8 de junho de 2022

A quem interessa não tributar dividendos?

Discussão não pode ser ignorada num país com extrema desigualdade social

Manoel Pires
Coordenador do Observatório de Política Fiscal do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas) e pesquisador da UnB (Universidade de Brasília)

Rodrigo Orair
Pesquisador do Made/USP (Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades/Universidade de São Paulo)

Sérgio Wulff Gobetti
Pesquisador e doutor em economia pela UnB


Em recente artigo nesta Folha ("Tributação de dividendos é má ideia", 31/5), três ex-secretários da Receita Federal criticam o fim da isenção do Imposto de Renda sobre dividendos, lançando no ar uma pergunta: "Enfim, a quem interessa essa má ideia?"

Além de provocativo, o texto chama a atenção por não fazer qualquer menção à relação entre tributação e distribuição de renda. Como se essa discussão no Brasil, um país de extrema desigualdade, pudesse passar alheia ao movimento mundial de resgate da progressividade tributária, princípio segundo o qual a renda dos ricos deve ser mais tributada que a dos pobres. Esse movimento ganhou ainda mais vigor desde a Covid-19, quando mais países passaram a adotar ações para eliminar as distorções criadas por benefícios tributários e brechas que permitem aos muito ricos escaparem do pagamento de imposto.

Partindo do pressuposto de que o resgate da progressividade (e equidade) é central, faz mais sentido refazer a pergunta inicial: a quem interessa não tributar os dividendos?


Em 2015, após duas décadas de apagão estatístico, a Receita Federal voltou a divulgar dados detalhados do Imposto de Renda. Os dados são reveladores. Os rendimentos isentos, principalmente os dividendos, são tão concentrados no topo da pirâmide social que chegam a representar quase dois terços do que ganha o 0,1% mais rico. No ano de 2019, por exemplo, um brasileiro auferiu a renda de R$ 1,4 bilhão, dos quais R$ 1,3 bilhão em dividendos livres de imposto.

Pode-se argumentar que a conta deve considerar o imposto já pago sobre o lucro da empresa. Mas é preciso cuidado para não confundir as alíquotas nominais do imposto com suas alíquotas efetivas. No papel, a alíquota de até 34% do IRPJ/CSLL está entre as mais altas do mundo, mas na prática a alíquota média se situa próxima de 23% devido a benefícios fiscais e brechas para planejamento tributário.

As evidências internacionais também mostram que, quando a tributação incide sobre lucros da empresa, há mais chance de ser repassada para consumidores ou trabalhadores, via aumento de preços ou redução de salários. Quando a tributação se dá diretamente sobre dividendos, ao contrário, há mais chance de sair do bolso do acionista. Não se deve confundir incidência jurídica com econômica. Tudo indica que a carga efetiva sobre lucros fique, em média, abaixo dos 23% no Brasil porque é mais fácil para a empresa repassar o imposto para terceiros.

Outra descoberta das pesquisas recentes é que, ao contrário do que os ex-secretários supõem, a retenção de lucros pelas empresas —induzida pela tributação dos dividendos— aumenta a poupança das mesmas e tende a gerar mais investimento e crescimento econômico do que no modelo com isenção.

Por fim, existe um imperativo colocado pela concorrência internacional que tem estimulado os países a aumentar a tributação sobre a pessoa dos acionistas como forma de compensar a redução parcial do imposto sobre o lucro das empresas transnacionais e, assim, evitar o seu deslocamento para paraísos fiscais.

Logo, por diversas razões, vemos a retomada da tributação dos dividendos e a simultânea redução do IRPJ/CSLL como uma boa ideia. A má ideia é insistir na aprovação do projeto de lei 2.337, que passou pela Câmara e está no Senado. Embora preveja a volta da tributação dos dividendos, ele cria exceções que podem agravar as distorções atuais. Como no caso da previsão de que sócios de empresas com faturamento até R$ 4,8 milhões anuais continuem livres de imposto sobre dividendos e ainda se beneficiem de um IRPJ/CSLL menor.

Hoje, um economista, médico ou advogado de alta renda que crie uma empresa paga entre 6% e 17% de imposto. Se estivesse prestando serviço como empregado estaria submetido a 27,5% do IRPF mais contribuição previdenciária. Com a aprovação do PL 2.337, essa diferença pode aumentar em vez de reduzir, tornando nosso sistema ainda mais injusto, por tratar os semelhantes de forma desigual.

Portanto, o melhor debate não é sobre se devemos ou não tributar dividendos, mas sobre como fazê-lo.

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