O apelo ao entendimento está materializado, hoje, na candidatura Lula-Alckmin
Marco Aurélio de Carvalho
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) Foto: Ricardo Stuckert/Divulgação |
Uma das perguntas mais recorrentes de jornalistas para Nelson Mandela era se ele sentia rancor depois de 27 anos preso, encarcerado por um regime que perseguia e assassinava o seu povo.
O ódio turva a mente. Os líderes não podem se dar ao luxo de odiar, ensinava Mandela , conforme mencionado em um perfil do El País, publicado logo após a morte do político sul-africano. De fato, ao ser eleito presidente, Mandela formou um governo de amplo espectro, inclusive com atores políticos do antigo regime opressor. Atuava com grande desenvoltura nas articulações e mostrava, habilmente, ser capaz de fazer concessões, sem apegos dogmáticos e, ao mesmo tempo, sem ceder aos seus princípios. Como estadista, abraçou a pacificação do país como objetivo estratégico, estimulando a inclusão da maioria negra e cultivando o sentimento de pertencimento, inclusive via esporte, como narra o filme Invictus (2009).
O apelo ao entendimento – tão frequente na política – está materializado, hoje, na candidatura Lula–Alckmin. A perspectiva alvissareira de vitória da chapa nas eleições presidenciais torna o convite um ponto de inflexão para atores sociais relevantes em nossa vida institucional.
Dois partidos políticos tradicionais e um grupo social bem organizado – a elite do empresariado brasileiro – têm nas mãos, hoje, a chance da transformação. Entrar na história, triunfante, pela porta da frente, é destino de quem consegue “dar a volta por cima” e compreende de que lado da história deve ficar.
O PMDB, por exemplo, que desafortunadamente abraçou o golpe jurídico-parlamentar em 2016, pode começar a se reconciliar com o partido da transição democrática dos anos 80. Vale recordar que antes do fim do bipartidarismo, em 1979, o PMDB abrigou diversos quadros políticos que vieram do exílio. Alguns, inclusive, contribuíram para a formulação do programa do partido, como o ex-presidente da União Nacional dos Estudantes, José Serra, ligado ao grupo católico conhecido como Ação Popular (AP), e Fernando Henrique Cardoso.
O PSDB, outro partido igualmente relevante na história recente do país, tem nas mãos a chave da reparação. A própria figura de um ex-integrante orgânico do ninho tucano, hoje ao lado de Lula, sinaliza a urgência de escolhas e o grau de responsabilidade que recai nesta conjuntura delicada para a democracia e para a estabilidade econômica. Alckmin, Franco Montoro, José Serra, Bresser Pereira, Fernando Henrique Cardoso, Mário Covas e outros dissidentes do MDB fundaram o Partido da Social Democracia Brasileira em 1988. Escolhido vice por Mário Covas na disputa pelo Palácio dos Bandeirantes, em 1994, Alckmin foi o político que por mais tempo (12 anos) comandou o estado de São Paulo desde a redemocratização do Brasil. Hoje, no PSB, Geraldo Alckmin, na comparação com o futebol, surge como um dos craques talentosos de um time rival que acaba sendo contratado pelo principal adversário. Não é à toa. Longa experiência política e 12 anos no comando do estado de maior relevância econômica no país, conferem robustez a qualquer equipe.
O PSDB, portanto, está convidado para um ato de ressignificação que pode virar as tristes páginas inauguradas em 2014 (quando questionou até mesmo as urnas eletrônicas) e resgatar as bandeiras dos tempos primórdios, nada mais, nada menos, do que a intransigente defesa da democracia e a busca por um estado de bem-estar social. Pode, também, se afastar em definitivo do governo que ajudou a eleger e que deixou no país um rastro triste de destruição e de miséria .
Quanto ao empresariado nacional, a elite recebe o mesmo apelo de reparação. Até porque – dos bancos às grandes corporações industriais, do comércio ao agronegócio – todos os setores empresariais usufruíram anos de prosperidade nos governos Lula e Dilma, além de canais permanentes de diálogo. Breve registro histórico: naquele período, o Brasil alcançou o posto de sexta maior economia do mundo; atualmente, encontra-se na 12ª colocação no ranking.
Chegou a hora do empresariado romper o silêncio ensurdecedor. Chegou a hora de apostarem no valor do trabalho, na economia sustentável, inovadora e inclusiva. O caminho já foi apontado por Ricardo Semler, ex-vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, em artigo recente na Folha de S. Paulo (12/03/2022) intitulado “Às armas, companheiros”: é hora dos empresários se unirem para evitar o pior. No texto, o empresário defende o voto em Lula e alerta para o risco de o Brasil virar “pária internacional”, caso o atual presidente permaneça no Palácio do Planalto.
Ao lado do setor produtivo nacional, PMDB e PSDB podem dar uma resposta de grandeza e amor ao Brasil – resposta que não admite, no vocabulário, a palavra omissão. É hora de reparação da ordem institucional-democrática. Abraçar a candidatura de Lula, no primeiro turno, afastará turbulências já previstas no segundo momento. Ser protagonista em um arco social amplo e participar de uma coalizão progressista, é a escolha que permitirá ao PMDB e ao PSDB se reconciliarem com sua antiga essência democrática.
Do mesmo modo, para a elite econômica, é hora de atuar na reparação. Os anos recentes foram de danos à democracia, ao desenvolvimento econômico e às instituições republicanas. A normalidade econômica e social foi afetada.
Aliás, a escolha não é tão difícil.
Nunca foi.
O oponente é conhecido, no meio de onde surgiu, como um “mau soldado”, segundo definição de um superior hierárquico, o general Ernesto Geisel. O oponente mostrou ao Brasil – e ao mundo – um modelo de governança autoritária, onde prevalecem o desprezo pela vida e a implacável vontade de reduzir direitos sociais, de afrontar minorias e de gerar ainda mais pobreza. Como se vê, a opção em Lula é ainda mais fácil.
Obs: Shakespeare escreveu “Júlio César” e conta que, ao se deparar com o autoritarismo do imperador César, o senador Marcus Junius Brutus não se omitiu. Diante da fragilidade da República Romana, refere-se ao ditador César como o “ovo de serpente” que, por sua natureza, se tornará nocivo. “Assim, matemo-lo, enquanto está na casca”, aconselhava.
Sem a brutalidade do senador romano, as atitudes de desprendimento do PMDB e do PSDB – aliadas aos gestos de responsabilidade social das “elites” – podem antecipar, no primeiro turno, um novo e auspicioso ciclo para o país. Contando com sistemas eletrônicos e urnas confiáveis e seguras, os brasileiros abreviarão os dias difíceis a que estão submetidos e votarão em Lula como opção de esperança e de anseio por um país mais justo, mais diverso e mais inclusivo.
Ninguém pode mais pecar pela omissão. Chegou a hora de decisões cruciais para as futuras gerações.
Recordando um dos sermões do padre Antônio Vieira, o convite é incisivo: “um dia vão nos pedir estreita conta do que fizemos, mas muito mais ainda do que deixamos de fazer”. Em outras palavras, a omissão pode acarretar um castigo muito mais severo.
Chegou a hora, já no primeiro turno das eleições de outubro, de antecipar escolhas e de afastar o risco da opressão e dos descaminhos – econômicos e sociais – cujos estilhaços já estão por toda parte.
É hora de reconstruir e de unir.
O ódio turva a mente. Os líderes não podem se dar ao luxo de odiar, ensinava Mandela , conforme mencionado em um perfil do El País, publicado logo após a morte do político sul-africano. De fato, ao ser eleito presidente, Mandela formou um governo de amplo espectro, inclusive com atores políticos do antigo regime opressor. Atuava com grande desenvoltura nas articulações e mostrava, habilmente, ser capaz de fazer concessões, sem apegos dogmáticos e, ao mesmo tempo, sem ceder aos seus princípios. Como estadista, abraçou a pacificação do país como objetivo estratégico, estimulando a inclusão da maioria negra e cultivando o sentimento de pertencimento, inclusive via esporte, como narra o filme Invictus (2009).
O apelo ao entendimento – tão frequente na política – está materializado, hoje, na candidatura Lula–Alckmin. A perspectiva alvissareira de vitória da chapa nas eleições presidenciais torna o convite um ponto de inflexão para atores sociais relevantes em nossa vida institucional.
Dois partidos políticos tradicionais e um grupo social bem organizado – a elite do empresariado brasileiro – têm nas mãos, hoje, a chance da transformação. Entrar na história, triunfante, pela porta da frente, é destino de quem consegue “dar a volta por cima” e compreende de que lado da história deve ficar.
O PMDB, por exemplo, que desafortunadamente abraçou o golpe jurídico-parlamentar em 2016, pode começar a se reconciliar com o partido da transição democrática dos anos 80. Vale recordar que antes do fim do bipartidarismo, em 1979, o PMDB abrigou diversos quadros políticos que vieram do exílio. Alguns, inclusive, contribuíram para a formulação do programa do partido, como o ex-presidente da União Nacional dos Estudantes, José Serra, ligado ao grupo católico conhecido como Ação Popular (AP), e Fernando Henrique Cardoso.
O PSDB, outro partido igualmente relevante na história recente do país, tem nas mãos a chave da reparação. A própria figura de um ex-integrante orgânico do ninho tucano, hoje ao lado de Lula, sinaliza a urgência de escolhas e o grau de responsabilidade que recai nesta conjuntura delicada para a democracia e para a estabilidade econômica. Alckmin, Franco Montoro, José Serra, Bresser Pereira, Fernando Henrique Cardoso, Mário Covas e outros dissidentes do MDB fundaram o Partido da Social Democracia Brasileira em 1988. Escolhido vice por Mário Covas na disputa pelo Palácio dos Bandeirantes, em 1994, Alckmin foi o político que por mais tempo (12 anos) comandou o estado de São Paulo desde a redemocratização do Brasil. Hoje, no PSB, Geraldo Alckmin, na comparação com o futebol, surge como um dos craques talentosos de um time rival que acaba sendo contratado pelo principal adversário. Não é à toa. Longa experiência política e 12 anos no comando do estado de maior relevância econômica no país, conferem robustez a qualquer equipe.
O PSDB, portanto, está convidado para um ato de ressignificação que pode virar as tristes páginas inauguradas em 2014 (quando questionou até mesmo as urnas eletrônicas) e resgatar as bandeiras dos tempos primórdios, nada mais, nada menos, do que a intransigente defesa da democracia e a busca por um estado de bem-estar social. Pode, também, se afastar em definitivo do governo que ajudou a eleger e que deixou no país um rastro triste de destruição e de miséria .
Quanto ao empresariado nacional, a elite recebe o mesmo apelo de reparação. Até porque – dos bancos às grandes corporações industriais, do comércio ao agronegócio – todos os setores empresariais usufruíram anos de prosperidade nos governos Lula e Dilma, além de canais permanentes de diálogo. Breve registro histórico: naquele período, o Brasil alcançou o posto de sexta maior economia do mundo; atualmente, encontra-se na 12ª colocação no ranking.
Chegou a hora do empresariado romper o silêncio ensurdecedor. Chegou a hora de apostarem no valor do trabalho, na economia sustentável, inovadora e inclusiva. O caminho já foi apontado por Ricardo Semler, ex-vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, em artigo recente na Folha de S. Paulo (12/03/2022) intitulado “Às armas, companheiros”: é hora dos empresários se unirem para evitar o pior. No texto, o empresário defende o voto em Lula e alerta para o risco de o Brasil virar “pária internacional”, caso o atual presidente permaneça no Palácio do Planalto.
Ao lado do setor produtivo nacional, PMDB e PSDB podem dar uma resposta de grandeza e amor ao Brasil – resposta que não admite, no vocabulário, a palavra omissão. É hora de reparação da ordem institucional-democrática. Abraçar a candidatura de Lula, no primeiro turno, afastará turbulências já previstas no segundo momento. Ser protagonista em um arco social amplo e participar de uma coalizão progressista, é a escolha que permitirá ao PMDB e ao PSDB se reconciliarem com sua antiga essência democrática.
Do mesmo modo, para a elite econômica, é hora de atuar na reparação. Os anos recentes foram de danos à democracia, ao desenvolvimento econômico e às instituições republicanas. A normalidade econômica e social foi afetada.
Aliás, a escolha não é tão difícil.
Nunca foi.
O oponente é conhecido, no meio de onde surgiu, como um “mau soldado”, segundo definição de um superior hierárquico, o general Ernesto Geisel. O oponente mostrou ao Brasil – e ao mundo – um modelo de governança autoritária, onde prevalecem o desprezo pela vida e a implacável vontade de reduzir direitos sociais, de afrontar minorias e de gerar ainda mais pobreza. Como se vê, a opção em Lula é ainda mais fácil.
Obs: Shakespeare escreveu “Júlio César” e conta que, ao se deparar com o autoritarismo do imperador César, o senador Marcus Junius Brutus não se omitiu. Diante da fragilidade da República Romana, refere-se ao ditador César como o “ovo de serpente” que, por sua natureza, se tornará nocivo. “Assim, matemo-lo, enquanto está na casca”, aconselhava.
Sem a brutalidade do senador romano, as atitudes de desprendimento do PMDB e do PSDB – aliadas aos gestos de responsabilidade social das “elites” – podem antecipar, no primeiro turno, um novo e auspicioso ciclo para o país. Contando com sistemas eletrônicos e urnas confiáveis e seguras, os brasileiros abreviarão os dias difíceis a que estão submetidos e votarão em Lula como opção de esperança e de anseio por um país mais justo, mais diverso e mais inclusivo.
Ninguém pode mais pecar pela omissão. Chegou a hora de decisões cruciais para as futuras gerações.
Recordando um dos sermões do padre Antônio Vieira, o convite é incisivo: “um dia vão nos pedir estreita conta do que fizemos, mas muito mais ainda do que deixamos de fazer”. Em outras palavras, a omissão pode acarretar um castigo muito mais severo.
Chegou a hora, já no primeiro turno das eleições de outubro, de antecipar escolhas e de afastar o risco da opressão e dos descaminhos – econômicos e sociais – cujos estilhaços já estão por toda parte.
É hora de reconstruir e de unir.
Marco Aurélio de Carvalho é sócio-fundador da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia e do Grupo Prerrogativas.
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