André Singer
Professor titular do Departamento de Ciência Política da USP e autor, entre outros livros, de "Os Sentidos do Lulismo" e "O Lulismo em Crise"
Fernando Rugitsky
Professor do Departamento de Economia da USP e da Universidade do Oeste da Inglaterra, em Bristol
Fernando Rugitsky
Professor do Departamento de Economia da USP e da Universidade do Oeste da Inglaterra, em Bristol
[RESUMO] André Singer e Fernando Rugitsky respondem a críticas feitas pelo colunista da Folha Samuel Pessôa a artigo que publicaram na Ilustríssima e reafirmam a tese de que aumentar o gasto público é fundamental para alavancar a economia e proteger a democracia de ameaças autoritárias.
*
Em recente coluna nesta Folha, o economista Samuel Pessôa contesta raciocínios e informações usados por nós em artigo publicado na Ilustríssima sobre a revogação do teto de gastos. Para além de eventuais divergências de fundo, cabe esclarecer as objeções pontuais do colunista, de modo que os termos do debate fiquem equilibrados perante a opinião pública. Como é sabido, o diabo mora nos detalhes.
Em recente coluna nesta Folha, o economista Samuel Pessôa contesta raciocínios e informações usados por nós em artigo publicado na Ilustríssima sobre a revogação do teto de gastos. Para além de eventuais divergências de fundo, cabe esclarecer as objeções pontuais do colunista, de modo que os termos do debate fiquem equilibrados perante a opinião pública. Como é sabido, o diabo mora nos detalhes.
O primeiro reparo de Pessôa diz respeito aos Estados Unidos. Segundo o colunista, "os números do mercado de trabalho americano" não sustentam a interpretação que adotamos, segundo a qual o bloqueio ao programa American Families Plan, proposto por Joe Biden em 2021, contribui para a sobrevivência do trumpismo. A geração de emprego tem ido bem e a renda começa a se recuperar, diz ele. O verdadeiro risco para os democratas na eleição de meio de mandato seria a inflação, conclui.
A visão de Pessôa é parcial. A fragilidade do Partido Democrata nas eleições deste ano deve ser explicada à luz das condições de vida deterioradas de boa parte da população, não apenas por baixos salários, como também pelas mazelas do sistema de saúde, endividamento e precariedade dos postos de trabalho.
A atual escalada inflacionária —que, diga-se de passagem, tem origem na pandemia e na Guerra da Ucrânia— sem dúvida derruba ainda mais a popularidade do presidente. Todavia, não atua no vácuo, e o artigo que assinamos visava destacar tal pano de fundo, que levou Biden a propor, assim que assumiu, um vasto projeto de gastos públicos, que incluía o plano familiar barrado no Congresso.
A inflação, corretamente apontada por Pessôa como relevante fator eleitoral, reforça, aliás, a importância do American Families Plan, o qual poderia atenuar efeitos da alta dos preços sobre grupos vulneráveis.
Diante de um mercado de trabalho em que os proventos, em termos reais, estão caindo, medidas na direção do Welfare State ajudariam a atravessar a onda inflacionária. Por isso, o senador Bernie Sanders tem defendido que o partido reapresente no Congresso as propostas bloqueadas. "Está na hora de mostrar de que lado estamos", escreveu no jornal britânico The Guardian.
No que se refere ao Brasil, Pessôa afirma que "não é verdade" haver um estudo, conforme dissemos, da Instituição Fiscal Independente (IFI) mostrando "que o gasto público teria estimulado o crescimento entre 2006 e 2014".
Aqui, a redação do colunista induz a um erro quase ofensivo, pois o próprio Pessôa admite, na frase seguinte, a existência de um estudo que estima impulso fiscal positivo no período 2003-2014 (intervalo usado em nosso artigo). Para comprová-lo, basta consultar o Estudo Especial número 17 do IFI, publicado em 22 de dezembro de 2021, verificando o gráfico B1 da página 19.
Neste ponto seremos obrigados, pela opção de Pessôa e a exiguidade de espaço, a usar certo jargão econômico que pode parecer pouco claro ao leitor não especializado. Em dois parágrafos elípticos, o colunista expressa uma interpretação questionável do significado do impulso fiscal naquele período.
Os números por ele empilhados de forma apressada indicariam que, ao fazer a economia brasileira operar acima de sua capacidade, os gastos do governo teriam produzido um crescimento artificial (e inflacionário), que viria a ser revertido, portanto anulado.
Ocorre que a identificação da capacidade de crescimento de uma economia ou, para usar o termo técnico, de seu produto potencial, é sabidamente controversa. Mais: no caso concreto, os dados do mercado de trabalho não sustentam a ideia de que a economia estivesse com "pleno emprego", especialmente no início do período mencionado pelo articulista.
Em que pesem as confusões geradas pela coluna, ficamos felizes ao perceber no final da mesma que Pessôa se coloca como aliado para tornar o sistema tributário mais progressivo e, mediante tal mudança, revogar o teto de gastos. Persistir apostando na austeridade já se provou economicamente contraproducente e politicamente ameaçador para a própria democracia.
A atual escalada inflacionária —que, diga-se de passagem, tem origem na pandemia e na Guerra da Ucrânia— sem dúvida derruba ainda mais a popularidade do presidente. Todavia, não atua no vácuo, e o artigo que assinamos visava destacar tal pano de fundo, que levou Biden a propor, assim que assumiu, um vasto projeto de gastos públicos, que incluía o plano familiar barrado no Congresso.
A inflação, corretamente apontada por Pessôa como relevante fator eleitoral, reforça, aliás, a importância do American Families Plan, o qual poderia atenuar efeitos da alta dos preços sobre grupos vulneráveis.
Diante de um mercado de trabalho em que os proventos, em termos reais, estão caindo, medidas na direção do Welfare State ajudariam a atravessar a onda inflacionária. Por isso, o senador Bernie Sanders tem defendido que o partido reapresente no Congresso as propostas bloqueadas. "Está na hora de mostrar de que lado estamos", escreveu no jornal britânico The Guardian.
No que se refere ao Brasil, Pessôa afirma que "não é verdade" haver um estudo, conforme dissemos, da Instituição Fiscal Independente (IFI) mostrando "que o gasto público teria estimulado o crescimento entre 2006 e 2014".
Aqui, a redação do colunista induz a um erro quase ofensivo, pois o próprio Pessôa admite, na frase seguinte, a existência de um estudo que estima impulso fiscal positivo no período 2003-2014 (intervalo usado em nosso artigo). Para comprová-lo, basta consultar o Estudo Especial número 17 do IFI, publicado em 22 de dezembro de 2021, verificando o gráfico B1 da página 19.
Neste ponto seremos obrigados, pela opção de Pessôa e a exiguidade de espaço, a usar certo jargão econômico que pode parecer pouco claro ao leitor não especializado. Em dois parágrafos elípticos, o colunista expressa uma interpretação questionável do significado do impulso fiscal naquele período.
Os números por ele empilhados de forma apressada indicariam que, ao fazer a economia brasileira operar acima de sua capacidade, os gastos do governo teriam produzido um crescimento artificial (e inflacionário), que viria a ser revertido, portanto anulado.
Ocorre que a identificação da capacidade de crescimento de uma economia ou, para usar o termo técnico, de seu produto potencial, é sabidamente controversa. Mais: no caso concreto, os dados do mercado de trabalho não sustentam a ideia de que a economia estivesse com "pleno emprego", especialmente no início do período mencionado pelo articulista.
Em que pesem as confusões geradas pela coluna, ficamos felizes ao perceber no final da mesma que Pessôa se coloca como aliado para tornar o sistema tributário mais progressivo e, mediante tal mudança, revogar o teto de gastos. Persistir apostando na austeridade já se provou economicamente contraproducente e politicamente ameaçador para a própria democracia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário