Nelson Barbosa
Fábrica de automóveis em Fremont, nos Estados Unidos - Carlos Barria- 19.jul.2022/Reuters |
Nesta semana, a economia dos Estados Unidos nos deu uma boa e uma má notícia. Seguindo a tradição de começar pela má notícia, a economia norte-americana entrou em recessão técnica, isto é, dois trimestres de queda do PIB.
O resultado contrariou as expectativas do governo e do mercado, que esperavam crescimento ligeiramente positivo no segundo trimestre. Houve queda de 1% anual (0,25% trimestral). Como no primeiro trimestre de 2022 também houve queda, está configurada uma recessão técnica.
Quais foram os fatores determinantes? Do lado fiscal, houve o fim dos estímulos adotados para combater a pandemia, puxando a economia para baixo.
Segundo a estimativa de impulso fiscal do Hutchins Center (HC) da Brookings Institution, disponível online, a política fiscal dos EUA se tornou contracionista no final de 2021 e o grau máximo de arrocho aconteceu exatamente no segundo trimestre de 2022 (o "fiscal cliff", como eles gostam de dizer).
Também segundo o HC, a política fiscal de lá deve continuar contracionista até o fim de 2023, mas isso pode mudar devido a um acordo de Biden, como explicarei mais abaixo.
Do lado monetário, o aumento da inflação, puxado pela forte recuperação dos EUA em 2021 e pelos choques adversos de oferta dos últimos meses, está corroendo o poder de compra e a confiança das famílias norte-americanas. O recente aumento de juro pelo Federal Reserve (Fed ou o BC de lá) também tem impacto recessivo, mas seu efeito ainda não se materializou totalmente.
Olhando para a frente, mesmo com recessão técnica, a expectativa do mercado, do FMI e de outras fontes especializadas é que os EUA voltarão a crescer lentamente no segundo semestre e terminarão 2022 com uma expansão entre 1% e 2%, devido à inércia da recuperação em "V" ocorrida em 2021 (o que nós, economistas, chamamos de carregamento estatístico ou carry-over).
E qual é a boa notícia? Na verdade, são duas. Primeiro, o aumento adicional do juro norte-americano deve ser menor do que o esperado.
Nesta semana, houve aumento de 0,75 ponto percentual na Fed Funds (a Selic deles), colocando o teto de juro norte-americano em 2,5% ao ano. Para outubro, o Fed disse que haverá outro aumento, para 3%, e as expectativas eram que isso iria continuar, até que a Fed Funds superasse 4%.
Agora, diante da desaceleração da atividade econômica dos EUA, é mais provável que a Fed Funds pare entre 3% e 3,5%, o que implica uma menor pressão pela depreciação do real e diminui a necessidade de elevação da Selic por aqui.
A segunda boa notícia dos EUA ainda é incerta, mas, como sou otimista, vou acreditar que finalmente o senador Joe Manchin decidiu apoiar o governo do partido dele e aprovar o pedido de aumento de investimento feito por Biden antes que os republicanos retomem o controle do Congresso norte-americano.
Especificamente, nesta semana a base democrata no Senado dos EUA disse que aprovará um estímulo fiscal adicional de US$ 430 bilhões em investimento em saúde, energia e ambiente, juntamente com revisão de desonerações tributárias e maior combate à sonegação de impostos.
Pelas contas dos democratas, a medida reduzirá o déficit público dos EUA a longo prazo, mas com estímulo ao investimento verde e aumento da produtividade. Por esse motivo, a nova iniciativa de Biden também ajuda no combate à inflação mais à frente e revela o pragmatismo norte-americano: combinar ações de curto prazo (política monetária) com ações de longo prazo (plano de investimento e reequilíbrio fiscal gradual) no combate à inflação.
Colaborador
Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research.
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