Nelson Barbosa
Folha de S.Paulo
Uma mulher caminha em frente a um muro com um graffiti representando Jair Bolsonaro - Sergio Moares/Reuters |
As medidas necessárias para combater a Covid-19 causam grande debate no mundo. Várias pessoas perguntam se o remédio não é pior do que a doença, pois o fechamento temporário da economia (lockdown) gera grande perda de renda no curto prazo, com efeitos de longo prazo.
Como acontece com disputas em redes antissociais, a escolha parece se reduzir a dois extremos: nenhum isolamento para salvar a economia versus fechamento total para salvar vidas. Isto é um equívoco.
Se não houver isolamento, a explosão da doença levará o sistema de saúde ao colapso, a população ao pânico e a economia para o buraco. Se houver isolamento por tempo indefinido, a paralisação da produção, perda de renda e desabastecimento também levarão a população ao pânico e a economia para o buraco, afetando a saúde de milhões de pessoas. O que fazer?
Vários especialistas já explicaram a solução, vou apenas repetir: isolamento social para reduzir a velocidade de disseminação da doença, ganhando tempo para reforçar o sistema de saúde e proteger os grupos de maior risco. Uma vez feito isso, as atividades econômicas poderão voltar ao normal.
Quando? Ninguém sabe e isto causa ansiedade. A situação atual não tem precedente e só podemos fazer cenários, para semanas ou meses.
Na China, onde o Covid-19 apareceu em dezembro, somente agora o isolamento está sendo suspenso na província de Hubei. No Ocidente, ainda estamos na fase inicial de contenção da doença. Se a China serve de guia, teremos meses difíceis pela frente, por isso a necessidade de medidas econômicas emergenciais para lidar com a crise.
Mas nosso período de isolamento pode ser bem menor do que na China, pois a cada dia aprendemos mais sobre a Covid-19 e como tratar os doentes. A vacina ainda vai demorar, mas medidas de prevenção ao contágio, teste massivo da população e proteção a grupos de risco podem diminuir a duração do lockdown.
O que sabemos com certeza é que a solução do problema exige coordenação federal. Este tipo de coordenação é mais difícil em países continentais e federativos como o Brasil e os EUA, onde a ausência de resposta nacional força governadores e prefeitos a providências isoladas.
Ações estaduais e municipais tendem a diminuir o contágio, mas não são capazes, sozinhas, de garantir o retorno à normalidade social e econômica. O reforço do sistema de saúde e o combate aos efeitos econômicos da Covid-19 dependem de recursos e planejamento federais, hoje em falta no Brasil.
Seja pelas trapalhadas do Ministério da Economia, seja pela opção do Presidente da República em buscar inimigos em vez de soluções, o fato é que o governo federal vem piorando o problema ao acusar governadores e prefeitos pela crise econômica.
Se as medidas regionais de contenção funcionarem, o isolamento durará pouco e provavelmente o Presidente dirá que a Covid-19 não era tão sério.
Já se as ações regionais não forem suficientes e o isolamento durar muito tempo, o Presidente provavelmente dirá que a crise econômica não é culpa dele, como aliás já vem fazendo.
Nos dois casos o governo federal falhará, pois deveria ajudar estados e municípios, estabelecer critérios nacionais de confinamento, testes e tratamento, além de planejar o retorno gradual à normalidade, por cada região do país, em diferentes cenários de duração do isolamento.
Ao fugir de sua responsabilidade e ainda se gabar que, para ele, a Covid-19 é apenas uma “gripezinha”, Bolsonaro revelou ser incapaz para o cargo que ocupa.
Sobre o autor
Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research.
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