16 de junho de 2022

O maldito juro contra o dragão da inflação

Biden arriscou "errar para mais", para sair da crise, mesmo sob risco de aumento de inflação

Nelson Barbosa


Federal Reserve, em Washington - Joshua Roberts - 26.jan.2022/Reuters

Há quase um mês, escrevi neste espaço que, ainda em 2022, a Selic subiria para mais de 13,25% e a "Fed Funds" (a Selic dos EUA) para mais de 3%. Os eventos desta semana confirmaram minhas expectativas, mas por restrição de espaço falarei apenas dos EUA nesta coluna.

O Fed (Federal Reserve) aumentou seu juro básico em 0,75 ponto percentual, dando uma guinada no seu discurso anterior. A Fed Funds foi para o intervalo de 1,5 a 1,75%, pois o Fed trabalha com banda de juro em vez de um valor fixo.

Agora o mercado espera piso de juro norte-americano entre 3,5% e 4% no final de 2022. Acho que será maior, entre 4% e 4,5%, pois a inflação ainda está muito alta nos EUA e não há sinal de solução política para a questão da Ucrânia, o que poderia puxar os preços internacionais de commodities para baixo.

Até a semana passada o BC dos EUA dizia que o juro não subiria muito, pois a principal fonte da inflação nos EUA não era de demanda. Neste ponto eles estão corretos. Assim como no Brasil, a principal fonte de aumento de preço por lá foram os gargalos produtivos pós-Covid e o choque Putin.

Explicando melhor, a recuperação pós-pandemia aumentou muito a demanda por bens no mundo. Com tempo, a oferta se adequa à demanda, mas no curto prazo o ajuste cria gargalos em vários setores, pressionando os preços para cima. Adicione a isso o aumento de margem de lucro pelas empresas e o resultado é mais inflação. Este era o contexto antes do choque Putin. Aí veio a invasão da Ucrânia, os preços de commodities subiram mais e a inflação dos EUA pulou para 8,6% ao ano.

Mas se o choque não é de demanda, por que subir juro? No caso dos EUA parte da inflação também é de demanda. O plano de estímulo e reconstrução de Biden deu certo. Houve rápido crescimento da economia e redução substancial do desemprego. Por razões de demanda, também faz sentido subir o juro nos EUA. A discussão relevante é quanto.

Considere o pior cenário: quatro pancadas adicionais de 75 pontos base levando o piso da Fed Funds para 4,5% no final de 2022. Caso a expectativa de inflação anual caia para 2,5% nos EUA, uma queda de 6,1 pontos em relação a inflação efetiva de hoje, o juro real será de 2% ao ano.

Juro real de 2% é alto ou baixo? Se você é jovem e só assistiu à estagnação secular da década de 2010, você tende a achar 2% de juro real um absurdo, o inferno na terra, sobretudo na terra das criptomoedas. Porém, se você é mais velho, juro real de 2% é baixo para debelar um surto inflacionário como o atual. O juro real dos EUA subiu para muito mais do que 2% real em episódios semelhantes de "desinflação" no passado.

A anomalia foi o juro real negativo da última década, fruto da magnitude da crise financeira de 2008 e da resposta equivocada de política econômica que se seguiu. Em 2010, vários governos apostaram na hipótese furada de contração fiscal expansionista para fazer a economia crescer rápido. A economia não cresceu rápido e o juro real desabou.

Dez anos depois, quando veio a Covid, o governo dos EUA corretamente resolveu fazer diferente. Biden arriscou "errar para mais", com forte expansão fiscal para tirar a economia rapidamente da crise, mesmo que sob risco de aumento de inflação. A economia dos EUA saiu como um foguete da pandemia, mas a inflação também subiu. O choque Putin piorou o cenário e agora é preciso elevar o juro real.

Se o juro real não subir muito (tomara), a aposta de Biden terá sido um sucesso, mas é cedo para decretar vitória ou derrota. Quando saberemos mais? Em dezembro.

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