16 de agosto de 2021

Mais uma vez, os EUA foram derrotados no Afeganistão

No Afeganistão, assim como no Vietnã e no Iraque, as elites dos EUA nos venderam uma visão do mundo na qual os Estados Unidos sozinhos têm não apenas o poder, mas o dever de reformular à força o mundo da maneira que acharem melhor. Eles novamente se provaram totalmente incapazes de fazer isso.

Branko Marcetic



Tradução / Olhando de uma maneira, a Guerra do Afeganistão foi um grande sucesso. Se você pensar na máquina de guerra dos EUA perpetuamente opressora como um grande funil através do qual o dinheiro público é transformado em lucros corporativos, então os gastos de mais de US$ 2 trilhões da guerra foram uma bênção para uma variedade de interesses comerciais, desde o setor militar privado contratado que superava as tropas dos EUA em sete para um no final da guerra, até as diversas empresas que armaram, forneceram, equiparam e construíram o esforço de guerra e os investidores privados que possuem a maior parte da dívida dos EUA e se beneficiaram com mais de US$ 500 bilhões de juros que o governo pagou em seus empréstimos para financiar essa guerra até agora.

Mas as há outro lado mais sério desenvolvido pelo establishment da política externa de Washington, que acredita genuinamente na posição dos Estados Unidos como o hegemon global que lhes permite remodelar ilimitadamente o mundo da maneira que achar melhor, para o bem de seus próprios interesses. E o rápido colapso do Afeganistão na semana passada frente o ataque do Talibã é apenas mais um episódio de uma longa história que prova que isso está errado.

Os Estados Unidos, é claro, ainda são uma nação extremamente poderosa. Tem as maiores Forças Armadas do mundo, a capacidade de aniquilar toda a vida no planeta, o poder de paralisar as economias de seus adversários, influenciar as eleições de outras nações e inflamar a agitação política dentro delas – como demonstrou na Venezuela, no Irã e Cuba, para citar alguns exemplos mais recentes. Mas a habilidade de destruir não é a habilidade de controlar. E é difícil conciliar esse último fracasso com a história que as elites dos EUA contam a seu povo e ao mundo sobre “a nação indispensável”, usando força militar onde quiser para remover governos ruins e espalhar a democracia.

Acabamos de assistir as forças de segurança afegãs, que os militares dos EUA gastaram quase duas décadas e bilhões de dólares treinando para manter a frágil democracia do país criada, praticamente evaporarem diante do Talibã depois que as tropas norte-americanas se foram. Oficiais da Casa Branca e planejadores militares foram pegos de surpresa com a velocidade da campanha bem-sucedida dos fundamentalistas, que desafiou até mesmo as estimativas mais recentes e pessimistas da inteligência – um setor militar que sabemos que mentiu sobre o progresso da guerra por anos.

A desesperada luta para transportar pessoas, cidadãos e aliados dos EUA de Cabul enquanto o Talibã tomava a capital atraiu comparações com a caótica retirada dos EUA no Vietnã em 1975, que viu funcionários norte-americanos e sul-vietnamitas se amontoarem em helicópteros no telhado da embaixada dos EUA enquanto os vietcongues tomavam Saigon. Esse foi outro conflito em que os militares dos EUA, após décadas de envolvimento, incluindo onze anos de guerra aberta, viram seus aliados rapidamente se dobrarem e foram forçados a se retirar contra um oponente que eles superavam militarmente. Como alguns apontaram, o Afeganistão é pior em muitos aspectos, já que o Talibã não é tão grande ou bem equipado quanto a guerrilha vietcongue, nem é apoiado por uma superpotência.

Também evoca a aventura malfadada de Washington no Iraque, lançada logo após o Afeganistão, no apogeu das fantasias neoconservadoras sobre o poder dos EUA. Ao contrário do otimismo embriagado do governo Bush e de seus bajuladores da mídia, a guerra não foi rápida, fácil ou bem-sucedida, porque simplesmente remover o ditador iraquiano Saddam Hussein do poder não levaria automaticamente à democracia, paz ou estabilidade. Em vez disso, os EUA passaram anos – e, na verdade, ainda estão lá no futuro previsível – atolados em uma guerra civil, treinando forças de segurança e tentando sustentar um governo autoritário e sectário. A rápida tomada do Afeganistão pelo Talibã parecerá familiar para quem se lembra do colapso impressionante das forças iraquianas contra o Estado Islâmico (ISIS) em 2014.

O caos desencadeado pela guerra do Iraque não impediu Barack Obama, que se tornou presidente em grande parte com base em sua oposição à guerra, de se transformar e entrar em uma operação de mudança de regime na Líbia. Assim como o Iraque, matar o ditador simplesmente gerou confusão no país, ao mesmo tempo que desestabilizou a região mais ampla além de suas fronteiras. Em ambos os casos, as guerras nem mesmo serviram aos estreitos interesses dos objetivos geopolíticos dos EUA: a remoção de Hussein criou uma abertura para outro adversário de Washington no Oriente Médio, o Irã, entrar e exercer influência dentro do país, enquanto a Líbia endureceu seu regime e a Coreia do Norte manteve suas armas de destruição em massa, tendo visto o que acontece com os líderes que cometem o erro de se desarmar.

O que deveria ter ficado claro desde o fracasso no Vietnã – onde as forças dos EUA lançaram milhares de toneladas de bombas sobre os norte-vietnamitas e ajudaram a matar mais de um milhão deles, tudo em vão – é que a extraordinária a capacidade da força bruta tem apenas uma utilidade limitada em situações que exigem soluções políticas de longo prazo. No Afeganistão, todo o poder aéreo do mundo não poderia ajudar a criar uma força de segurança moderna, profissional e sustentável, nem estabelecer um governo popular, eficaz e não corrupto.

Alguns vão questionar até que ponto os políticos dos EUA realmente compram as bobagens sobre a “nação indispensável” que vendem ao público e ao mundo. Mas o que não é discutível é que uma narrativa que eles querem que outras pessoas acreditem, mesmo que episódio após episódio demonstre os limites rígidos do poder dos EUA e a incompetência dos seres humanos que o exercem. E isso deve deixar qualquer um cético em relação aos apelos por mais guerra liderada pelos EUA e mudança de regime que continuamos ouvindo, seja em Cuba, no Irã ou em qualquer outros lugar.

Sobre o autor

Branko Marcetic é redator da Jacobin e autor de Yesterday's Man: The Case Against Joe Biden. Ele mora em Toronto, Canadá.

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