7 de agosto de 2021

A indústria cultural chinesa

Os encontros e desencontros entre a política e a cultura na China contribuíram para transformar ambas as realidades: a cultura se percebe distinta e a política se entende de outra forma.

Uma entrevista com
Xin Gu e Justin O'Connor

Jacobin

Nanjing East Road, Huangpu, Xangai. Crédito: David Veksler / Unsplash

No livro recém-publicado Red Creative, Justin O'Connor e Xin Gu descrevem da Austrália os detalhes que definiram, a partir da década de 1990, a exportação das "indústrias criativas" para a China e sua posterior assimilação pelo Estado.

Mas, em vez de outro livro sobre uma China maldita e apocalíptica, Red Creative sintoniza com as correntes políticas e culturais alternativas do país e analisa como as tradições revolucionárias e as modernidades alternativas ainda influenciam na produção cultural e na compreensão que se tem da política.

Owen Hatherley, editor da seção de cultura do Tribune, conversou com eles sobre as ideias por trás do livro.

Owen Hatherley

Red Creative é ao mesmo tempo uma reconstrução das maneiras pelas quais a China em geral e Xangai em particular, seguindo a recomendação de especialistas ocidentais e alguns autores populares, conseguiram gerar uma "indústria criativa" a partir dos anos 1990. Mas o livro também mostra que o processo não se tornou, em última instância, como muitos pensavam, um passaporte para uma modernidade emancipada. O que resta dessa indústria criativa hoje?

Justin O'Connor

Nosso ponto de partida no livro foi a rápida disseminação da ideia de "indústrias criativas", primeiro no Leste Asiático e depois na China. Passamos muito tempo demonstrando que não se tratava apenas de um setor econômico em expansão, mas que carregava a ideia de uma modernidade "criativa" que contribuiria para a emancipação. Embora economicamente marginais, as “indústrias criativas” exemplificam a proposta que o Ocidente fez à China, pelo menos até 2008: "Se eles se tornarem um país como o nosso, a modernidade também será deles. Mas o desenvolvimento das indústrias criativas requer mais liberdade para os empreendedores, os mercados e a esfera política em geral." Essa ideia nos chocou e nos remeteu às palestras de Hegel - proferidas na época das Guerras do Ópio - nas quais o filósofo deixava a Ásia fora da história e, ainda mais atrás, aos discursos coloniais que identificavam a Europa como local exclusivo da toda a criatividade histórica.

Embora o governo chinês tenha experimentado alguns dos modelos políticos apresentados a ele por instituições como o British Council - em sua maioria clusters criativos, especialmente em Xangai - ele acabou optando por um caminho independente. O governo nunca quis deixar o sistema cultural nas mãos do setor privado. É verdade que ele introduziu uma vigorosa lógica comercial no cinema, televisão, animação, publicidade, música, jogos, etc. Mas ele sempre se preocupou em evitar a influência estrangeira em grande escala e em manter os conteúdos culturais sob controle.

Torre Pérola Oriental. Crédito: Terrence Low / Unsplash

O mais interessante para nós foi descobrir que, ao invés de seguir o roteiro das indústrias criativas do Reino Unido, a China aplicou a lógica do estado desenvolvimentista, seguindo um caminho semelhante ao da Coréia do Sul. A questão da "indústria" foi levada muito a sério e não apenas como um jogo retórico. Houve enormes investimentos de capital, apoiados por uma pesquisa meticulosa de mercado e cadeia de suprimentos, aquisição de infraestrutura básica, treinamento técnico, controle de distribuição e desenho deliberados dos mercados. A China percebeu que a hegemonia cultural europeia e americana tinha menos a ver com "criatividade livre" do que com as vantagens derivadas dos direitos de propriedade intelectual, distribuição, infra-estruturas tecnológicas e convenções. Ele aplicou uma estratégia industrial na cultura que acabou expondo os motivos do interesse do Ocidente por esse gigante e a inépcia do Reino Unido na hora de implantar qualquer coisa que parecesse uma estratégia industrial.

Xin Gu

As políticas mais recentes na área da indústria cultural e criativa estão contidas no 13º Plano Quinquenal Nacional de Desenvolvimento Cultural 2017. O governo de Xangai fez de sua política nacional um guia próprio. A ênfase não é colocada no desenvolvimento da indústria cultural e criativa como áreas independentes. A China rapidamente descobriu algo que já era dito há muito tempo no Reino Unido: que a maior parte do setor cultural não cria empregos nem contribui para o PIB. As atividades que realmente o fazem - as indústrias de telas, incluindo videogames - agora contam com agências de desenvolvimento especializadas, capazes de mobilizar grandes investimentos de capital. No caso de todas as outras, as autarquias recuperaram o valor simbólico e cultural do setor. Xangai promove as indústrias culturais como parte de uma estratégia de regeneração urbana e como um aspecto constitutivo de seu status de cidade "inteligente" e "cosmopolita", uma forma de soft power local.

Em certo sentido, é dado pensar que a política cultural da China está reassumindo o papel que tinha na década de 1980, o de "propaganda". No entanto, ele agora usa as ideias de inovação e criatividade para lançar as bases da cidadania moderna. No nível do governo local, as indústrias culturais foram redesenhadas como uma "cultura pública". Não se espera que gerem qualquer ganho comercial, mas sim coesão e compromisso social, identidade cultural e uma forma de mediação entre o partido e a população. Enquanto a Austrália e o Reino Unido cortam o orçamento para cultura, a China aumenta consideravelmente.

Owen Hatherley

Um dos aspectos mais interessantes do livro é o papel de Xangai. A modernidade "criativa" ocidental chegou a esta cidade já nas décadas de 1920 e 1930, embora mais tarde tenha sido suprimida pelo comunismo. Foi também a cidade onde a cultura moderna deveria renascer após a virada de Deng para o capitalismo. Você argumenta que, muito mais do que um movimento exigindo uma certa normalidade capitalista, a celebrada cultura da "Xangai moderna" foi, em muitos aspectos, uma vanguarda socialista, comparável àquelas que floresciam naquela época na Europa central. Quem fazia parte dessa vanguarda e como foi depois que os comunistas tomaram Xangai em 1949?

Justin O'Connor

Foi muito difícil escrever o capítulo sobre a "Xangai moderna" no período entre guerras. Nenhum de nós é um historiador da arte ou da literatura, nem pretendíamos retratar a época. Em vez disso, assumimos uma posição sobre uma história particular e muito poderosa sobre Xangai que a representou como "a modernidade que a China poderia ter tido em vez do comunismo".

Como um recém-chegado, senti o poder dessa história: era como se as memórias de uma exótica Xangai do passado brilhassem e me cativassem enquanto eu caminhava pelas ruas da cidade. Ao estudar o contexto histórico e político, foi muito importante aprender a desconfiar dessa história e da indústria de nostalgia que ela suscitou. Foi impressionante observar que outros visitantes, antes críticos, acreditaram no mito da Xangai moderna, a ideia de que ela de alguma forma representava uma modernidade alternativa e que agora que a China estava voltando às suas caixas, seria capaz de rlevá-la de volta.

Claro, foi o governo de Xangai que encorajou esses sentimentos, usando a nostalgia do haipai (a cultura "híbrida" característica de Xangai) para construir sua imagem de cidade cosmopolita. Supunha-se que agora que Deng havia anunciado "reforma" e "abertura", aquela combinação da cultura chinesa e ocidental nascida nesta cidade semicolonial seria recuperada e que este seria o primeiro passo em um caminho diferente para a modernidade. Tentamos contar outras histórias. Alguns lembram crises ocidentais mais ou menos conhecidas, como a ascensão da "cultura de massa" urbana e o desafio que ela representou para os intelectuais. Na mesma linha, o impacto cultural das novas tecnologias de reprodução de vídeo e música, novas publicações, design e publicidade devem ser mencionados.

Galeria de Arte e Design em Shenzhen.

Embora mais conhecida seja a complexa disputa entre as vanguardas políticas da Europa e da União Soviética, a China também enfrentou desafios semelhantes. Embora, é claro, o contexto fosse diferente. A ameaça de decomposição imperialista, o colapso da cultura tradicional e a urgência da construção de um bloco nacional-popular exerceram grande pressão. Procuramos abrir espaço para histórias menos conhecidas, para aquela modernidade subalterna e alternativa que emergiu das intensas relações que eclodiram na Ásia ao longo do século XX.

Lamento não ter lido The Cultural Front de Michael Denning antes de terminar o livro, porque embora pareça estranho, entre nossas obras é possível traçar muitos paralelos. Em Xangai, como nos Estados Unidos durante a depressão, intelectuais e artistas enfrentaram uma situação política bastante adversa, que os levou a se envolverem nas novas indústrias culturais, não no sentido de uma cultura de massa degradada, mas como um local específico da luta política.

Também tentamos reinterpretar a história da cultura cosmopolita e ocidentalizada de Xangai, varrida em 1949 pelas massas camponesas ignorantes e seus líderes comunistas. A vanguarda cultural de Xangai nunca se viu como a personificação de uma revolução cultural equivalente à política, algo que aconteceu na União Soviética. A relação entre "intelectuais" e política tem raízes antigas na história chinesa. Mas os artistas afirmaram uma autonomia profissional específica na produção de cultura, especialmente no caso de filmes políticos populares e música. Trabalhando em um enclave no Ocidente, eles foram forçados a competir no mercado cultural, usando a infraestrutura técnica e comercial emergente das indústrias culturais. Bem longe, na zona rural de Yan'an, Mao usou artistas e atores treinados às pressas para educar os camponeses politicamente. A partir de 1949, perante o desafio da estratégia nacional, o novo regime passou a recorrer a pessoas formadas nas indústrias culturais, como vinha fazendo com as empresas culturais do meio rural, para desenhar o novo sistema cultural comunista.

Owen Hatherley

Um comentário chamou minha atenção, onde sugere que o desenvolvimento da indústria criativa na China contemporânea seguiu um caminho semelhante ao de Manchester, Barcelona, ​​Tóquio, São Francisco, etc. Ou seja, estabeleceu-se uma divisão entre certas formas de "criatividade" baseadas nas artes plásticas, tecnologia e software, investimentos em larga escala, o desenvolvimento de direitos de propriedade intelectual, etc., e formas mais ancoradas no território, organizadas em torno culturas alternativas, como a cena musical (é claro, Justin reconhecerá a importância desse fenômeno em sua cidade natal, Manchester). Como essas cenas alternativas surgiram? Elas ainda são importantes ou estão em declínio?

Justin O'Connor

Não tenho certeza se estabelecemos uma divisão tão nítida entre uma cena comercial e uma cena alternativa ou ancorada nos territórios. Em vez disso, argumentamos que a primeira cresceu a partir da última e tirou vantagem disso. A ideia de uma “cidade criativa”, que hoje é acima de tudo um incentivo ao negócio imobiliário, surgiu originalmente de movimentos sociais e culturais populares - no livro falamos do “modernismo popular” de Mark Fisher - que foram aos poucos integrados no sistema. É muito mais ambíguo do que a mera "comercialização", pois sabemos das conexões entre a contracultura dos anos 1960 e o libertarianismo dos anos 1980, embora não pretendamos sugerir que seja um elo teleológico. As derrotas políticas dos anos 1980 trouxeram certos aspectos mais "libertários" - a famosa burguesia boêmia - mas não pretendemos ser Adam Curtis!

Claro, quando a "cidade criativa" chegou à China, ela veio com o pacote completo promovido por consultores políticos e empresários. Ou seja, pouco teve a ver com a cena dos anos 1980, embora em alguns casos tenha conseguido cooptar movimentos anteriores. Essas cenas locais, especialmente no caso das artes visuais, foram transformadas de acordo com a narrativa ocidental sobre a liberdade criativa, ou seja, a ideia de tinha que ser travada a louvável batalha contra a repressão do Estado. Tentamos mostrar que as coisas eram muito mais complexas.

Xin Gu

Embora o papel "consagrador" do Estado oficial seja importante, a cultura boêmia ou de vanguarda tende a afirmar sua autonomia em relação ao mercado. Na China, o papel do Estado é muito mais importante: ele não só projeta e controla grande parte do mercado, mas há uma grande tradição de intelectuais e artistas a serviço do bem comum. Obviamente, o partido Estado reserva-se o direito de definir o que é o bem comum e como a cultura deve servi-lo.

A década de 1980 foi a década dos intelectuais - "febre cultural" - mas depois de 1989, depois de Tiananmen, o sistema cultural deu lugar ao mercado e a comercialização ganhou rédea solta. Em 1990, surgiram novas formas de cultura popular - boas, más e feias - concebidas como opostas aos intelectuais que, a partir de 1978, acreditaram que seria sua vez novamente. Como consequência da inauguração, com resultados diversos, certas áreas da cultura local se misturaram com fenômenos mundiais. A música popular como uma "indústria" continuou a seguir uma configuração territorial e marginal, embora estivesse intimamente ligada a outras cenas musicais do Leste Asiático. A arte contemporânea explodiu e conseguiu combinar elementos locais com o cenário artístico mundial. Os artistas locais não eram nada até terem sucesso na Europa ou nos Estados Unidos, o que não deixou de gerar uma dinâmica interessante. As autoridades locais ficaram perplexas com os turistas abastados, com grandes contatos no meio artístico, que visitavam as oficinas de Xangai ou Pequim. Ao mesmo tempo, embora o sucesso ocidental inevitavelmente envolvesse ser um lutador pela liberdade, contanto que esses artistas de renome internacional não fossem longe demais, às vezes obtinham patrocínio do Estado. Foi o caso de Ai Wei, e também, mais recentemente, de Chloé Zhao, vencedora do Oscar de melhor direção.

Galeria Vanke Nantou em Shenzhen. Crédito: ArchDaily.

É importante lembrar que o governo chinês também criou um espaço protegido no qual floresceram certas indústrias culturais, como empresas de tecnologia que se beneficiaram com o bloqueio do Facebook e Twitter, etc. Obviamente, boa parte do setor cultural adquire a retórica um tanto nacionalista de Xi Jinping e se entusiasma com produtos culturais e empresas que competem globalmente. Na verdade, é o mesmo que nos Estados Unidos ou no Reino Unido. E a identidade vigorosa da China, libertada da imagem antiautoritária que exige o Ocidente, desafia o mundo asiático, que não compra a narrativa geopolítica maniqueísta que opõe China e Estados Unidos. Afinal, é um dos maiores mercados do mundo.

Justin O'Connor

Sugerimos, no entanto, que na década de 1990 surgiu o potencial para um espaço de autonomia criativa, com gestos mais ambíguos e menos heroicos do que o "antiautoritarismo". O recuo da velha intelectualidade e a proliferação de espaços "mercantis" - isto é, fundados naquela mistura de economias comerciais e "economias da dádiva" típicas das culturas alternativas ocidentais - levantaram a possibilidade real de reinventar uma modernidade popular chinesa em seus próprios termos. .

Ainda existe, embora seja marginalizado tanto pela exploração comercial em grande escala quanto pelo aumento da repressão estatal. Não devemos ser românticos ou apocalípticos: o povo chinês sabe como habitar a sua própria cultura e consegue transformá-la. Mesmo assim, acho que a situação atual é definida por uma certa imobilidade. Isso tem a ver em parte com o desejo crescente de controle de Xi, mas também com a falta de boa vontade do Ocidente, que parou de procurar os arautos da nova modernidade chinesa para se concentrar nos guerreiros da liberdade e nos mártires.

Owen Hatherley

Tentam evitar o típico ataque ocidental à China, e o livro termina argumentando que qualquer tipo de renovação cultural no país tem mais probabilidade de vir do "socialismo", cujas ideias "ainda desempenham um papel importante como fonte de transformação" ao invés de movimentos pró-ocidentais. Há alguém pesquisando essa linha que sugerem?

Justin O'Connor

Quando escrevemos o epílogo em 2019, a abordagem extremista de Trump reinava, celebrada - como sua própria figura - pela coalizão governante da Austrália. Tudo fechado graças ao apoio da mídia de Murdoch. A Red Creative tenta colocar um pano frio nas ilusões ocidentais que fantasiam sobre o futuro liberal da China. Agora os neocons estão dizendo a mesma coisa, colocando o comércio global em termos de ganância, ineficiência e antipatriotismo. No entanto, a consequência é que todos os espaços nos quais a China poderia ter estabelecido relações significativas com o Ocidente foram fechados. É aí que reside o perigo real.

Existem diferenças fundamentais neste tipo de nova Guerra Fria. A economia da China é capaz de alcançar a dos Estados Unidos e, ao contrário da URSS, está interligada a ela. E não sobrou nada que naquele momento, por mais ambígua e conflituosa que fosse, se identificasse com o inimigo desta guerra. Ainda faltam alguns tankies, mas, mesmo que a esquerda contemporânea não queira a guerra e argumente que, diante da ameaça das mudanças climáticas, a cooperação é mais urgente do que o confronto geopolítico, a verdade é que há pouca conexão ideológica, emotiva ou imaginária com a China.

Um problema é que a ascensão da China, vista internamente sob uma certa luz antiimperialista - "o Ocidente não pode continuar mandando" - vem depois da derrota do "terceiro mundo" nas mãos de um Ocidente revitalizado pelo neoliberalismo e implica o repúdio ao terceiro mundismo de Mao. O outro no qual a China se refletiu foram os Estados Unidos: Xangai queria ser a nova Manhattan. Além do mais, queria ser mais do que Manhattan. Em uma tentativa de cumprir a promessa de abundância material, assumida mas nunca cumprida por Mao, Deng redesenhou a modernização comunista através das lentes do capitalismo consumista.

Arte computacional na UCCA em Pequim.

No entanto, as ideias que começaram a se espalhar mundialmente em 1968 não impactaram o partido, o que ainda é irônico dada a evocação da revolução cultural característica da época. Essas ideias encontraram ressonância na "nova esquerda" - Wang Hui, sua principal figura intelectual, desempenha um papel importante em nosso livro - que tentou usar o legado do comunismo de massa de Mao para enfatizar o papel que a democracia popular deveria desempenhar na modernização da China. Acho que a cultura popular chinesa compartilhava essas ideias, embora as veias culturais e políticas da nova esquerda permanecessem bem separadas. Acho que o cenário para a nova esquerda política é bastante sombrio, já que a reivindicação de Xi da dimensão social do comunismo visa mais o controle do que a participação democrática. E em um Ocidente cada vez mais violento, "democracia" significa apenas derrubar o Partido Comunista e usar qualquer protesto que tenha à sua disposição (e há muitos) para esse propósito.

Não há espaço para o diálogo mútuo, qualquer possibilidade de comunicação está se perdendo, tanto dentro de cada bloco quanto entre os dois. Talvez a esquerda ocidental deva tentar pensar o que seria um espaço de diálogo desse tipo. Os direitos humanos não são suficientes - não dizemos que devam ser ignorados - nem a China pode ser descartada sob o rótulo de "capitalismo de Estado autoritário", mas devemos pensar sobre quais aspectos do sistema chinês servem para marcar o caminho para um futuro diferente. Não é nada fácil, especialmente porque a esquerda vive com medo de sucumbir às decepções de outro "Estado operário". Mas, de qualquer maneira, não acho que isso seja mais perigoso do que ficar de braços cruzados.

Xin Gu

Talvez neste ponto deva ser levantada a questão da cultura, sempre mais distante e mais indireta do que a nova esquerda política. Embora o Ocidente veja a China como isolada, sua cultura popular tem uma força e inventividade particulares. Os ocidentais perdem muito mais do que ganham excluindo-se desse fenômeno.

Uma coisa que me deparei recentemente, e que me interessa muito, é um grupo de influenciadores - a maioria deles da diáspora - que intervém diariamente na mídia popular e na cena cultural chinesa. Eles também alcançam públicos não chineses, proporcionando uma perspectiva mais equilibrada, objetiva e oportuna sobre como a cultura pode ser considerada um projeto de modernização em coexistência com os valores do socialismo chinês. O mais conhecido é Kaiser Kuo, músico, jornalista e apresentador do podcast Sinica. Mas existem muitos mais.

Justin O'Connor

Terminamos o livro com a imagem de uma oportunidade perdida, evocando o filme de Jia Zhangke lançado em 2000, Platform, que é um pouco sobre trens perdidos (com alguns ecos de Billy Liar). Mas sempre haverá outros trens diferentes, e devemos estar prontos para alcançá-los.

Sobre o entrevistador

Owen Hatherley é editor da seção de cultura do Tribune. Seu último livro, Red Metropolis: Socialism and the Government of London, acaba de ser publicado pela Repeater Books.

Sobre os entrevistados

Xin Gu é professor da Escola de Mídia, Cinema e Jornalismo da Monash University em Melbourne, Austrália. Ela é co-editora de muitos livros e revistas, entre as quais se destaca Re-Imagining Creative Cities in Twenty-First Century Asia.

Justin O'Connor escreve sobre política cultural na University of South Australia. Seus livros mais recentes incluem Culture Industries in Shanghai: Policy and Planning inside a Global City (2018); Re-Imagining Creative Cities in 21st Century Asia (2020) e Red Creative: Culture and Modernity in China (2020).

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