19 de agosto de 2021

O princípio de Tom Jobim na reforma do Imposto de Renda

Dizem que o sistema tributário é ruim, mas quando se propõem mudanças, afirmam ser melhor mantê-lo

Nelson Barbosa

Folha de S.Paulo


O debate sobre reforma tributária me lembrou aquela frase do Tom Jobim. Adaptando para a Folha: “viver no exterior é bom, mas é uma droga, viver no Brasil é uma droga, mas é bom” (para a versão original, procurem na internet).

No caso da tributação vivemos algo parecido. Todo o mundo diz que o sistema atual é ruim e precisa de reforma, mas quando alguém apresenta uma proposta, todo o mundo diz que é melhor manter o sistema ruim do que reformá-lo.

confusão da reforma do Imposto de Renda (IR) é um caso clássico do princípio de Tom Jobim. A ideia começou por iniciativa da Receita Federal para atender a uma demanda política de Bolsonaro: desonerar a classe média em ano de eleição.

Como sempre, a proposta da Receita estava na direção correta, mas com dose errada, pois o Congresso sempre ameniza qualquer iniciativa da equipe econômica.

Qual era a direção correta? Desonerar lucros retidos em troca de onerar lucros distribuídos, aumentando a progressividade do sistema. Os mais ricos pagariam mais e diminuiria a desoneração da renda do capital em relação à renda do trabalho.

A dose era excessiva. Haveria grande ganho de arrecadação em curto espaço de tempo. Em resposta ao governo, o setor privado se mobilizou para manter privilégios adquiridos. O que era para ser progressivo está virando grande desoneração da alta classe média, com provável aumento da regressividade do sistema.

O relator da reforma no Congresso já apresentou tantos pareceres sobre o tema que é difícil antecipar o que será votado. A versão desta semana indica grande desoneração de firmas com receita de até R$ 4,8 milhões por ano. O objetivo é preservar a alta classe média, profissionais liberais para quem “lucro é salário”, mas sem pagar imposto como salário.

O efeito prático da proposta do relator será aumentar a pejotização. Para diminuir o pagamento de imposto, mais empregados serão contratados como pessoas jurídicas em vez de pessoas físicas, prejudicando o financiamento da previdência social.

Achou ruim? Fica pior. Como a alíquota de IR dará um salto quando a empresa ultrapassar R$ 4,8 milhões de faturamento anual, a última versão da reforma também aumentará o “complexo de Peter Pan”, o estímulo para uma empresa não crescer ou se subdividir em um “laranjal” de CNPJs, de modo a preservar o incentivo tributário. Tudo isso prejudica o crescimento da produtividade da economia.

E como se os problemas acima não fossem suficientes, o Congresso também iniciou um leilão de benefícios para conquistar o apoio de prefeitos e governadores à reforma do IR.

De um lado, o relator propõe aumentar as transferências de recursos da União aos municípios. Do outro lado, o relator sugere reduzir a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, que financia a previdência e assistência social, para diminuir a perda de receita dos estados. As duas medidas diminuirão os recursos da União, sem redução equivalente de suas obrigações. O resultado será nova demanda de corte no gasto social (quebrando o piso), com impacto negativo sobre os mais pobres.

Diante de tamanha confusão, como apontou meu colega da FGV Manoel Pires, a última versão da reforma do IR não resolverá nenhum problema antigo e criará problemas novos. O legado de Temer e Bolsonaro já está bastante desastroso. Sugiro não aumentar o prejuízo. É melhor engavetar a reforma do IR e voltar ao assunto em 2023, após um debate transparente das várias alternativas de mudança, idealmente na campanha eleitoral de 2022.

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