Andre Pagliarini
Jacobin
Presidente brasileiro Jair Bolsonaro na Casa Branca em Washington, DC, 2019. (Chris Kleponis / Polaris via Getty Images) |
Tradução / Quando Dom Phillips e Bruno Pereira desapareceram em uma área remota da floresta amazônica no início deste mês, houve preocupações imediatas de que algo sinistro havia acontecido.
Phillips, um jornalista britânico de 57 anos, era um escritor freelance experiente que frequentemente escrevia sobre o Brasil para o The Guardian, Washington Post, entre outros. Ele estava preparando um livro sobre os esforços de conservação na Amazônia, um lugar que havia coberto extensivamente ao longo dos anos. Seu companheiro de viagem estava ainda mais familiarizado com a região. Funcionário de longa data da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), a entidade governamental encarregada de supervisionar as relações entre o Estado brasileiro e os povos indígenas, Pereira era um defensor obstinado dos interesses dos nativos nas profundezas da floresta tropical.
Na quarta-feira, as autoridades anunciaram que um suspeito sob custódia, um pescador local, confessou ter assassinado Phillips e Pereira e enterrado seus corpos na selva. O suspeito levou as autoridades até os restos dos dois homens. Assim, uma intensa busca envolvendo forças armadas e brigadas locais de voluntários indígenas confirmou os piores temores de todos que estavam preocupados com a segurança de Phillips e Pereira.
Chico Mendes e Dorothy Stang
O assassinato de Dom Phillips e Bruno Pereira faz parte de uma longa história de violência contra aqueles que se opõem à exploração voraz da Amazônia. As vítimas mais destacadas nesse sentido são Chico Mendes e Dorothy Stang.
Chico foi morto em 1988 por um único disparo de espingarda em frente de sua humilde casa em uma cidade remota da Amazônia, três dias antes do natal. Membro comprometido do Partido dos Trabalhadores (PT) em seus anos iniciais mais militantes, Chico alcançou destaque internacional liderando esforços de sindicalização entre seringueiros e castanheiros. Ele defendeu vigorosamente os direitos dos moradores comuns de ganhar a vida para si e suas famílias em face dos esforços contínuos dos grandes pecuaristas de transformar a floresta em vastas pastagens, um processo que vem ocorrendo com mais ou menos intensidade desde então.
O legado de Chico Mendes está enraizado na organização coletiva dos trabalhadores distantes dos centros de poder nacionais do Brasil. Como James Brooke escreveu no New York Times em 1990, quando "130 fazendeiros expulsaram cerca de 100.000 seringueiros da floresta, Chico reagiu, reunindo famílias para ficarem na frente de motosserras e tratores. Com sua morte, Chico Mendes, um eco-mártir internacional, tornou-se o catalisador para popularizar o conceito de que a riqueza da Amazônia reside em sua profusão de vida vegetal e animal, não em seu solo fino e arenoso".
O fato de Chico já ser bem conhecido antes de sua morte fez com que seu assassinato atraísse significativa atenção internacional (houve até um filme sobre sua vida estrelado por Raul Julia). Mas forças poderosas que buscam lucrar com a Amazônia mataram um número incontável de brasileiros cujos nomes nunca chegaram às manchetes internacionais.
Dorothy Stang, uma freira de Dayton, Ohio, tinha 73 anos quando foi baleada seis vezes em 2005 no Estado do Pará. Dorothy trabalhou em estreita colaboração com a Comissão Pastoral da Terra (CPT), uma entidade fundada pelo clero católico brasileiro em 1975 – o auge de uma ditadura militar brutal – para defender os trabalhadores, principalmente na Amazônia, onde trabalhavam em condições análogas à escravidão.
Quando dois homens se aproximaram dela em uma reunião de agricultores em fevereiro de 2005, de acordo com uma testemunha, Dorothy leu para eles algumas escrituras bíblicas. “Quando perguntada se estava armada”, relatou à Folha de São Paulo, “ela mostrou a Bíblia e disse que era sua ‘única arma’.” Pouco depois, um dos homens deu um passo para trás e abriu fogo.
O papel de Bolsonaro
As trágicas mortes de Dom e Bruno, portanto, não são inéditas em termos históricos. Mas é impossível considerar seus assassinatos fora do contexto da presidência calamitosa de Jair Bolsonaro. Desde os primeiros relatos de que Dom e Bruno haviam desaparecido, Bolsonaro expressou suas devidas lamentações embutidas em uma condenação da suposta imprudência dos dois. “Realmente duas pessoas apenas num barco, numa região daquela, completamente selvagem, é uma aventura que não é recomendável que se faça. Tudo pode acontecer,” disse ele em entrevista coletiva na semana passada.
Os comentários casuais de Bolsonaro provocaram respostas indignadas de observadores. Pedro Vaca, Relator Especial para a Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, afirmou: “Dom Phillips e Bruno Pereira não são culpados pela violência que sofreram em seu trabalho jornalístico e de direitos humanos. A responsabilidade pelos esforços do Estado sobre o assunto deve ser respeitosa e evitar a revitimização”. Por sua parte, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABJI) convocou uma reunião de emergência com o presidente para discutir os esforços de resgate sendo que o governo federal não parecia estar tratando do tema com a devida atenção.
E com razão. O governo visivelmente atrasou esforços para encontrar os dois homens, que desapareceram em uma região onde a vida e a morte podem estar em jogo depois de poucas horas. Depois que a Polícia Federal (PF) confirmou estar ciente do desaparecimento de Dom e Bruno, o Exército divulgou uma declaração pública extremamente constrangedora afirmando que não participaria da busca até receber ordens para fazê-lo de Brasília.
Ainda não sabemos a razão dessas ordens não serem emitidas imediatamente. O quadro mais sombrio, no entanto, é que o atual governo é intensamente hostil àqueles que se colocam em risco para proteger o que resta da maior floresta tropical do mundo. Bolsonaro criticou implicitamente Dom Phillips, dizendo que suas reportagens sobre mineração ilegal e outras atividades ilícitas na Amazônia o tornaram uma figura indesejada na região. Buro Pereira já havia sido exonerado de seu cargo público pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro.
Justa ira
Nunca saberemos se Dom e Bruno poderiam ter evitado seus tristes fins, sobre os quais ainda não se sabe muito, com um governo diferente no poder. Mas é certo que suas mortes ocorreram sob o governo mais hostil em pelo menos 50 anos para aqueles que relatam e aqueles que resistem à degradação ambiental. E é certo que tais mortes continuarão se não forem contestadas.
Uma esquerda arejada que leva a sério a necessidade de uma nova agenda ambiental – uma que, por exemplo, descarbonize a Petrobras e reprima os maus atores em regiões remotas da Amazônia – deve aproveitar a justa ira despertada por esse doloroso acontecimento.
No dia seguinte à confirmação oficial das mortes de Dom Phillips e Bruno Pereira, David Biller, diretor de notícias do Brasil da Associated Press, compartilhou algumas das últimas mensagens que trocou com Dom. "Na verdade, não há muito da Amazônia intocada”, escreveu Dom. Ele acrescentou: “a Amazônia é muito menos protegida e intocada do que a maioria das pessoas pensa que é e muito mais ameaçada do que as pessoas imaginam".
Que o assassinato dele e de seu colega inspire a indignação necessária para evitar mais violência no futuro.
Colaborador
Andre Pagliarini é professor assistente de história no Hampden-Sydney College e membro do corpo docente do Washington Brazil Office.
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