Nelson Barbosa
Marielle Franco, em 2016, durante sessão como vereadora do Rio de Janeiro. Renan Olaz/AFP |
O mundo se adapta ao choque do coronavírus, ampliado pela "guerra dos preços do petróleo", mas hoje tenho assunto mais importante: neste sábado (14), completaremos dois anos do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes, sem conhecer as razões do crime.
Já temos dois suspeitos presos aguardando julgamento: Ronnie Lessa, suposto autor dos disparos, e Elcio de Queiroz, acusado de dirigir o carro em que estavam os assassinos. Os dois foram presos há um ano, a partir de denúncia do Ministério Público, mas a investigação não avançou muito.
Tudo que sabemos é que Ronnie e Elcio são ex-membros da Polícia Militar do Rio de Janeiro, com suspeita de ligação com as milícias locais.
Tudo que sabemos é que Ronnie e Elcio são ex-membros da Polícia Militar do Rio de Janeiro, com suspeita de ligação com as milícias locais.
Sabemos também que Ronnie é vizinho de condomínio de Jair Bolsonaro e, horas antes do crime, Elcio foi ao condomínio do então candidato à Presidência da República, onde também reside seu filho, Carlos Bolsonaro, para se encontrar com Ronnie.
E sabemos que Elcio já manifestou apoio a nosso atual presidente, postando inclusive foto com Bolsonaro nas redes sociais, durante a campanha eleitoral de 2018. Diante desse fato, e da suspeita de que um vizinho de Bolsonaro pode ser o assassino de Marielle e Anderson, houve até acusação de que Flávio Bolsonaro teria homenageado Ronnie Lessa, quando deputado estadual no Rio de Janeiro.
A acusação é falsa. A homenagem foi feita por outro parlamentar, antes da eleição de Flávio Bolsonaro para a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. A confusão pode ter origem no fato de que, em 2005, o então deputado estadual Flavio Bolsonaro homenageou outro ex-policial, Adriano Magalhães da Nóbrega, por sua "dedicação" e "brilhantismo". Seu pai, o então deputado federal Jair Bolsonaro, foi na mesma linha, apesar de Adriano já estar sob investigação por vários crimes naquela época.
Para quem não se lembra, Adriano foi apontado como chefe da milícia de Rio das Pedras e de um grupo de matadores de aluguel conhecido como "Escritório do Crime". Ele estava foragido e foi morto, há pouco mais de um mês, em ação policial na Bahia.
Mas voltemos ao assassinato de Marielle e Anderson. Uma das hipóteses aventadas pela polícia é que Ronnie e Elcio agiram por iniciativa própria, motivados por suposta "obsessão contra pessoas de esquerda". Quem sabe? Talvez, de tanto ouvir vizinhos irresponsáveis dizerem "vamos fuzilar a petralhada", Ronnie e Elcio resolveram partir para a ação.
Outra hipótese é que a atuação de Marielle como vereadora atrapalhava os negócios das milícias cariocas, que teriam ordenado seu assassinato. Essa segunda linha de investigação foi reforçada em setembro do ano passado, quando a então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, denunciou cinco pessoas por tentar interferir na investigação do assassinato de Marielle e Anderson.
Seja qual for o caso, o fato é que depois de dois anos ainda não sabemos o motivo do assassinato de Marielle e Anderson.
Se o crime foi realmente motivado por "ódio a esquerdistas", isso comprova o risco de políticos de extrema direita como Bolsonaro incentivarem violência contra seus opositores. Mas a suspeita de interferência na investigação enfraquece a hipótese de "crime passional" por ação isolada de Ronnie e Elcio.
Seja qual for o caso, o fato é que depois de dois anos ainda não sabemos o motivo do assassinato de Marielle e Anderson.
Se o crime foi realmente motivado por "ódio a esquerdistas", isso comprova o risco de políticos de extrema direita como Bolsonaro incentivarem violência contra seus opositores. Mas a suspeita de interferência na investigação enfraquece a hipótese de "crime passional" por ação isolada de Ronnie e Elcio.
Já se o crime foi planejado e teve razões nos interesses das milícias do Rio, o problema é ainda mais sério e confirma ser necessária ação incisiva do governo (estadual e federal) contra a formação de um Estado paralelo na segunda maior cidade do Brasil.
Sobre o autor
Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research.
Nenhum comentário:
Postar um comentário