Claudio Katz
Jacobin
Tradução / Os debates sobre o imperialismo reaparecem após uma sinuosa trajetória. Durante a primeira metade do século passado, esse conceito foi muito utilizado para caracterizar as confrontações bélicas entre as grandes potências. Posteriormente, identificou-se com a exploração da periferia pelas economias centrais, até que a ascensão do neoliberalismo diluiu a centralidade do termo.
No início do novo milênio, a atenção pelo imperialismo passou para um segundo plano e a própria noção caiu em desuso. Este desinteresse estava em sintonia com o enfraquecimento das visões críticas da sociedade contemporânea. Mas a invasão norte-americana do Iraque corroeu o conformismo e desencadeou o ressurgimento das discussões sobre os mecanismos de dominação internacional. A denúncia do imperialismo recuperou importância e os questionamentos da agressividade militar estadunidense multiplicaram-se.
Estas objeções passaram posteriormente para a noção substitutiva de hegemonia, que ganhou primazia nos estudos do declínio estadunidense diante da ascensão da China. A hegemonia foi enfatizada para avaliar como a disputa entre as duas principais potências do planeta desenvolve-se no âmbito geopolítico, ideológico ou econômico. A característica coercitiva que distingue o imperialismo perdeu relevância em muitas reflexões sobre a confrontação sino-americana.
Quando esta substituição parecia impor-se – juntamente com a nova centralidade das noções de multipolaridade e transição hegemônica –, as menções ao imperialismo recuperaram importância através de um acontecimento inesperado. Esse termo reapareceu com a invasão russa da Ucrânia para ressaltar o expansionismo de Moscou.
Singularidades e adaptações
O imperialismo é uma categoria frequentemente utilizada pelos meios de comunicação ocidentais para contrastar as políticas tirânicas do Kremlin ou Pequim com as condutas respeitosas de Washington ou Bruxelas. Este uso enviesado do termo obstrui qualquer compreensão do problema. A lógica do imperialismo só é compreensível superando tais visões grosseiras e investigando a relação do conceito com sua matriz capitalista.
Este curso analítico tem sido explorado por vários pensadores marxistas, que estudam a dinâmica contemporânea do imperialismo em função das mutações registradas no sistema capitalista. Nestas abordagens, o imperialismo é visto como um dispositivo que concentra os mecanismos internacionais de dominação, utilizados pelas minorias ricas para explorar as maiorias populares.
O imperialismo é o principal instrumento dessa sujeição, mas não opera dentro de cada país, e sim nas relações interestatais e na dinâmica da competição, no uso da força e nas intervenções militares. É um mecanismo essencial para a continuidade do capitalismo e tem estado presente desde o início desse sistema, modificando-se em correspondência com as mudanças desse regime social. O imperialismo nunca constituiu um estágio ou uma época específica do capitalismo. Sempre incorporou as formas que a supremacia geopolítico-militar adota em cada momento do sistema.
Devido a esta variabilidade histórica, o imperialismo atual difere de seus antecedentes. Não é apenas qualitativamente diferente dos impérios pré-capitalistas (feudais, tributários ou escravagistas), que se baseavam na expansão territorial ou no controle do comércio. Também não se assemelha ao imperialismo clássico conceitualizado por Lênin, quando as grandes potências rivalizavam através da guerra pelo controle dos mercados e das colônias.
O imperialismo contemporâneo também difere do modelo liderado pelos Estados Unidos na segunda metade do século XX. A primeira potência introduziu novas características de coordenação coletiva e subjugação dos parceiros para assegurar a proteção de todas as classes dirigentes contra a insurreição popular e o perigo do socialismo.
Ao longo desta variedade de etapas, o imperialismo garantiu o usufruto dos recursos da periferia por parte das economias avançadas. Os dispositivos coercitivos das grandes potências asseguraram a captura das riquezas dos países dependentes pelos capitalistas do centro. Dessa forma, o imperialismo reciclou a continuidade do subdesenvolvimento nas regiões negligenciadas do planeta.
Esta perpetuação recriou os mecanismos de transferência de valor das economias dominadas para seus pares dominantes. A desigualdade entre os dois pólos do capitalismo global foi reproduzida através de várias modalidades produtivas, comerciais e financeiras.
Mutações e indefinições
O imperialismo do século XXI deve ser avaliado à luz das enormes mudanças do capitalismo contemporâneo. Há 40 anos, vigora um novo esquema de acumulação de baixo crescimento no Ocidente e expansão significativa do Oriente, ligados pela globalização produtiva. O desdobramento internacional do processo de fabricação, subcontratação e cadeias de valor subjazem este esquema produtivo sustentado pela revolução informática. Este desenvolvimento do capitalismo digital contribuiu para a massificação do desemprego e para a generalização da precarização, insegurança e flexibilização do trabalho.
O novo modelo opera através da financeirização que introduziu a autonomia creditícia das empresas, a titularização dos bancos e a gestão familiar das hipotecas e pensões. Esta centralidade financeira no funcionamento corrente da economia multiplicou, por sua vez, o surgimento periódico de crises impactantes.
As bolhas especulativas – que corroem o sistema bancário e desembocam em socorros estatais cada vez maiores – acentuam os desequilíbrios do capitalismo atual. Este sistema é fortemente afetado pelas tensões suscitadas pela sobreprodução (que a globalização impulsionou) e pela fratura do poder de compra (que o neoliberalismo acentuou).
O esquema atual também incuba potenciais catástrofes de maior alcance pela irrefreável degradação do meio ambiente, gerada pela concorrência por maiores lucros. A recente pandemia foi apenas uma advertência da escala tempestuosa destes desequilíbrios. O fim dessa infecção não resultou no esperado “regresso à normalidade”, mas num cenário de guerra, inflação e rupturas nos circuitos globais de abastecimento.
A crise começa a pavimentar novos contornos e ninguém sabe que rumo tomará a política econômica do próximo período. No meio de uma intervenção estatal renovada, permanece sem solução a disputa entre um giro neokeynesiano e um curso oposto de reavivamento neoliberal.
Mas qualquer uma destas direções ratificará a preeminência do novo modelo de capitalismo globalizado, digital, precarizador e financeirizado, com sua consequente escala de contradições incontroláveis. Este esquema é tão visível como a magnitude dramática de seus desequilíbrios.
A nitidez do capitalismo contemporâneo não se estende, contudo, ao plano geopolítico ou militar. O imperialismo do século XXI é marcado por uma acumulação de incertezas, indefinições e ambivalências muito além de sua base econômica. As mutações radicais que tiveram lugar neste âmbito nas últimas décadas não se projetam para outras esferas, e esse divórcio determina a enorme complexidade do atual emaranhado imperial.
Erosão da liderança imperial
A existência de um bloco dominante liderado pelos Estados Unidos é a principal característica do sistema imperial contemporâneo. A primeira potência é o maior expoente do novo modelo e o gestor óbvio do aparato de coerção internacional, que assegura a dominação dos abastados. O diagnóstico do imperialismo atual envolve uma avaliação dos Estados Unidos, que concentra todas as tensões deste dispositivo.
A principal contradição do imperialismo atual reside na impotência de seu condutor. O colosso do Norte sofre de uma liderança erodida como consequência da profunda crise que afeta sua economia. Washington perdeu a preponderância do passado e sua competitividade industrial em declínio não é contrabalançada pelo seu comando financeiro continuado ou pela sua significativa supremacia tecnológica.
Os Estados Unidos confirmaram suas vantagens sobre outras potências durante a crise de 2008. Mas as maiores adversidades da Europa e do Japão não diminuíram o retrocesso sistemático da economia norte-americana, nem atenuaram a ascensão sustentada da China. Os Estados Unidos não foram capazes de conter a reconfiguração geográfica da produção mundial em direção à Ásia.
Esta erosão econômica afeta a política externa norte-americana, que perdeu sua tradicional sustentação interna. A velha homogeneidade do gigante ianque foi abalada pela dramática brecha política que o país enfrenta. Os Estados Unidos são corroídos por tensões raciais e fraturas político-culturais que contrapõem o americanismo do interior com o globalismo do litoral.
Esta deterioração tem impacto sobre as operações do Pentágono, que já não contam com o aval do passado. A privatização da guerra ocorre num contexto de crescente desaprovação interna das aventuras militares estrangeiras.
A economia estadunidense não enfrenta um simples retrocesso da sua supremacia continuada. A centralidade internacional do aparato estatal norte-americano e a primazia de suas finanças contrastam com o declínio comercial e produtivo do país.
Este desgaste não implica um ocaso inexorável e ininterrupto. Os Estados Unidos não conseguem restaurar sua antiga liderança, mas continuam exercendo um papel dominante e seu futuro imperial não pode ser esclarecido pela aplicação de critérios histórico-deterministas postulados pela teoria da ascensão e queda cíclicas dos impérios. O declínio da economia norte-americana é sinônimo de crise, mas não de colapso terminal em alguma data pré-estabelecida.
De fato, o poder que preservam os Estados Unidos baseia-se mais no destacamento militar do que no impacto de sua economia. Por esta razão, é essencial analisar a primeira potência em chave imperial.
O fracasso do belicismo
Há várias décadas Washington tenta recuperar sua liderança através de ações enérgicas. Estas incursões concentram as principais características do imperialismo atual. O Pentágono gere uma rede de “contratistas” que se enriquecem com a guerra, reciclando o aparato militar-industrial. Mantêm a mesma importância em períodos de distensão e em períodos de conflito elevado. O modelo econômico armamentista norte-americano é recriado através de exportações elevadas, altos custos e uma exibição permanente do poder de fogo. Essa visibilidade exige a multiplicação das guerras híbridas e todo tipo de incursões de formações paraestatais.
Com estes instrumentos mortíferos, os Estados Unidos criaram cenários dantescos de mortes e refugiados. Recorreu a justificações hipócritas de intervenção humanitária e “guerra contra o terrorismo” para perpetrar as atrozes invasões no “Grande Oriente Médio”. Estas operações incluíram a gestação dos primeiros grupos jihadistas, que mais tarde alçaram voo por conta própria com ações contra o padrinho estadunidense. O terrorismo marginal que estes grupos propiciaram nunca atingiu a escala terrível do terrorismo de estado que o Pentágono monitora. Washington foi longe demais ao consumar a pulverização completa de vários países.
Mas o dado mais chamativo deste modelo destrutivo tem sido seu estrondoso fracasso. Nos últimos vinte anos, o projeto de recomposição estadunidense através de ações militares fracassou uma e outra vez. O “século americano” concebido por pensadores neoconservadores foi uma fantasia de curta duração, que o próprio establishment de Washington abandonou para retomar a assessoria de conselheiros mais pragmáticos e realistas.
As ocupações do Pentágono não atingiram os resultados esperados e os Estados Unidos tornaram-se uma superpotência que perde guerras. Bush, Obama, Trump e ultimamente Biden fracassaram em todas as suas tentativas de utilizar a superioridade militar do país para induzir um renascimento da economia ianque.
Esta lacuna foi particularmente visível no Oriente Médio. Washington instrumentou suas agressões estigmatizando os povos dessa região, com imagens de massas primitivas, autoritárias e violentas que são incapazes de assimilar as maravilhas da modernidade.
Essas bobagens foram divulgadas pelos meios de comunicação para encobrir a tentativa de apropriação das principais reservas mundiais de petróleo. Mas no final de uma cruzada tempestuosa, os Estados Unidos foram humilhados no Afeganistão, retiraram-se do Iraque, não conseguiram submeter o Irã, fracassaram na criação de governos fantoches na Líbia e na Síria e inclusive tiveram que lidar com o bumerangue dos jihadistas que operam contra o país.
Inflexibilidade de um emaranhado
Os infortúnios enfrentados pela primeira potência não resultaram em seu abandono do intervencionismo externo, nem num recuo para seu próprio território. A classe dominante norte-americana necessita preservar sua ação imperial, para sustentar a primazia do dólar, o controle do petróleo, os negócios do complexo militar-industrial, a estabilidade de Wall Street e os lucros das empresas tecnológicas.
Por esta razão, todos os líderes da Casa Branca ensaiam novas variantes da mesma contraofensiva. Nenhum líder estadunidense pode renunciar à tentativa de restaurar a primazia do país. Todos retomam esse objetivo, sem nunca chegar a uma conclusão bem-sucedida. Sofrem a mesma compulsão de procurar um caminho de recuperação de sua liderança perdida.
Aos Estados Unidos falta a plasticidade de seu antecessor britânico para entregar o comando global a um novo parceiro. Não têm a capacidade de se adaptar à retirada que seu par transatlântico demonstrou no século passado. Esta inflexibilidade norte-americana os impede de moldarem-se ao contexto atual e acentua as dificuldades para exercer a direção do sistema imperial.
Esta rigidez deve-se em grande parte aos compromissos de uma potência que já não atua sozinha. Washington dirige a teia de alianças internacionais construídas em meados do século XX para lidar com o chamado campo socialista. Esta articulação baseia-se numa estreita associação com o alterimperialismo europeu, que desenvolve suas intervenções sob a égide norte-americana.
Os capitalistas do Velho Continente defendem seus próprios negócios com operações autônomas no Oriente Médio, África ou Europa Oriental, mas agem em estrita sintonia com o Pentágono e sob um comando articulado em torno da OTAN. Os grandes impérios do passado (Inglaterra, França) preservam sua influência nas antigas áreas coloniais, mas condicionam todos os seus movimentos ao veto de Washington.
A mesma parceria subordinada é mantida pelos coimpérios de Israel, Austrália ou Canadá. Compartilham com seu referente a custódia da ordem global e desenvolvem ações de acordo com as demandas de seu tutor. Em nível regional, tendem a apoiar os mesmos interesses que os Estados Unidos garantem em nível mundial.
Este sistema global articulado é uma característica que o imperialismo atual herdou de seu precedente do pós-guerra. Funciona em divergência frontal com o modelo de potências diversificadas que disputavam a primazia na primeira metade do século passado. A crise da estrutura hierarquizada que sucedeu esse esquema é o dado crucial do imperialismo do século XXI.
Uma expressão contundente dessa inconsistência foi o caráter meramente transitório do modelo unipolar que o projeto neoconservador imaginava para um novo e prolongado “século americano”. Em vez deste renascimento, emergiu um contexto multipolar, confirmando a perda da supremacia norte-americana face a numerosos atores da geopolítica mundial. O desejado domínio de Washington foi substituído por uma maior dispersão do poder, em contraste com a bipolaridade que prevaleceu durante a Guerra Fria e a tentativa unipolar fracassada que se seguiu à implosão da URSS.
O imperialismo atual opera, assim, em torno de um bloco dominante comandado pelos Estados Unidos e gerido pela OTAN, em estreita associação com a Europa e os parceiros regionais de Washington. Mas os fracassos do Pentágono em exercer sua autoridade levaram à atual crise não resolvida, que se verifica na emergência da multipolaridade.
Um império não hegemônico em gestação
Como se aplica o conceito atualizado de imperialismo às potências que não fazem parte do bloco dominante? Esta questão paira sobre os enigmas mais complexos do século XXI. É evidente que a Rússia e a China são grandes potências rivais da OTAN, situadas numa esfera não hegemônica do contexto atual. Com esta posição diferenciada: compartilham ou não um estatuto imperial?
A clarificação dessa condição tornou-se particularmente inevitável no caso da Rússia, desde o início da guerra na Ucrânia. Para os liberais ocidentais, o imperialismo de Moscou é um dado evidente e enraizado na história autoritária de um país que se esquivou das virtudes da modernidade para optar pelo atraso obscuro do Oriente. Com o argumento desgastado da Guerra Fria, contrastam o totalitarismo russo com as maravilhas da democracia norte-americana.
Mas com pressupostos tão absurdos é impossível avançar em alguma clarificação do perfil contemporâneo do gigante eurasiático. A potencial condição imperial da Rússia deve ser avaliada em termos da consolidação do capitalismo e da transformação da velha burocracia numa nova oligarquia de milionários.
É evidente que os pilares do capitalismo foram consolidados na Rússia, com o fortalecimento da propriedade privada dos meios de produção e os padrões de lucro, concorrência e exploração resultantes, sob um modelo político a serviço da classe dominante. Iéltsin forjou uma república de oligarcas e Putin apenas conteve a dinâmica predatória desse sistema, sem reverter os privilégios da nova minoria enriquecida.
O capitalismo russo é muito vulnerável devido ao peso descontrolado dos vários tipos de máfias. Os mecanismos informais de apropriação do excedente também reciclam as adversidades econômicas do velho modelo de planificação compulsiva. O esquema predominante de exportação de matérias-primas também afeta o aparelho produtivo e recria uma fuga significativa de recursos nacionais para o exterior.
No plano geopolítico, a Rússia é um alvo favorito da OTAN, que tentou desintegrar o país através de um grande destacamento de mísseis fronteiriços. No entanto, Putin também reforçou a intervenção russa no espaço pós-soviético e desenvolveu uma ação militar que ultrapassa a dinâmica defensiva e a lógica de dissuasão.
Neste contexto, a Rússia não faz parte do circuito imperialista dominante, mas desenvolve políticas de dominação em seu entorno que são típicas de um império não hegemônico em construção.
Diferenças com o passado
Moscou não participa do grupo dominante do capitalismo mundial. Falta-lhe capital financeiro significativo e um número significativo de empresas internacionais. Especializou-se na exportação de petróleo e gás e consolidou sua posição como uma economia intermediária com poucas conexões com a periferia. Não obtém lucros significativos da troca desigual.
Mas com esta posição econômica secundária, a Rússia apresenta um perfil potencialmente imperial enraizado em intervenções estrangeiras, ações geopolíticas impactantes e tensões dramáticas com os Estados Unidos. Este protagonismo externo não leva à reconstituição do antigo império czarista. As distâncias com esse passado são tão monumentais como as diferenças qualitativas com os regimes sociais do passado feudal.
As assimetrias são igualmente significativas com a URSS. Vladimir Putin não recompõe o chamado “imperialismo soviético”, que é uma categoria inconsistente e estruturalmente incompatível com o caráter não capitalista do modelo que precedeu a implosão de 1989. A URSS era dirigida por uma burocracia governante que atuava de forma opressiva, mas que não se envolvia em ações imperialistas em seus conflitos com a Iugoslávia, China ou Tchecoslováquia.
Atualmente persiste um grande circuito de colonialismo interno, perpetuando as desigualdades regionais e a primazia da minoria gran-russa. Mas essa modalidade opressiva não está na escala do apartheid na África do Sul ou na Palestina. Além disso, o determinante de um estatuto imperial é a expansão externa, que, até a guerra na Ucrânia, era vista apenas como uma tendência de Moscou.
O projeto imperialista é efetivamente patrocinado pelos setores de direita que alimentam o negócio da guerra, as aventuras estrangeiras, o nacionalismo e as campanhas islamofóbicas. Mas este rumo é contraposto pela elite liberal internacionalizada, e durante muito tempo Putin governou mantendo o equilíbrio entre os dois grupos.
Não se deve esquecer que a Rússia também é antípoda de um estatuto dependente ou semicolonial. É um importante ator internacional com um grande protagonismo no exterior, que moderniza sua estrutura militar e afirma-se como o segundo maior exportador mundial de armas. Em vez de ajudar seus vizinhos, Moscou reforça seu próprio projeto dominante, por exemplo, enviando tropas para o Cazaquistão para sustentar um governo neoliberal que saqueia as receitas do petróleo, reprime greves e torna ilegal o Partido Comunista.
O impacto da Ucrânia
A guerra na Ucrânia introduziu uma mudança qualitativa na dinâmica russa e os resultados finais dessa incursão terão um impacto dramático no estatuto geopolítico do país. As tendências imperiais que eram apenas possibilidades embrionárias assumiram uma nova espessura.
Houve certamente uma responsabilidade primordial dos Estados Unidos, que tentaram trazer Kiev para a rede de mísseis da OTAN contra Moscou e encorajaram a violência das milícias de extrema-direita no Donbass. Mas Vladimir Putin consumou uma ação militar inadmissível e funcional para o imperialismo ocidental, que não tem justificação como uma ação defensiva. O chefe do Kremlin desprezou os ucranianos, suscitou o ódio contra o ocupante e ignorou a aspiração generalizada de soluções pacíficas. Com sua incursão, criou um cenário muito negativo para as esperanças emancipatórias dos povos da Europa.
O resultado final da incursão continua indefinido e é incerto se os efeitos das sanções serão mais adversos para a Rússia do que para o Ocidente. Mas a tragédia humanitária em termos de mortes e refugiados já é maiúscula e convulsiona toda a região. Os Estados Unidos apostam em prolongar a guerra, a fim de empurrar Moscou para o mesmo atoleiro que a URSS enfrentou no Afeganistão. Por isso, induz Kiev a rejeitar as negociações que freariam as hostilidades. Washington pretende submeter a Europa a sua agenda militarista, através de um conflito interminável que assegure o financiamento da OTAN por Bruxelas. Já não visa apenas incorporar a Ucrânia para a aliança militar. Agora também pressiona pelo ingresso da Finlândia e da Suécia.
Em resumo: a Rússia é um país capitalista que, até a incursão na Ucrânia, não apresentava as características gerais de um agressor imperial. Mas o curso geopolítico ofensivo de Vladimir Putin sustenta este perfil e induz a transformação do império em gestação num império em consolidação. O fracasso dessa operação também poderia resultar numa neutralização prematura do império nascente.
O protagonismo da China
A China compartilha uma posição semelhante no conglomerado não hegemônico com a Rússia e enfrenta um conflito semelhante com os Estados Unidos. Por esta razão, seu estatuto atual suscita a mesma questão: é uma potência imperialista?
Em seu caso, vale a pena notar o desenvolvimento excepcional que alcançou nas últimas décadas, com fundamentos socialistas, complementos mercantis e parâmetros capitalistas. Estabeleceu um modelo ligado à globalização, mas centrado na retenção local do excedente. Esta combinação permitiu uma intensa acumulação local entrelaçada com a mundialização, através de circuitos de reinvestimento e um grande controle do movimento de capitais. A economia expandiu-se de forma sustentada, com uma ausência significativa do neoliberalismo e da financeirização que afetou seus concorrentes.
A China também foi atingida pela crise de 2008, que introduziu um teto intransponível ao modelo anterior de exportações financiadas para os Estados Unidos. Este vínculo “China-América” esgotou-se, revelando o desequilíbrio gerado por um superávit comercial pago com enormes créditos. Essa defasagem inaugurou a crise atual.
A liderança da China optou inicialmente por uma mudança na atividade econômica local. Mas esse desacoplamento não gerou benefícios equivalentes aos obtidos no esquema globalizado anterior. O novo curso acentuou o sobreinvestimento, as bolhas imobiliárias e um círculo vicioso de poupança em excesso e sobreprodução, o que forçou a retomada da procura de mercados externos através do ambicioso projeto da Rota da Seda.
Este rumo levanta tensões com os parceiros e enfrenta o grande limite de uma eventual estagnação da economia mundial. É muito difícil sustentar um gigantesco plano de infraestruturas internacionais num cenário de baixo crescimento global.
Durante a pandemia, a China provou novamente ser mais eficiente do que os Estados Unidos e a Europa com seus mecanismos expressos de contenção da Covid. Mas a infecção eclodiu em seu território, uma consequência dos desequilíbrios precipitados pela globalização. A superpopulação urbana e o descontrole da industrialização dos alimentos ilustraram as consequências dramáticas da penetração capitalista.
A China é atualmente afetada pela guerra que se seguiu à pandemia. Sua economia é muito suscetível à inflação dos alimentos e da energia. Também enfrenta obstáculos que obstruem o funcionamento das cadeias globais de valor.
Uma nova posição
A China ainda não completou sua transição para o capitalismo. Este regime está muito presente no país, mas não domina toda a economia. Há uma significativa vigência da propriedade privada de grandes empresas, que operam sob regras de lucro, concorrência e exploração, gerando desequilíbrios agudos de sobreprodução. Mas, ao contrário da Europa Oriental e da Rússia, a nova classe burguesa não obteve o controle do estado e esta carência impede a coroação da preeminência das normas capitalistas que prevalecem no resto do mundo.
A China defende-se do assédio norte-americano no terreno geopolítico. Barack Obama iniciou uma sequência de agressões, que Donald Trump redobrou e Joe Biden reforça. O Pentágono ergueu um cerco naval, enquanto acelera a gestação de uma “OTAN do Pacífico”, juntamente com o Japão, Coreia do Sul, Austrália e Índia. Também avançam a remilitarização de Taiwan e a tentativa de deixar a Europa com todo o custo da confrontação com a Rússia, a fim de concentrar os recursos militares na luta com a China.
Até o momento, Pequim não desenvolve ações equivalentes às de seu rival. Afirma sua soberania num raio limitado de milhas, para resistir à tentativa estadunidense de internacionalizar seu espaço costeiro. Reforça a atividade pesqueira, as reservas submarinas e, sobretudo, as rotas marítimas de que necessita para transportar suas mercadorias.
Esta reação defensiva está muito longe da investida que Washington conduz no Oceano Pacífico. A China não envia navios de guerra para as costas de Nova Iorque ou da Califórnia e seus gastos militares crescentes ainda mantêm uma distância significativa do Pentágono. Pequim privilegia o esgotamento econômico, através de uma estratégia que visa “desgastar o inimigo”. Também se afasta de quaisquer alianças bélicas comparáveis à OTAN.
A China não satisfaz, portanto, as condições básicas de uma potência imperialista. Sua política externa está muito longe desse perfil. Não envia tropas para o estrangeiro, mantém apenas uma base militar fora de suas fronteiras (numa encruzilhada comercial chave) e não se envolve em conflitos externos.
A nova potência evita especialmente o caminho belicista tomado pela Alemanha e pelo Japão no século XX, utilizando uma prudência geopolítica inconcebível no passado. Tem lucrado com formas de produção mundializadas que não existiam no século anterior. A China também evitou o caminho seguido pela Rússia e não tomou medidas semelhantes às que Moscou empreendeu na Síria ou na Ucrânia. Por esta razão, não esboça o curso imperial que a Rússia insinua com intensidade crescente.
Esta moderação internacional também não coloca a China no pólo oposto do espectro imperial. A nova potência já se encontra muito afastada do Sul Global e ingressou no universo das economias centrais, que acumulam lucros às custas da periferia. Deixou para trás o espectro das nações dependentes e situou-se acima do novo grupo de economias emergentes.
Os capitalistas chineses capturam mais-valia (através das empresas localizadas no estrangeiro) e lucram com o fornecimento de matérias-primas. O país já alcançou o estatuto de economia credora, em potencial conflito com seus devedores no Sul. Lucra com a troca desigual e absorve excedentes das economias subdesenvolvidas, com base numa produtividade muito superior à média de seus clientes.
Em resumo: a China posicionou-se num bloco não hegemônico longe da periferia. Mas não completou o estatuto capitalista e evita o desenvolvimento de políticas próprias do imperialismo.
Semiperiferias e subimperialismo
Outra novidade do cenário atual é a presença de atores regionais importantes. Exibem um peso inferior ao das principais potências, mas demonstram relevância suficiente para requerer alguma classificação na ordem imperial. A centralidade destes atores resulta da incidência inesperada das economias intermediárias, que consolidaram seu perfil com estruturas de industrialização emergente.
Esta irrupção tornou a antiga relação centro-periferia mais complexa, como consequência de um duplo processo de drenagem de valor das regiões subdesenvolvidas e de retenção do valor das semiperiferias ascendentes. Vários membros do pólo asiático, Índia ou Turquia exemplificam essa nova condição, num contexto de bifurcação crescente no universo tradicional dos países dependentes. Este cenário – mais tripolar binário – ganha relevância na hierarquia internacional contemporânea.
A diferenciação interna na antiga periferia é muito visível em todos os continentes. A enorme distância que separa o Brasil ou o México do Haiti ou El Salvador na América Latina é reproduzida à mesma escala na Europa, Ásia e África. Essas fraturas têm consequências internas significativas e completam o processo subjacente de transformação das antigas burguesias nacionais em novas burguesias locais.
Neste espectro de economias semiperiféricas, verifica-se uma complexa variedade de estatutos geopolíticos. Em alguns casos, ocorre a emergência de um império em gestação (Rússia), em outros persiste a tradicional condição dependente (Argentina) e em certos países emergem os traços do subimperialismo.
Esta última categoria não identifica as variantes mais fracas do dispositivo imperial. Este lugar menor é ocupado por vários membros da OTAN (como Bélgica ou Espanha), que recriam um simples papel subordinado ao comando norte-americano. O subimpério tampouco faz alusão à condição atual dos antigos impérios em declínio (como Portugal, Holanda ou Áustria).
Como Ruy Mauro Marini corretamente antecipou, os subimpérios contemporâneos atuam como potências regionais, mantendo uma relação contraditória de parceria, subordinação ou tensão com o gendarme estadunidense. Essa ambiguidade coexiste com fortes ações militares nas disputas com seus concorrentes regionais. Os subimpérios operam numa escala muito distante da grande geopolítica mundial, mas com arremetidas em áreas que lembram suas antigas raízes como impérios de longa data.
A Turquia é o principal expoente dessa modalidade no Oriente Médio. Desenvolve um expansionismo significativo, demonstra uma grande dualidade em relação a Washington, recorre a movimentos imprevisíveis, promove aventuras externas e envolve-se numa intensa batalha competitiva com o Irã e a Arábia Saudita.
Especificidades do século XXI
De todos os elementos expostos, deduzem-se as características do imperialismo contemporâneo. Este dispositivo apresenta modalidades singulares, inovadoras e divergentes em comparação com seus dois precedentes do século passado. O imperialismo atual é um sistema estruturado em torno do papel dominante exercido pelos Estados Unidos, em estreita ligação com os parceiros alterimperialistas da Europa e os apêndices coimperiais de outros hemisférios.
Esta estrutura inclui ações militares para garantir a transferência de valor da periferia para o centro e enfrenta uma crise estrutural, na sequência de sucessivos fracassos do Pentágono, que levaram à atual configuração multipolar.
Fora deste raio dominante estão duas grandes potências. Enquanto a China expande sua economia com estratégias externas cautelosas, a Rússia atua com modalidades embrionárias de um novo império. Outras formações subimperiais, de escala muito inferior, disputam a preeminência nos cenários regionais com ações autônomas, mas também ligadas ao emaranhado da OTAN.
Esta renovada interpretação marxista hierarquiza o conceito de imperialismo, integrando a noção de hegemonia neste ordenador da geopolítica contemporânea. Ressalta a crise do comando estadunidense sem postular seu declínio inexorável, nem a inevitável emergência de uma potência substituta (China) ou de vários substitutos coligados (BRICS).
O enfoque no conceito de imperialismo também salienta a importância continuada da coerção militar, recordando que não perdeu sua primazia frente à crescente influência da economia, diplomacia ou ideologia.
As abordagens clássicas
Os debates no seio do conglomerado marxista incluem polêmicas entre a abordagem renovada (que expusemos) e a visão clássica. Esta última propõe a atualização da mesma caracterização que Lênin postulou no início do século XX.
Considera que a validade desta abordagem não se restringe ao período em que foi formulada, mas estende sua vigência até a atualidade. Da mesma forma que Marx lançou as bases duradouras para uma caracterização do capitalismo, Lênin tinha postulado uma tese que ultrapassava a data da sua formulação. Esta abordagem opõe-se à existência de vários modelos de imperialismo, adaptados às sucessivas mudanças do capitalismo. Entende que apenas um esquema é suficiente para compreender a dinâmica do século passado.
A partir desta caracterização, deduz uma analogia entre o cenário atual e o que prevaleceu durante a Primeira Guerra Mundial, argumentando que o mesmo conflito interimperial reaparece na conjuntura atual. Argumenta que a Rússia e a China competem com seus pares ocidentais, com políticas semelhantes às que foram implementadas há cem anos pelas potências que desafiam as forças dominantes.
Nesta perspectiva, os conflitos atuais são percebidos como uma competição pelo butim da periferia. A guerra na Ucrânia é vista como um exemplo desse choque e a batalha entre Kiev e Moscou é explicada pelo apetite por recursos de ferro, gás ou trigo no território em disputa. Todos os países envolvidos nesta batalha são equiparados e denunciados como lados de uma luta interimperial.
Mas este raciocínio perde de vista as grandes diferenças entre o contexto atual e o passado. No início do século XX, uma pluralidade de potências colidia com forças militares comparáveis para fazer valer sua superioridade. Não havia a supremacia estratificada que os Estados Unidos agora exercem sobre seus parceiros da OTAN. Este predomínio atesta que as potências já não atuam como guerreiros autônomos. Os Estados Unidos dirigem tanto a Europa como seus apêndices de outros continentes.
Atualmente opera, ademais, um sistema imperial diante de uma variedade de alianças não hegemônicas, que incluem apenas tendências imperiais em gestação. O núcleo dominante agride e as formações em constituição defendem-se. Ao contrário do que aconteceu no século passado, não há batalha entre pares igualmente ofensivos.
Os critérios de Lênin
A tese clássica define o imperialismo com diretrizes que sublinham o predomínio do capital financeiro, dos monopólios e da exportação de capital. Com estes parâmetros propõe respostas positivas ou negativas ao estatuto da Rússia e da China, dependendo do grau em que cumprem ou se distanciam destes requisitos.
As respostas afirmativas colocam a Rússia no campo imperialista, avaliando que sua economia se expandiu significativamente, com investimentos no estrangeiro, corporações globais e exploração da periferia. A mesma interpretação para o caso chinês ressalta que a segunda economia do mundo já satisfaz com folga todos os requisitos de uma potência imperial.
Avaliações contrapostas salientam que a Rússia ainda não ingressou no clube dos dominadores porque lhe falta o potente capital financeiro que tal ascensão exige. Destaca-se, ademais, que conta com poucos monopólios ou empresas de destaque no ranking das corporações internacionais. A mesma opinião para o caso da China ressalta que a poderosa economia asiática ainda não se destacou na exportação de capitais ou no predomínio de suas finanças.
Mas estas classificações econômicas extraídas de caracterizações formuladas em 1916 são inadequadas para avaliar o imperialismo contemporâneo. Lênin descreveu apenas as características do capitalismo de seu tempo, sem utilizar esta avaliação para definir um mapa da ordem imperial. Considerava, por exemplo, que a Rússia era membro do clube dos impérios, apesar de não preencher todas as condições econômicas necessárias para tal participação. O mesmo se aplicava ao Japão, que não era um grande exportador de capital, nem abrigava formas preeminentes de capital financeiro.
A atual aplicação forçada destes requisitos leva a inúmeras confusões. Há muitos países com finanças poderosas, investimentos no estrangeiro e grandes monopólios (como a Suíça), que não empregam políticas imperialistas. Pelo contrário, a própria economia russa funciona como uma mera semiperiferia no ranking mundial, mas desenvolve ações militares próprias de um império em gestação. A China, por sua vez, cumpre todas as condições do clássico receituário econômico para ser tipificada como um gigante imperial, mas não se envolve em ações militares proporcionais a esse estatuto.
O lugar de cada potência na economia mundial não esclarece, portanto, seu papel como império. Este papel é elucidado pela avaliação da política externa, intervenção estrangeira e ações geopolítico-militares no tabuleiro global. Esta abordagem sugerida pelo marxismo renovado lança mais luz sobre as características do imperialismo atual do que a ótica postulada pelos que atualizam a visão clássica.
Transnacionalismo e império global
Outra abordagem marxista alternativa foi desenvolvida na década passada pela tese do império global. Esta visão ganhou grande importância durante o auge dos Fóruns Sociais Mundiais, postulando a vigência de uma era pós-imperialista, que superaria o capitalismo nacional e a intermediação estatal. Destacou uma nova contraposição direta entre dominadores e dominados, resultante da dissolução dos antigos centros, da mobilidade sem restrições do capital e da extinção da relação centro-periferia.
Num quadro de grande euforia com o livre-comércio e de desregulamentação bancária, salientou também a existência de uma classe dominante amalgamada e entrelaçada através da transnacionalização dos Estados. Via os Estados Unidos como a encarnação de um império globalizado, que transmite suas estruturas e valores a todo o planeta.
Esta visão foi desmentida pelo atual cenário de intensos conflitos entre as grandes potências. O choque drástico entre os Estados Unidos e a China é inexplicável a partir de uma perspectiva que postula a dissolução dos estados e o consequente desaparecimento das crises geopolíticas entre países diferenciados por suas fundações nacionais.
A tese do império global também omitiu os limites e as contradições da globalização, esquecendo que o capital não pode migrar sem restrições de um país para outro, nem pode usufruir de uma livre circulação planetária de mão de obra. Uma sequência continuada de barreiras obstrui a constituição desse espaço homogêneo em nível mundial.
Esta abordagem extrapolou eventuais cenários de larguíssimo prazo para realidades imediatas, imaginando simples e abruptas globalizações. Diluiu a economia e a geopolítica num único processo e ignorou o protagonismo continuado dos estados, imaginando entrelaçamentos transnacionais entre as principais classes dominantes. Esqueceu que o funcionamento do capitalismo se assenta na estrutura legal e coerciva proporcionada pelos diferentes Estados.
Mais desacertado foi assemelhar a estrutura piramidal do sistema imperial contemporâneo conduzido pelos EUA a um império global, horizontal e carente de parceiros nacionais. Omitiu que a primeira potência opera como protetora da ordem global, mas sem dissolver seu exército em tropas multinacionais. Devido a este acúmulo de inconsistências, a visão de um império global perdeu sua importância nos debates atuais.
Conclusão
A teoria marxista renovada oferece a caracterização mais consistente do imperialismo do século XXI. Sublinha a preeminência de um dispositivo militar coercivo, liderado pelos EUA e articulado em torno da OTAN, para assegurar a dominação da periferia e fustigar as formações rivais não hegemônicas da Rússia e da China.
No início do novo milênio, a atenção pelo imperialismo passou para um segundo plano e a própria noção caiu em desuso. Este desinteresse estava em sintonia com o enfraquecimento das visões críticas da sociedade contemporânea. Mas a invasão norte-americana do Iraque corroeu o conformismo e desencadeou o ressurgimento das discussões sobre os mecanismos de dominação internacional. A denúncia do imperialismo recuperou importância e os questionamentos da agressividade militar estadunidense multiplicaram-se.
Estas objeções passaram posteriormente para a noção substitutiva de hegemonia, que ganhou primazia nos estudos do declínio estadunidense diante da ascensão da China. A hegemonia foi enfatizada para avaliar como a disputa entre as duas principais potências do planeta desenvolve-se no âmbito geopolítico, ideológico ou econômico. A característica coercitiva que distingue o imperialismo perdeu relevância em muitas reflexões sobre a confrontação sino-americana.
Quando esta substituição parecia impor-se – juntamente com a nova centralidade das noções de multipolaridade e transição hegemônica –, as menções ao imperialismo recuperaram importância através de um acontecimento inesperado. Esse termo reapareceu com a invasão russa da Ucrânia para ressaltar o expansionismo de Moscou.
Singularidades e adaptações
O imperialismo é uma categoria frequentemente utilizada pelos meios de comunicação ocidentais para contrastar as políticas tirânicas do Kremlin ou Pequim com as condutas respeitosas de Washington ou Bruxelas. Este uso enviesado do termo obstrui qualquer compreensão do problema. A lógica do imperialismo só é compreensível superando tais visões grosseiras e investigando a relação do conceito com sua matriz capitalista.
Este curso analítico tem sido explorado por vários pensadores marxistas, que estudam a dinâmica contemporânea do imperialismo em função das mutações registradas no sistema capitalista. Nestas abordagens, o imperialismo é visto como um dispositivo que concentra os mecanismos internacionais de dominação, utilizados pelas minorias ricas para explorar as maiorias populares.
O imperialismo é o principal instrumento dessa sujeição, mas não opera dentro de cada país, e sim nas relações interestatais e na dinâmica da competição, no uso da força e nas intervenções militares. É um mecanismo essencial para a continuidade do capitalismo e tem estado presente desde o início desse sistema, modificando-se em correspondência com as mudanças desse regime social. O imperialismo nunca constituiu um estágio ou uma época específica do capitalismo. Sempre incorporou as formas que a supremacia geopolítico-militar adota em cada momento do sistema.
Devido a esta variabilidade histórica, o imperialismo atual difere de seus antecedentes. Não é apenas qualitativamente diferente dos impérios pré-capitalistas (feudais, tributários ou escravagistas), que se baseavam na expansão territorial ou no controle do comércio. Também não se assemelha ao imperialismo clássico conceitualizado por Lênin, quando as grandes potências rivalizavam através da guerra pelo controle dos mercados e das colônias.
O imperialismo contemporâneo também difere do modelo liderado pelos Estados Unidos na segunda metade do século XX. A primeira potência introduziu novas características de coordenação coletiva e subjugação dos parceiros para assegurar a proteção de todas as classes dirigentes contra a insurreição popular e o perigo do socialismo.
Ao longo desta variedade de etapas, o imperialismo garantiu o usufruto dos recursos da periferia por parte das economias avançadas. Os dispositivos coercitivos das grandes potências asseguraram a captura das riquezas dos países dependentes pelos capitalistas do centro. Dessa forma, o imperialismo reciclou a continuidade do subdesenvolvimento nas regiões negligenciadas do planeta.
Esta perpetuação recriou os mecanismos de transferência de valor das economias dominadas para seus pares dominantes. A desigualdade entre os dois pólos do capitalismo global foi reproduzida através de várias modalidades produtivas, comerciais e financeiras.
Mutações e indefinições
O imperialismo do século XXI deve ser avaliado à luz das enormes mudanças do capitalismo contemporâneo. Há 40 anos, vigora um novo esquema de acumulação de baixo crescimento no Ocidente e expansão significativa do Oriente, ligados pela globalização produtiva. O desdobramento internacional do processo de fabricação, subcontratação e cadeias de valor subjazem este esquema produtivo sustentado pela revolução informática. Este desenvolvimento do capitalismo digital contribuiu para a massificação do desemprego e para a generalização da precarização, insegurança e flexibilização do trabalho.
O novo modelo opera através da financeirização que introduziu a autonomia creditícia das empresas, a titularização dos bancos e a gestão familiar das hipotecas e pensões. Esta centralidade financeira no funcionamento corrente da economia multiplicou, por sua vez, o surgimento periódico de crises impactantes.
As bolhas especulativas – que corroem o sistema bancário e desembocam em socorros estatais cada vez maiores – acentuam os desequilíbrios do capitalismo atual. Este sistema é fortemente afetado pelas tensões suscitadas pela sobreprodução (que a globalização impulsionou) e pela fratura do poder de compra (que o neoliberalismo acentuou).
O esquema atual também incuba potenciais catástrofes de maior alcance pela irrefreável degradação do meio ambiente, gerada pela concorrência por maiores lucros. A recente pandemia foi apenas uma advertência da escala tempestuosa destes desequilíbrios. O fim dessa infecção não resultou no esperado “regresso à normalidade”, mas num cenário de guerra, inflação e rupturas nos circuitos globais de abastecimento.
A crise começa a pavimentar novos contornos e ninguém sabe que rumo tomará a política econômica do próximo período. No meio de uma intervenção estatal renovada, permanece sem solução a disputa entre um giro neokeynesiano e um curso oposto de reavivamento neoliberal.
Mas qualquer uma destas direções ratificará a preeminência do novo modelo de capitalismo globalizado, digital, precarizador e financeirizado, com sua consequente escala de contradições incontroláveis. Este esquema é tão visível como a magnitude dramática de seus desequilíbrios.
A nitidez do capitalismo contemporâneo não se estende, contudo, ao plano geopolítico ou militar. O imperialismo do século XXI é marcado por uma acumulação de incertezas, indefinições e ambivalências muito além de sua base econômica. As mutações radicais que tiveram lugar neste âmbito nas últimas décadas não se projetam para outras esferas, e esse divórcio determina a enorme complexidade do atual emaranhado imperial.
Erosão da liderança imperial
A existência de um bloco dominante liderado pelos Estados Unidos é a principal característica do sistema imperial contemporâneo. A primeira potência é o maior expoente do novo modelo e o gestor óbvio do aparato de coerção internacional, que assegura a dominação dos abastados. O diagnóstico do imperialismo atual envolve uma avaliação dos Estados Unidos, que concentra todas as tensões deste dispositivo.
A principal contradição do imperialismo atual reside na impotência de seu condutor. O colosso do Norte sofre de uma liderança erodida como consequência da profunda crise que afeta sua economia. Washington perdeu a preponderância do passado e sua competitividade industrial em declínio não é contrabalançada pelo seu comando financeiro continuado ou pela sua significativa supremacia tecnológica.
Os Estados Unidos confirmaram suas vantagens sobre outras potências durante a crise de 2008. Mas as maiores adversidades da Europa e do Japão não diminuíram o retrocesso sistemático da economia norte-americana, nem atenuaram a ascensão sustentada da China. Os Estados Unidos não foram capazes de conter a reconfiguração geográfica da produção mundial em direção à Ásia.
Esta erosão econômica afeta a política externa norte-americana, que perdeu sua tradicional sustentação interna. A velha homogeneidade do gigante ianque foi abalada pela dramática brecha política que o país enfrenta. Os Estados Unidos são corroídos por tensões raciais e fraturas político-culturais que contrapõem o americanismo do interior com o globalismo do litoral.
Esta deterioração tem impacto sobre as operações do Pentágono, que já não contam com o aval do passado. A privatização da guerra ocorre num contexto de crescente desaprovação interna das aventuras militares estrangeiras.
A economia estadunidense não enfrenta um simples retrocesso da sua supremacia continuada. A centralidade internacional do aparato estatal norte-americano e a primazia de suas finanças contrastam com o declínio comercial e produtivo do país.
Este desgaste não implica um ocaso inexorável e ininterrupto. Os Estados Unidos não conseguem restaurar sua antiga liderança, mas continuam exercendo um papel dominante e seu futuro imperial não pode ser esclarecido pela aplicação de critérios histórico-deterministas postulados pela teoria da ascensão e queda cíclicas dos impérios. O declínio da economia norte-americana é sinônimo de crise, mas não de colapso terminal em alguma data pré-estabelecida.
De fato, o poder que preservam os Estados Unidos baseia-se mais no destacamento militar do que no impacto de sua economia. Por esta razão, é essencial analisar a primeira potência em chave imperial.
O fracasso do belicismo
Há várias décadas Washington tenta recuperar sua liderança através de ações enérgicas. Estas incursões concentram as principais características do imperialismo atual. O Pentágono gere uma rede de “contratistas” que se enriquecem com a guerra, reciclando o aparato militar-industrial. Mantêm a mesma importância em períodos de distensão e em períodos de conflito elevado. O modelo econômico armamentista norte-americano é recriado através de exportações elevadas, altos custos e uma exibição permanente do poder de fogo. Essa visibilidade exige a multiplicação das guerras híbridas e todo tipo de incursões de formações paraestatais.
Com estes instrumentos mortíferos, os Estados Unidos criaram cenários dantescos de mortes e refugiados. Recorreu a justificações hipócritas de intervenção humanitária e “guerra contra o terrorismo” para perpetrar as atrozes invasões no “Grande Oriente Médio”. Estas operações incluíram a gestação dos primeiros grupos jihadistas, que mais tarde alçaram voo por conta própria com ações contra o padrinho estadunidense. O terrorismo marginal que estes grupos propiciaram nunca atingiu a escala terrível do terrorismo de estado que o Pentágono monitora. Washington foi longe demais ao consumar a pulverização completa de vários países.
Mas o dado mais chamativo deste modelo destrutivo tem sido seu estrondoso fracasso. Nos últimos vinte anos, o projeto de recomposição estadunidense através de ações militares fracassou uma e outra vez. O “século americano” concebido por pensadores neoconservadores foi uma fantasia de curta duração, que o próprio establishment de Washington abandonou para retomar a assessoria de conselheiros mais pragmáticos e realistas.
As ocupações do Pentágono não atingiram os resultados esperados e os Estados Unidos tornaram-se uma superpotência que perde guerras. Bush, Obama, Trump e ultimamente Biden fracassaram em todas as suas tentativas de utilizar a superioridade militar do país para induzir um renascimento da economia ianque.
Esta lacuna foi particularmente visível no Oriente Médio. Washington instrumentou suas agressões estigmatizando os povos dessa região, com imagens de massas primitivas, autoritárias e violentas que são incapazes de assimilar as maravilhas da modernidade.
Essas bobagens foram divulgadas pelos meios de comunicação para encobrir a tentativa de apropriação das principais reservas mundiais de petróleo. Mas no final de uma cruzada tempestuosa, os Estados Unidos foram humilhados no Afeganistão, retiraram-se do Iraque, não conseguiram submeter o Irã, fracassaram na criação de governos fantoches na Líbia e na Síria e inclusive tiveram que lidar com o bumerangue dos jihadistas que operam contra o país.
Inflexibilidade de um emaranhado
Os infortúnios enfrentados pela primeira potência não resultaram em seu abandono do intervencionismo externo, nem num recuo para seu próprio território. A classe dominante norte-americana necessita preservar sua ação imperial, para sustentar a primazia do dólar, o controle do petróleo, os negócios do complexo militar-industrial, a estabilidade de Wall Street e os lucros das empresas tecnológicas.
Por esta razão, todos os líderes da Casa Branca ensaiam novas variantes da mesma contraofensiva. Nenhum líder estadunidense pode renunciar à tentativa de restaurar a primazia do país. Todos retomam esse objetivo, sem nunca chegar a uma conclusão bem-sucedida. Sofrem a mesma compulsão de procurar um caminho de recuperação de sua liderança perdida.
Aos Estados Unidos falta a plasticidade de seu antecessor britânico para entregar o comando global a um novo parceiro. Não têm a capacidade de se adaptar à retirada que seu par transatlântico demonstrou no século passado. Esta inflexibilidade norte-americana os impede de moldarem-se ao contexto atual e acentua as dificuldades para exercer a direção do sistema imperial.
Esta rigidez deve-se em grande parte aos compromissos de uma potência que já não atua sozinha. Washington dirige a teia de alianças internacionais construídas em meados do século XX para lidar com o chamado campo socialista. Esta articulação baseia-se numa estreita associação com o alterimperialismo europeu, que desenvolve suas intervenções sob a égide norte-americana.
Os capitalistas do Velho Continente defendem seus próprios negócios com operações autônomas no Oriente Médio, África ou Europa Oriental, mas agem em estrita sintonia com o Pentágono e sob um comando articulado em torno da OTAN. Os grandes impérios do passado (Inglaterra, França) preservam sua influência nas antigas áreas coloniais, mas condicionam todos os seus movimentos ao veto de Washington.
A mesma parceria subordinada é mantida pelos coimpérios de Israel, Austrália ou Canadá. Compartilham com seu referente a custódia da ordem global e desenvolvem ações de acordo com as demandas de seu tutor. Em nível regional, tendem a apoiar os mesmos interesses que os Estados Unidos garantem em nível mundial.
Este sistema global articulado é uma característica que o imperialismo atual herdou de seu precedente do pós-guerra. Funciona em divergência frontal com o modelo de potências diversificadas que disputavam a primazia na primeira metade do século passado. A crise da estrutura hierarquizada que sucedeu esse esquema é o dado crucial do imperialismo do século XXI.
Uma expressão contundente dessa inconsistência foi o caráter meramente transitório do modelo unipolar que o projeto neoconservador imaginava para um novo e prolongado “século americano”. Em vez deste renascimento, emergiu um contexto multipolar, confirmando a perda da supremacia norte-americana face a numerosos atores da geopolítica mundial. O desejado domínio de Washington foi substituído por uma maior dispersão do poder, em contraste com a bipolaridade que prevaleceu durante a Guerra Fria e a tentativa unipolar fracassada que se seguiu à implosão da URSS.
O imperialismo atual opera, assim, em torno de um bloco dominante comandado pelos Estados Unidos e gerido pela OTAN, em estreita associação com a Europa e os parceiros regionais de Washington. Mas os fracassos do Pentágono em exercer sua autoridade levaram à atual crise não resolvida, que se verifica na emergência da multipolaridade.
Um império não hegemônico em gestação
Como se aplica o conceito atualizado de imperialismo às potências que não fazem parte do bloco dominante? Esta questão paira sobre os enigmas mais complexos do século XXI. É evidente que a Rússia e a China são grandes potências rivais da OTAN, situadas numa esfera não hegemônica do contexto atual. Com esta posição diferenciada: compartilham ou não um estatuto imperial?
A clarificação dessa condição tornou-se particularmente inevitável no caso da Rússia, desde o início da guerra na Ucrânia. Para os liberais ocidentais, o imperialismo de Moscou é um dado evidente e enraizado na história autoritária de um país que se esquivou das virtudes da modernidade para optar pelo atraso obscuro do Oriente. Com o argumento desgastado da Guerra Fria, contrastam o totalitarismo russo com as maravilhas da democracia norte-americana.
Mas com pressupostos tão absurdos é impossível avançar em alguma clarificação do perfil contemporâneo do gigante eurasiático. A potencial condição imperial da Rússia deve ser avaliada em termos da consolidação do capitalismo e da transformação da velha burocracia numa nova oligarquia de milionários.
É evidente que os pilares do capitalismo foram consolidados na Rússia, com o fortalecimento da propriedade privada dos meios de produção e os padrões de lucro, concorrência e exploração resultantes, sob um modelo político a serviço da classe dominante. Iéltsin forjou uma república de oligarcas e Putin apenas conteve a dinâmica predatória desse sistema, sem reverter os privilégios da nova minoria enriquecida.
O capitalismo russo é muito vulnerável devido ao peso descontrolado dos vários tipos de máfias. Os mecanismos informais de apropriação do excedente também reciclam as adversidades econômicas do velho modelo de planificação compulsiva. O esquema predominante de exportação de matérias-primas também afeta o aparelho produtivo e recria uma fuga significativa de recursos nacionais para o exterior.
No plano geopolítico, a Rússia é um alvo favorito da OTAN, que tentou desintegrar o país através de um grande destacamento de mísseis fronteiriços. No entanto, Putin também reforçou a intervenção russa no espaço pós-soviético e desenvolveu uma ação militar que ultrapassa a dinâmica defensiva e a lógica de dissuasão.
Neste contexto, a Rússia não faz parte do circuito imperialista dominante, mas desenvolve políticas de dominação em seu entorno que são típicas de um império não hegemônico em construção.
Diferenças com o passado
Moscou não participa do grupo dominante do capitalismo mundial. Falta-lhe capital financeiro significativo e um número significativo de empresas internacionais. Especializou-se na exportação de petróleo e gás e consolidou sua posição como uma economia intermediária com poucas conexões com a periferia. Não obtém lucros significativos da troca desigual.
Mas com esta posição econômica secundária, a Rússia apresenta um perfil potencialmente imperial enraizado em intervenções estrangeiras, ações geopolíticas impactantes e tensões dramáticas com os Estados Unidos. Este protagonismo externo não leva à reconstituição do antigo império czarista. As distâncias com esse passado são tão monumentais como as diferenças qualitativas com os regimes sociais do passado feudal.
As assimetrias são igualmente significativas com a URSS. Vladimir Putin não recompõe o chamado “imperialismo soviético”, que é uma categoria inconsistente e estruturalmente incompatível com o caráter não capitalista do modelo que precedeu a implosão de 1989. A URSS era dirigida por uma burocracia governante que atuava de forma opressiva, mas que não se envolvia em ações imperialistas em seus conflitos com a Iugoslávia, China ou Tchecoslováquia.
Atualmente persiste um grande circuito de colonialismo interno, perpetuando as desigualdades regionais e a primazia da minoria gran-russa. Mas essa modalidade opressiva não está na escala do apartheid na África do Sul ou na Palestina. Além disso, o determinante de um estatuto imperial é a expansão externa, que, até a guerra na Ucrânia, era vista apenas como uma tendência de Moscou.
O projeto imperialista é efetivamente patrocinado pelos setores de direita que alimentam o negócio da guerra, as aventuras estrangeiras, o nacionalismo e as campanhas islamofóbicas. Mas este rumo é contraposto pela elite liberal internacionalizada, e durante muito tempo Putin governou mantendo o equilíbrio entre os dois grupos.
Não se deve esquecer que a Rússia também é antípoda de um estatuto dependente ou semicolonial. É um importante ator internacional com um grande protagonismo no exterior, que moderniza sua estrutura militar e afirma-se como o segundo maior exportador mundial de armas. Em vez de ajudar seus vizinhos, Moscou reforça seu próprio projeto dominante, por exemplo, enviando tropas para o Cazaquistão para sustentar um governo neoliberal que saqueia as receitas do petróleo, reprime greves e torna ilegal o Partido Comunista.
O impacto da Ucrânia
A guerra na Ucrânia introduziu uma mudança qualitativa na dinâmica russa e os resultados finais dessa incursão terão um impacto dramático no estatuto geopolítico do país. As tendências imperiais que eram apenas possibilidades embrionárias assumiram uma nova espessura.
Houve certamente uma responsabilidade primordial dos Estados Unidos, que tentaram trazer Kiev para a rede de mísseis da OTAN contra Moscou e encorajaram a violência das milícias de extrema-direita no Donbass. Mas Vladimir Putin consumou uma ação militar inadmissível e funcional para o imperialismo ocidental, que não tem justificação como uma ação defensiva. O chefe do Kremlin desprezou os ucranianos, suscitou o ódio contra o ocupante e ignorou a aspiração generalizada de soluções pacíficas. Com sua incursão, criou um cenário muito negativo para as esperanças emancipatórias dos povos da Europa.
O resultado final da incursão continua indefinido e é incerto se os efeitos das sanções serão mais adversos para a Rússia do que para o Ocidente. Mas a tragédia humanitária em termos de mortes e refugiados já é maiúscula e convulsiona toda a região. Os Estados Unidos apostam em prolongar a guerra, a fim de empurrar Moscou para o mesmo atoleiro que a URSS enfrentou no Afeganistão. Por isso, induz Kiev a rejeitar as negociações que freariam as hostilidades. Washington pretende submeter a Europa a sua agenda militarista, através de um conflito interminável que assegure o financiamento da OTAN por Bruxelas. Já não visa apenas incorporar a Ucrânia para a aliança militar. Agora também pressiona pelo ingresso da Finlândia e da Suécia.
Em resumo: a Rússia é um país capitalista que, até a incursão na Ucrânia, não apresentava as características gerais de um agressor imperial. Mas o curso geopolítico ofensivo de Vladimir Putin sustenta este perfil e induz a transformação do império em gestação num império em consolidação. O fracasso dessa operação também poderia resultar numa neutralização prematura do império nascente.
O protagonismo da China
A China compartilha uma posição semelhante no conglomerado não hegemônico com a Rússia e enfrenta um conflito semelhante com os Estados Unidos. Por esta razão, seu estatuto atual suscita a mesma questão: é uma potência imperialista?
Em seu caso, vale a pena notar o desenvolvimento excepcional que alcançou nas últimas décadas, com fundamentos socialistas, complementos mercantis e parâmetros capitalistas. Estabeleceu um modelo ligado à globalização, mas centrado na retenção local do excedente. Esta combinação permitiu uma intensa acumulação local entrelaçada com a mundialização, através de circuitos de reinvestimento e um grande controle do movimento de capitais. A economia expandiu-se de forma sustentada, com uma ausência significativa do neoliberalismo e da financeirização que afetou seus concorrentes.
A China também foi atingida pela crise de 2008, que introduziu um teto intransponível ao modelo anterior de exportações financiadas para os Estados Unidos. Este vínculo “China-América” esgotou-se, revelando o desequilíbrio gerado por um superávit comercial pago com enormes créditos. Essa defasagem inaugurou a crise atual.
A liderança da China optou inicialmente por uma mudança na atividade econômica local. Mas esse desacoplamento não gerou benefícios equivalentes aos obtidos no esquema globalizado anterior. O novo curso acentuou o sobreinvestimento, as bolhas imobiliárias e um círculo vicioso de poupança em excesso e sobreprodução, o que forçou a retomada da procura de mercados externos através do ambicioso projeto da Rota da Seda.
Este rumo levanta tensões com os parceiros e enfrenta o grande limite de uma eventual estagnação da economia mundial. É muito difícil sustentar um gigantesco plano de infraestruturas internacionais num cenário de baixo crescimento global.
Durante a pandemia, a China provou novamente ser mais eficiente do que os Estados Unidos e a Europa com seus mecanismos expressos de contenção da Covid. Mas a infecção eclodiu em seu território, uma consequência dos desequilíbrios precipitados pela globalização. A superpopulação urbana e o descontrole da industrialização dos alimentos ilustraram as consequências dramáticas da penetração capitalista.
A China é atualmente afetada pela guerra que se seguiu à pandemia. Sua economia é muito suscetível à inflação dos alimentos e da energia. Também enfrenta obstáculos que obstruem o funcionamento das cadeias globais de valor.
Uma nova posição
A China ainda não completou sua transição para o capitalismo. Este regime está muito presente no país, mas não domina toda a economia. Há uma significativa vigência da propriedade privada de grandes empresas, que operam sob regras de lucro, concorrência e exploração, gerando desequilíbrios agudos de sobreprodução. Mas, ao contrário da Europa Oriental e da Rússia, a nova classe burguesa não obteve o controle do estado e esta carência impede a coroação da preeminência das normas capitalistas que prevalecem no resto do mundo.
A China defende-se do assédio norte-americano no terreno geopolítico. Barack Obama iniciou uma sequência de agressões, que Donald Trump redobrou e Joe Biden reforça. O Pentágono ergueu um cerco naval, enquanto acelera a gestação de uma “OTAN do Pacífico”, juntamente com o Japão, Coreia do Sul, Austrália e Índia. Também avançam a remilitarização de Taiwan e a tentativa de deixar a Europa com todo o custo da confrontação com a Rússia, a fim de concentrar os recursos militares na luta com a China.
Até o momento, Pequim não desenvolve ações equivalentes às de seu rival. Afirma sua soberania num raio limitado de milhas, para resistir à tentativa estadunidense de internacionalizar seu espaço costeiro. Reforça a atividade pesqueira, as reservas submarinas e, sobretudo, as rotas marítimas de que necessita para transportar suas mercadorias.
Esta reação defensiva está muito longe da investida que Washington conduz no Oceano Pacífico. A China não envia navios de guerra para as costas de Nova Iorque ou da Califórnia e seus gastos militares crescentes ainda mantêm uma distância significativa do Pentágono. Pequim privilegia o esgotamento econômico, através de uma estratégia que visa “desgastar o inimigo”. Também se afasta de quaisquer alianças bélicas comparáveis à OTAN.
A China não satisfaz, portanto, as condições básicas de uma potência imperialista. Sua política externa está muito longe desse perfil. Não envia tropas para o estrangeiro, mantém apenas uma base militar fora de suas fronteiras (numa encruzilhada comercial chave) e não se envolve em conflitos externos.
A nova potência evita especialmente o caminho belicista tomado pela Alemanha e pelo Japão no século XX, utilizando uma prudência geopolítica inconcebível no passado. Tem lucrado com formas de produção mundializadas que não existiam no século anterior. A China também evitou o caminho seguido pela Rússia e não tomou medidas semelhantes às que Moscou empreendeu na Síria ou na Ucrânia. Por esta razão, não esboça o curso imperial que a Rússia insinua com intensidade crescente.
Esta moderação internacional também não coloca a China no pólo oposto do espectro imperial. A nova potência já se encontra muito afastada do Sul Global e ingressou no universo das economias centrais, que acumulam lucros às custas da periferia. Deixou para trás o espectro das nações dependentes e situou-se acima do novo grupo de economias emergentes.
Os capitalistas chineses capturam mais-valia (através das empresas localizadas no estrangeiro) e lucram com o fornecimento de matérias-primas. O país já alcançou o estatuto de economia credora, em potencial conflito com seus devedores no Sul. Lucra com a troca desigual e absorve excedentes das economias subdesenvolvidas, com base numa produtividade muito superior à média de seus clientes.
Em resumo: a China posicionou-se num bloco não hegemônico longe da periferia. Mas não completou o estatuto capitalista e evita o desenvolvimento de políticas próprias do imperialismo.
Semiperiferias e subimperialismo
Outra novidade do cenário atual é a presença de atores regionais importantes. Exibem um peso inferior ao das principais potências, mas demonstram relevância suficiente para requerer alguma classificação na ordem imperial. A centralidade destes atores resulta da incidência inesperada das economias intermediárias, que consolidaram seu perfil com estruturas de industrialização emergente.
Esta irrupção tornou a antiga relação centro-periferia mais complexa, como consequência de um duplo processo de drenagem de valor das regiões subdesenvolvidas e de retenção do valor das semiperiferias ascendentes. Vários membros do pólo asiático, Índia ou Turquia exemplificam essa nova condição, num contexto de bifurcação crescente no universo tradicional dos países dependentes. Este cenário – mais tripolar binário – ganha relevância na hierarquia internacional contemporânea.
A diferenciação interna na antiga periferia é muito visível em todos os continentes. A enorme distância que separa o Brasil ou o México do Haiti ou El Salvador na América Latina é reproduzida à mesma escala na Europa, Ásia e África. Essas fraturas têm consequências internas significativas e completam o processo subjacente de transformação das antigas burguesias nacionais em novas burguesias locais.
Neste espectro de economias semiperiféricas, verifica-se uma complexa variedade de estatutos geopolíticos. Em alguns casos, ocorre a emergência de um império em gestação (Rússia), em outros persiste a tradicional condição dependente (Argentina) e em certos países emergem os traços do subimperialismo.
Esta última categoria não identifica as variantes mais fracas do dispositivo imperial. Este lugar menor é ocupado por vários membros da OTAN (como Bélgica ou Espanha), que recriam um simples papel subordinado ao comando norte-americano. O subimpério tampouco faz alusão à condição atual dos antigos impérios em declínio (como Portugal, Holanda ou Áustria).
Como Ruy Mauro Marini corretamente antecipou, os subimpérios contemporâneos atuam como potências regionais, mantendo uma relação contraditória de parceria, subordinação ou tensão com o gendarme estadunidense. Essa ambiguidade coexiste com fortes ações militares nas disputas com seus concorrentes regionais. Os subimpérios operam numa escala muito distante da grande geopolítica mundial, mas com arremetidas em áreas que lembram suas antigas raízes como impérios de longa data.
A Turquia é o principal expoente dessa modalidade no Oriente Médio. Desenvolve um expansionismo significativo, demonstra uma grande dualidade em relação a Washington, recorre a movimentos imprevisíveis, promove aventuras externas e envolve-se numa intensa batalha competitiva com o Irã e a Arábia Saudita.
Especificidades do século XXI
De todos os elementos expostos, deduzem-se as características do imperialismo contemporâneo. Este dispositivo apresenta modalidades singulares, inovadoras e divergentes em comparação com seus dois precedentes do século passado. O imperialismo atual é um sistema estruturado em torno do papel dominante exercido pelos Estados Unidos, em estreita ligação com os parceiros alterimperialistas da Europa e os apêndices coimperiais de outros hemisférios.
Esta estrutura inclui ações militares para garantir a transferência de valor da periferia para o centro e enfrenta uma crise estrutural, na sequência de sucessivos fracassos do Pentágono, que levaram à atual configuração multipolar.
Fora deste raio dominante estão duas grandes potências. Enquanto a China expande sua economia com estratégias externas cautelosas, a Rússia atua com modalidades embrionárias de um novo império. Outras formações subimperiais, de escala muito inferior, disputam a preeminência nos cenários regionais com ações autônomas, mas também ligadas ao emaranhado da OTAN.
Esta renovada interpretação marxista hierarquiza o conceito de imperialismo, integrando a noção de hegemonia neste ordenador da geopolítica contemporânea. Ressalta a crise do comando estadunidense sem postular seu declínio inexorável, nem a inevitável emergência de uma potência substituta (China) ou de vários substitutos coligados (BRICS).
O enfoque no conceito de imperialismo também salienta a importância continuada da coerção militar, recordando que não perdeu sua primazia frente à crescente influência da economia, diplomacia ou ideologia.
As abordagens clássicas
Os debates no seio do conglomerado marxista incluem polêmicas entre a abordagem renovada (que expusemos) e a visão clássica. Esta última propõe a atualização da mesma caracterização que Lênin postulou no início do século XX.
Considera que a validade desta abordagem não se restringe ao período em que foi formulada, mas estende sua vigência até a atualidade. Da mesma forma que Marx lançou as bases duradouras para uma caracterização do capitalismo, Lênin tinha postulado uma tese que ultrapassava a data da sua formulação. Esta abordagem opõe-se à existência de vários modelos de imperialismo, adaptados às sucessivas mudanças do capitalismo. Entende que apenas um esquema é suficiente para compreender a dinâmica do século passado.
A partir desta caracterização, deduz uma analogia entre o cenário atual e o que prevaleceu durante a Primeira Guerra Mundial, argumentando que o mesmo conflito interimperial reaparece na conjuntura atual. Argumenta que a Rússia e a China competem com seus pares ocidentais, com políticas semelhantes às que foram implementadas há cem anos pelas potências que desafiam as forças dominantes.
Nesta perspectiva, os conflitos atuais são percebidos como uma competição pelo butim da periferia. A guerra na Ucrânia é vista como um exemplo desse choque e a batalha entre Kiev e Moscou é explicada pelo apetite por recursos de ferro, gás ou trigo no território em disputa. Todos os países envolvidos nesta batalha são equiparados e denunciados como lados de uma luta interimperial.
Mas este raciocínio perde de vista as grandes diferenças entre o contexto atual e o passado. No início do século XX, uma pluralidade de potências colidia com forças militares comparáveis para fazer valer sua superioridade. Não havia a supremacia estratificada que os Estados Unidos agora exercem sobre seus parceiros da OTAN. Este predomínio atesta que as potências já não atuam como guerreiros autônomos. Os Estados Unidos dirigem tanto a Europa como seus apêndices de outros continentes.
Atualmente opera, ademais, um sistema imperial diante de uma variedade de alianças não hegemônicas, que incluem apenas tendências imperiais em gestação. O núcleo dominante agride e as formações em constituição defendem-se. Ao contrário do que aconteceu no século passado, não há batalha entre pares igualmente ofensivos.
Os critérios de Lênin
A tese clássica define o imperialismo com diretrizes que sublinham o predomínio do capital financeiro, dos monopólios e da exportação de capital. Com estes parâmetros propõe respostas positivas ou negativas ao estatuto da Rússia e da China, dependendo do grau em que cumprem ou se distanciam destes requisitos.
As respostas afirmativas colocam a Rússia no campo imperialista, avaliando que sua economia se expandiu significativamente, com investimentos no estrangeiro, corporações globais e exploração da periferia. A mesma interpretação para o caso chinês ressalta que a segunda economia do mundo já satisfaz com folga todos os requisitos de uma potência imperial.
Avaliações contrapostas salientam que a Rússia ainda não ingressou no clube dos dominadores porque lhe falta o potente capital financeiro que tal ascensão exige. Destaca-se, ademais, que conta com poucos monopólios ou empresas de destaque no ranking das corporações internacionais. A mesma opinião para o caso da China ressalta que a poderosa economia asiática ainda não se destacou na exportação de capitais ou no predomínio de suas finanças.
Mas estas classificações econômicas extraídas de caracterizações formuladas em 1916 são inadequadas para avaliar o imperialismo contemporâneo. Lênin descreveu apenas as características do capitalismo de seu tempo, sem utilizar esta avaliação para definir um mapa da ordem imperial. Considerava, por exemplo, que a Rússia era membro do clube dos impérios, apesar de não preencher todas as condições econômicas necessárias para tal participação. O mesmo se aplicava ao Japão, que não era um grande exportador de capital, nem abrigava formas preeminentes de capital financeiro.
A atual aplicação forçada destes requisitos leva a inúmeras confusões. Há muitos países com finanças poderosas, investimentos no estrangeiro e grandes monopólios (como a Suíça), que não empregam políticas imperialistas. Pelo contrário, a própria economia russa funciona como uma mera semiperiferia no ranking mundial, mas desenvolve ações militares próprias de um império em gestação. A China, por sua vez, cumpre todas as condições do clássico receituário econômico para ser tipificada como um gigante imperial, mas não se envolve em ações militares proporcionais a esse estatuto.
O lugar de cada potência na economia mundial não esclarece, portanto, seu papel como império. Este papel é elucidado pela avaliação da política externa, intervenção estrangeira e ações geopolítico-militares no tabuleiro global. Esta abordagem sugerida pelo marxismo renovado lança mais luz sobre as características do imperialismo atual do que a ótica postulada pelos que atualizam a visão clássica.
Transnacionalismo e império global
Outra abordagem marxista alternativa foi desenvolvida na década passada pela tese do império global. Esta visão ganhou grande importância durante o auge dos Fóruns Sociais Mundiais, postulando a vigência de uma era pós-imperialista, que superaria o capitalismo nacional e a intermediação estatal. Destacou uma nova contraposição direta entre dominadores e dominados, resultante da dissolução dos antigos centros, da mobilidade sem restrições do capital e da extinção da relação centro-periferia.
Num quadro de grande euforia com o livre-comércio e de desregulamentação bancária, salientou também a existência de uma classe dominante amalgamada e entrelaçada através da transnacionalização dos Estados. Via os Estados Unidos como a encarnação de um império globalizado, que transmite suas estruturas e valores a todo o planeta.
Esta visão foi desmentida pelo atual cenário de intensos conflitos entre as grandes potências. O choque drástico entre os Estados Unidos e a China é inexplicável a partir de uma perspectiva que postula a dissolução dos estados e o consequente desaparecimento das crises geopolíticas entre países diferenciados por suas fundações nacionais.
A tese do império global também omitiu os limites e as contradições da globalização, esquecendo que o capital não pode migrar sem restrições de um país para outro, nem pode usufruir de uma livre circulação planetária de mão de obra. Uma sequência continuada de barreiras obstrui a constituição desse espaço homogêneo em nível mundial.
Esta abordagem extrapolou eventuais cenários de larguíssimo prazo para realidades imediatas, imaginando simples e abruptas globalizações. Diluiu a economia e a geopolítica num único processo e ignorou o protagonismo continuado dos estados, imaginando entrelaçamentos transnacionais entre as principais classes dominantes. Esqueceu que o funcionamento do capitalismo se assenta na estrutura legal e coerciva proporcionada pelos diferentes Estados.
Mais desacertado foi assemelhar a estrutura piramidal do sistema imperial contemporâneo conduzido pelos EUA a um império global, horizontal e carente de parceiros nacionais. Omitiu que a primeira potência opera como protetora da ordem global, mas sem dissolver seu exército em tropas multinacionais. Devido a este acúmulo de inconsistências, a visão de um império global perdeu sua importância nos debates atuais.
Conclusão
A teoria marxista renovada oferece a caracterização mais consistente do imperialismo do século XXI. Sublinha a preeminência de um dispositivo militar coercivo, liderado pelos EUA e articulado em torno da OTAN, para assegurar a dominação da periferia e fustigar as formações rivais não hegemônicas da Rússia e da China.
Estas potências incluem modalidades imperiais apenas embrionárias ou limitadas e desenvolvem ações primordialmente defensivas. A crise do sistema imperial é o dado central de um período marcado pela recorrente incapacidade norte-americana para recuperar sua decadente primazia.
Sobre o autor
Economista, pesquisador do CONICET, professor da Universidade de Buenos Aires e membro do EDI (Economistas de Esquerda). Seu site é www.lahaine.org/katz.
Sobre o autor
Economista, pesquisador do CONICET, professor da Universidade de Buenos Aires e membro do EDI (Economistas de Esquerda). Seu site é www.lahaine.org/katz.
Nenhum comentário:
Postar um comentário