3 de junho de 2022

Por que investir em educação não é suficiente para reduzir desigualdade

Políticas educacionais têm longo prazo de maturação; combater assimetrias de renda requer massificação do ensino superior

Marcelo Medeiros
Professor visitante na Universidade Columbia. Autor, entre outros livros, de "O que Faz os Ricos Ricos: o Outro Lado da Desigualdade Brasileira"


[RESUMO] Pesquisador afirma que a educação é insuficiente para reduzir a desigualdade a curto e médio prazo. Investimentos na área levam décadas para surtir efeitos expressivos na sociedade e, ainda assim, a igualdade de oportunidades depende sobretudo de uma expansão maciça do ensino superior, o que nenhum país no mundo conseguiu promover plenamente até hoje.

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Quase todo o mundo que quer reduzir desigualdades de renda aposta na educação. O caminho é o da igualdade de oportunidades, a partir da lógica de que a educação determina os rendimentos do trabalho.

Desse ponto de vista, uma queda na desigualdade educacional reduziria a desigualdade de renda —primeiro, diretamente, ao equalizar a produtividade dos trabalhadores; segundo, indiretamente, ao desvalorizar a educação à medida que ela se torne mais comum. Uma médica ganha mais que uma analfabeta, mas muitas médicas no país fazem o preço da medicina cair em geral.

Volta às aulas na escola estadual Professora Yolanda Bernardini Robert, na zona sul de São Paulo - Karime Xavier - 2.fev.22/Folhapress

Essa ideia se limita à renda do trabalho, deixa de lado a renda do capital, mas é bem-fundamentada. No abstrato, combater a desigualdade por essa lógica é politicamente fácil de aceitar: ela é compatível com ideais meritocráticos e transfere a maior parte do conflito distributivo para o futuro.

No entanto, os limites de aceitação aparecem quando os custos de equalização radical de oportunidades pela via educacional começam a ser computados, pois esses custos trazem o conflito distributivo para o presente: alguém vai ter que pagar a conta da educação, e essa conta vai ser cara.

A educação deve ser a principal aposta da sociedade para a redução das desigualdades em um prazo razoável de tempo? O que para alguns é uma resposta óbvia, para muitos é uma surpresa: não, não deve; educação é necessária, mas insuficiente.

Por trás dessa negativa estão duas questões fundamentais: quanto tempo leva para educar uma força de trabalho inteira e quanta educação é preciso para reduzir aceitavelmente a desigualdade. Por isso, a negativa precisa ser mais bem qualificada. A aposta na educação deve ser feita, mas terá efeitos lentos e apenas em casos de mudanças educacionais muito expressivas, além de que tudo depende de como será o trabalho no futuro distante.

Imagine que você vivesse na segunda metade da década de 1950. Era a época do Plano de Metas do presidente Juscelino Kubitschek. O Brasil tinha 54 milhões de habitantes e era um país muito rural. Metade da população era completamente analfabeta. Não chegava a 100 mil o número de alunos matriculados no ensino superior.

Não havia um volume aceitável de escolas, capacidade administrativa para gerir uma expansão, nem uma quantidade razoável de professores qualificados. Tampouco havia infraestrutura de comunicações, transporte e energia em volume suficiente para garantir grandes mudanças.

Quanto você apostaria na educação para reduzir a desigualdade nas duas décadas seguintes? O que você faria para essa massa imensa de população enquanto um novo sistema educacional não chegasse?

A inércia do passado é muito grande. Em 2010, ainda havia na força de trabalho pessoas que estudaram ou que deixaram de estudar nesse ambiente. Até 2040, uma massa de adultos será filha desses trabalhadores, carregando em sua história tudo o que isso significa para a mobilidade social. A baixa educação das famílias dificulta a educação de novas gerações.

Tenha isso em mente quando decidir o que precisa ser feito para reduzir a desigualdade nas próximas duas décadas e para imaginar o que fazer enquanto essas décadas não chegam.

De todos os fatores relacionados à capacidade de a educação reduzir desigualdades, o mais importante é o tempo. Nenhuma súplica corrompe o tempo. Se uma expansão educacional for de fato capaz de produzir efeitos relevantes sobre a desigualdade, o processo levará anos para começar e décadas para ser concluído. Várias décadas.

É possível melhorar radicalmente um sistema de ensino em um período relativamente curto, especialmente quando esse sistema é muito ruim. Todavia, isso não é simples, pois envolve alterar práticas administrativas e pedagógicas de um quadro de professores que já opera de uma forma específica e que não pode, e talvez não deva, ser substituído facilmente.

É difícil dizer quanto tempo seria necessário para uma melhora dessas, mas o Brasil deu um salto educacional muito grande entre as décadas de 1990 e 2010, e a experiência recente do Ceará sugere que é viável fazer uma mudança dessas em uma década ou pouco mais que isso.

Educação é um investimento de longo prazo de maturação. Leva mais de uma década para formar um jovem na escola e isso na ausência de evasão e repetência, duas coisas ainda muito comuns. Ou seja, na hipótese otimista de melhorar radicalmente toda a educação brasileira em uma década, levará outra década até que a primeira geração de alunos seja formada nesse sistema aperfeiçoado e entre no mercado de trabalho.

Essa geração, porém, será uma pequena minoria em uma força de trabalho de adultos pouco qualificados que não podem ser educados facilmente. Serão décadas até que as novas gerações qualificadas dominem o mercado de trabalho. Um trabalhador passa mais de dez anos na escola e mais de 40 na força de trabalho.

O estudo "Educação, desigualdade e redução da pobreza no Brasil" calcula que, se tivesse havido uma reforma educacional radical no país em 1994, ano do Plano Real, de tal modo que nenhuma criança saísse da escola com menos que o ensino médio, muito pouco teria mudado em 2010: a desigualdade de salários seria apenas 2% menor. Se essa mesma reforma tivesse ocorrido em 1988, ano da Constituição, a queda seria de 3%. Isso é muito pouco.

Voltando ainda mais no tempo: uma reforma educacional desse tipo implementada em 1974, ano final de um ciclo de elevado crescimento do PIB e da desigualdade, erroneamente chamado de milagre econômico, traria redução de desigualdade de 6%. Em 1956, ano do Plano de Metas, queda de 7%. Ou seja, mesmo que desde a década de 1950 houvesse um sistema educacional já melhor que o atual, que garantisse ensino médio para todas as pessoas, isso não bastaria para alcançar a meta "desigualdade 10% menor".

O problema não é só o tempo: é quanta educação é necessária. Sim, mais educação está correlacionada a salários mais altos, mas o que realmente faz diferença é educação superior.

Uma parte muito grande da diferença de salários está associada não ao fato de algumas pessoas terem ensino básico e outras, ensino médio, e sim ao fato de elas terem ou não ensino superior. Ou seja, ensino médio é pouco.

Combater a desigualdade pela via educacional vai exigir a massificação do ensino superior, inclusive com expansão também maciça dos cursos de elite. Melhorar a educação da força de trabalho brasileira de modo a que todos tenham ensino médio, pelo menos, é ótimo, e começar a fazer isso nas novas gerações já seria uma meta ambiciosa para a década de 2030, mas é pouco.

Garantir que todos os jovens do Brasil concluam, no mínimo, o nível superior em cursos com remuneração equivalente à dos diplomados em um dos cursos superiores mais comuns do Brasil, o de formação de professores, já é extremamente audacioso hoje. No entanto, o problema não desapareceria.

Para se ter uma ideia, se essa reforma radical tivesse sido implementada em 1994, a redução da desigualdade seria de apenas 4%; em 1988, 6%; em 1974, 11%; em 1956, 14%. Uma meta "desigualdade salarial 20% menor" não seria atingida nem mesmo se todos os trabalhadores tivessem o equivalente a um doutorado. Isso, vale lembrar, não leva em consideração desigualdades nas rendas de capital, que são muito maiores.

Até o momento, país nenhum no mundo conseguiu realmente expandir seu ensino superior ao ponto de igualar oportunidades. Essa massificação, nos dias atuais, irá custar muito caro. Por mais que o sistema de ensino superior tenha se tornado mais inclusivo nas últimas décadas, será preciso gastar muito mais em educação do que se gasta atualmente para garantir a expansão, e levará muitos anos para que os novos trabalhadores mais educados sejam maioria na população. Educação pode soar inicialmente como uma solução fácil e elegante, mas, quando se fazem as contas, a coisa muda de figura.

Ninguém sabe como será o futuro daqui a meio século. Talvez educação seja mais importante para evitar aumentos futuros da desigualdade decorrentes de novas exigências no mundo do trabalho que para efetivamente reduzir a desigualdade existente. De toda forma, sempre vale esse investimento. Parte do ensino é preparação para a vida profissional, mas o sistema educacional faz muito mais do que produzir trabalhadores.

Educação é um meio para o trabalho, mas também é um fim em si mesma. Pessoas devem ser educadas para que tomem decisões mais bem-informadas sobre suas vidas e as dos outros, para que tenham mais opções de lazer e cultura, para que entendam melhor como o mundo funciona e possam agir sobre ele e para que ajudem a formar as gerações futuras, apenas para citar alguns exemplos.

Há muitas limitações para o efeito que a educação pode ter como mecanismo de redução da desigualdade. Educação no ensino médio nunca foi tão necessária, mas também nunca foi tão insuficiente.

É necessária porque o ensino médio é pré-requisito para a educação superior. É insuficiente porque, para reduzir substantivamente a desigualdade pela via educacional, precisamos expandir expressivamente a cobertura educacional universitária, inclusive nos cursos de elite.

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