatia do público. Assim como a amiga de Olivia, Paula – apanhada não apenas na perturbação da família de sua amiga, mas também na mira do ciúme dela. Paula – uma das únicas hóspedes não brancas – se identifica com a situação de Kai, um belo membro da equipe havaiana e sua história de injustiça (o hotel roubou as terras de sua família; agora ele trabalha no hotel realizando danças tradicionais para os clientes ricos). Para “salvar” Kai, ela elabora um plano para que ele roube um par de pulseiras de Nicole no valor de 75 mil dólares – expondo assim ele, não ela, a um grande risco. Ela só faz isso, no entanto, quando descobre que Olivia estava flertando com Kai, tentando tirá-lo de perto dela. Engraçado como as supostas paixões por justiça social frequentemente vêm entrelaçadas com uma vingança pessoal.
O fato da série ter sido produzido nos Estados Unidos pode ser um acidente nas circunstâncias. Foi sinalizado que a HBO estava procurando algo “amigável para COVID” do ponto de vista de produção. Filmar em locações em um hotel resort no Havaí se encaixou. Mas a HBO tem antecedentes. Em sua sátira sobre os ricos – e no exame das patologias americanas pelo prisma da família – a Sucession é uma comparação óbvia. Este último é uma série muito mais grandiosa, com um drama melhor, mas o showrunner Mike White reconhece algumas limitações de Sucession como uma sátira da classe média alta: “É uma grande série, mas é a corte do rei. Eles são bilionários. Com White Lotus eu queria que fosse mais, tipo ‘esse é o seu vizinho rico que faz parte do sistema”’.
Alguns críticos reclamaram que essa abordagem carece de tensão dramática, perguntando “por que devo me preocupar com as férias dessas pessoas?”. Mas é a falta de exotismo da série (se não banal) que o torna uma sátira tão contundente. Afinal, uma sensação comum aos veranistas que estão em níveis inferiores na ordem social também é – e isso que a torna tão envolvente. Tanto é investido em uma semana de férias em meio a 51 semanas de trabalho árduo que a necessidade de ser perfeito e livre de preocupações sociais comuns se torna grande. É por isso que revela os problemas no paraíso: a ideia do desastre nas férias, ocorre com tanta frequência, tanto na ficção quanto em nossos próprios medos. É o que o torna tão provocativo.
Mas o que torna os convidados do White Lotus um pouco diferentes é sua evidente falta de preocupação em aproveitar o tempo; eles, ao contrário da maioria, usam seu lazer com leveza – seja a disposição workaholic de Nicole ou a determinação de Shane em perseguir o gerente do resort às custas da “lua-de-mel perfeita”.
Aqui está um ponto importante sobre a classe que a série aborda – com seus personagens cuidadosamente gentis e quase nunca totalmente antipáticos (o que é esperado de um roteirista de Freaks and Geeks, a única série de TV que retratou o ensino médio direito). A classe não é sobre desigualdade, é sobre falta de liberdade. Uma parte importante da história da sociedade de classes são os sujeitos problemáticos que ela cria. Como em Parasita, o pessoal, os oprimidos, do andar de baixo para os hóspedes ricos de cima, não são boas vítimas, ou boas porque são vítimas. Eles têm suas fraquezas e causam danos também. Mas simpatizamos porque seu arbítrio, sua liberdade, é muito mais circunscrito do que aqueles a quem servem.
Isso é socialmente estruturado. Não se trata de ter boas opiniões ou ser uma boa pessoa. A ideologia funciona por meio do que você faz, não dos pensamentos que você mantém em sua cabeça. Entender as coisas dessa maneira permite que The White Lotus atravesse as infindáveis guerras culturais de grande importância, cuja base é precisamente as opiniões que alguém mantém e as opiniões dos outros que um defende e as opiniões que alguém presume que o outro defende. E isso permanece verdadeiro, não importa quão “políticas” sejam as opiniões – digamos, no confronto entre aqueles preocupados com opressão e privilégio e aqueles que defendem o mérito e as realizações. No jantar do White Lotus, esses lados são divididos materialmente apenas pela mesa, e talvez uma geração.
O que mudaria se o narcisismo não os impedisse de perceber isso? O que está em jogo é que suas ilusões materialmente estruturadas estão continuamente espalhadas pela mídia dos Estados Unidos. Esta é a política contemporânea achatada, esmagada, dobrada, sugando o oxigênio da esfera pública. Esse lugar onde a política de classe pode estar.
Sobre o autor
Alex Hochuli é escritor e consultor de pesquisa. Ele é co-apresentador do Aufhebunga Bunga, o podcast de política global, e coautor de "Politics at the End of the End of History".
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