5 de abril de 2020

J. Posadas, o trotskista que acreditava no comunismo intergalático

Desde suas esperanças na socialização entre humanos e golfinhos até suas alegações de que os OVNIs foram enviados por comunistas alienígenas, as crenças quixóticas de J. Posadas são hoje lendárias em inúmeros memes. Mas uma nova biografia sugere que o trotskista argentino não era tão fora da curva assim - e explica por que seu otimismo revolucionário atrai tanta veneração irônica hoje em dia.

Uma entrevista com
A.M. Gittlitz


J. Posadas

Tradução / Posadas (1912-1981) é um dos trotskistas mais famosos – e mais ridicularizados -, notório tanto pelas seitas que ele batizou com seu nome quanto por sua afirmação de que os OVNIs seriam evidências de sociedades comunistas em outras galáxias. Juntamente com sua crença de que a guerra nuclear poderia acelerar o advento do comunismo (e suas esperanças de que os golfinhos pudessem ser integrados à nova sociedade), nos últimos anos a xenofilia de Posadas tem alimentado sua transformação em uma lenda por meio de inúmeras páginas de memes, ou chegando até mesmo na encenação live action na forma da assembléia posadista dos socialistas democráticos da América.

Para A.M. Gittlitz, autor de um novo livro sobre J. Posadas, essa veneração irônica do trotskista argentino também tem algo a dizer sobre o nosso momento político. Em tempos em que é difícil acreditar no futuro, o feroz otimismo de Posadas aparece como uma caricatura de convicção sincera e do puro senso de crença que hoje estão quase perdidos para nós. Em Eu quero acreditar: posadismo, OVNIs e comunismo apocalíptico, resultado de uma vasta pesquisa, Gittlitz documenta o lado mais sério do ativismo de Posadas no trotskismo latino-americano do pós-guerra, ao mesmo tempo em que sugere que mesmo suas alegações mais estranhas não estavam tão desconectadas da ufologia da época.

David Broder, que traduziu para o inglês o ensaio de J. Posadas Discos voadores, o processo da matéria e da energia, Ciência, o revolucionário, a luta da classe trabalhadora e o futuro socialista da humanidade, conversou com Gittlitz sobre o interesse de Posadas no extraterreno, o envolvimento de seus camaradas na Revolução Cubana e como ele se tornou uma lenda online.

David Broder

Primeiro, vamos falar sobre J. Posadas, o homem. Alguns dos comentários citados no livro – notavelmente, sua previsão de que as piadas seriam “desnecessárias” no comunismo – o fazem parecer uma figura intensamente ascética, mas isso também parece estar ligado à sua projeção de comprometimento e seriedade militantes. Que tipo de experiências formativas levaram Posadas em direção à sua visão de organização e de “moralidade revolucionária”?

A.M. Gittlitz

Seu ascetismo veio de uma certa interpretação da concepção de Lenin e Leon Trotsky de um partido de vanguarda disciplinado, difundido no Bureau Latino-Americano da Quarta Internacional. Mas muitas das características de seita e das visões utópicas bizarras vinham de suas próprias idiossincrasias.

Posadas, nascido Homero Cristalli, cresceu em intensa pobreza com (pelo menos) nove irmãos na classe trabalhadora de Buenos Aires nas décadas de 1910 e 1920. Após a morte prematura de sua mãe, eles tiveram que pedir ovos aos vizinhos, trabalhar em bicos em troca de moedas e às vezes subsistiam às custas de bananas verdes por dias a fio. A desnutrição o deixou com problemas permanentes de saúde e com a crença de que precisamos consumir muito menos do que o normal no capitalismo.

Nos seus vinte anos, seu incansável trabalho de distribuição de jornais para a Juventude Socialista chamou a atenção do pequeno ambiente proto-trotskista de Buenos Aires, e ele foi recrutado como organizador sindical. Embora não fosse um intelectual, sua atenção diligente às tarefas que lhe eram atribuídas o tornaram um ativo valioso no fraturado campo de comunistas anti-stalinistas. Foi somente na década de 1950, quando ele subira ao cargo de secretário do Bureau Latino-Americano (BLA), que alguns membros do movimento começaram a relatar que J. Posadas era maluco. Ele exigia que seus militantes se ajustassem ao seu próprio estilo de vida de sono leve e de interminável produção, tradução e distribuição de textos.

Quando lhe foi negada a liderança da Quarta Internacional em 1961, e o BLA rachou em uma Internacional própria, ele tornou a “moralidade revolucionária” em algo central para o movimento. O sexo não procriativo, especialmente entre militantes que não eram casados, foi proibido. J. Posadas esperava que o desejo sexual desaparecesse sob o comunismo, e que talvez a tecnologia substituísse o sexo por completo – o que também refletia o próprio casamento sem sexo de Posadas.

No início da década de 1970, o severo “monolitismo” autoritário de Posadas, seus textos cada vez mais estranhos e a grande repressão de seu movimento na América Latina levaram a maioria da juventude e da classe trabalhadora a deixar a Internacional. Depois vieram as expulsões do movimento de seu núcleo intelectual restante – marxistas sérios como Guillermo Almeyra e Adolfo Gilly. Os únicos que sobraram eram jovens militantes que entraram no socialismo apenas por meio dos textos de Posadas e que mal haviam lido Marx ou Trotsky.

Ele acreditava que o reduzido tamanho e a inexperiência de seu movimento eram uma virtude – pois esses militantes poderiam ser perfeitamente harmonizados como transmissores de suas idéias aos líderes dos estados dos trabalhadores que, pensava ele, construiriam a sociedade comunista após a esperada Terceira Guerra Mundial. Vida comunal, submissão a um líder carismático, previsões sobre o dia do juízo final, sessões abusivas de autocrítica, espirais crescentes de comprometimento, separação dos militantes de seus parceiros e famílias e a tomada de jovens militantes como parceiros sexuais tornam justo qualificar o Posadismo como um culto. Mas, em comparação com dezenas de outras organizações leninistas do pós-guerra de vários tamanhos, essas características não eram, de maneira nenhuma, algo único.

David Broder

Posadas desempenhou um papel importante no trotskismo latino-americano, especialmente no período da Revolução Cubana. No entanto, seus seguidores entraram em conflito aberto com Che Guevara e Fidel Castro. Você pode nos contar sobre o papel que eles desempenharam, o lugar que a luta de guerrilha tinha no pensamento de Posadas e por que esse relacionamento se desfez?

A.M. Gittlitz

Internacionalmente os trotskistas eram céticos em relação à revolução de Castro por toda a década de 1950, mas o pequeno círculo de trotskistas cubanos eram apoiadores entusiásticos. Alguns lutaram nas serras de Guantánamo, e um foi um camarada próximo de Castro, que navegou com ele no Granma em 1956. Após a revolução, eles rapidamente formaram o Partido Obrero Revolucionario (Trotskista) (POR (T)) sob a BLA de Posadas, e foram autorizados a usar a rádio estatal para organizar seu primeiro congresso. Eles começaram a organizar uma forte rede por toda a classe trabalhadora cubana, pressionando pela formação dos soviétes, pela nacionalização da indústria e pela expulsão da base militar de Guantánamo.

O Partido Socialista Popular (PSP), alinhado com Moscou, rapidamente identificou o POR(T) como uma ameaça à revolução. A URSS esperava que Cuba seguisse sua política de “coexistência pacífica” com os Estados Unidos. No entanto, em muitas questões, Castro e Guevara tendiam a estar mais próximos do radicalismo do POR(T), desafiando os Estados Unidos com a nacionalização de dezenas de indústrias e serviços públicos em 1960.

As primeiras tentativas dos agentes do PSP de reprimir os trotskistas foram frustradas por Guevara. Porém, após a invasão da Baía dos Porcos em 1961 e a crise dos mísseis de 1962, o POR (T) continuou pressionando uma retórica belicosa contra a política de détente da União Soviética. Fidel, assim, deu aval ao PSP para reprimir os trotskistas, até que quase todos os membros fossem presos.

Mesmo assim, os posadistas apoiavam Castro internacionalmente – mas, acima de tudo, apoiavam Guevara. Adolfo Gilly escreveu na revista Monthly Review que as políticas de Guevara como ministro da indústria eram adequadamente anticapitalistas, baseadas em uma força de trabalho disciplinada, motivada pelo entusiasmo revolucionário, ao invés das iniciativas capitalistas de “autogestão dos trabalhadores” promovidas pelo Ministério da Agricultura, administrado pelo PSP. Quando se tratava de confronto, os posadistas ficaram impressionados com o fato de Guevara frequentemente afirmar que a guerra nuclear poderia ser um mal necessário para derrotar o imperialismo – e viam sua concepção da célula de guerrilha de foco como uma variante do terceiro mundo do conselho de trabalhadores soviético. Posadas experimentou essa idéia na Guatemala, onde se tornou a figura ideológica dos rebeldes do MR-13, os impelindo a formar conselhos de camponeses revolucionários armados por onde passassem.

Quando Guevara renunciou ao governo e desapareceu, os posadistas escreveram que Fidel o tinha matado, sob pressão dos soviéticos. Isso, juntamente com a guerra de guerrilha na Guatemala, que descambou para uma contra-insurgência genocida, enfureceu Fidel o suficiente para que ele denunciasse Posadas e o trotskismo em geral no Congresso Tricontinental de 1966. Quando, enfim, Guevara foi morto pelo exército boliviano no ano seguinte, Posadas chamou a foto de seu cadáver de falsificação.

David Broder

Posadas é provavelmente mais famoso por seus comentários sobre os OVNIs como precursores de uma sociedade mais desenvolvida – e, portanto, pós-capitalista. Você cita o filho dele, Léon Cristalli, minimizando esse foco, comentando: “Quando Carl Sagan diz isso, está tudo bem, mas quando Posadas disse isso... ele era um doido planetário”. O interessante aqui é a sugestão de que o que Posadas escreveu teria sido extraído de um fenômeno cultural mais amplo, a UFOlogia dos anos 50-60 e também o cosmismo bolchevique. O que exatamente havia de novo na intervenção de Posadas sobre esse tema?

AMG

Cristalli está certo em defender esse aspecto do trabalho de seu pai dessa maneira. Sagan foi pioneiro na ciência astrobiológica e, na minha opinião, na ciência política da Busca Por Inteligência Extraterrestre (SETI, na sigla em inglês). Junto com o astrofísico soviético Iosif Shklovsky, Sagan representava o pólo mais otimista no SETI, iniciando projetos como o Allen Telescope Array e o Voyager Gold Record, baseado em premissas muito semelhantes à lógica principal por trás do ensaio de Posadas sobre OVNIs – ou seja, que se existem civilizações alienígenas contemporâneas e comunicáveis, elas tiveram de se sustentar por milhares de milênios. Elas devem, então, ter conseguido superar ou evitar por completo nossos próprios impulsos imperialistas e autodestrutivos – e que, portanto, se tivermos a capacidade de contatá-los, devemos fazê-lo sem medo. Shklovsky até mesmo escreveu que seria o marxismo que levaria a humanidade a essa longevidade de nível superior. Sagan mantinha suas simpatias esquerdistas perto do peito, mas ele não discordava, exatamente.

Mas o ensaio de Posadas de 1968 sobre os OVNIs não era tanto uma questão de comprometer seu movimento com a UFOlogia, ou de restaurar a tradição cosmista no comunismo, mas sim de estabelecer um debate interno dentro do núcleo intelectual do movimento sobre a realidade e o significado dos OVNIs. Sim, o fenômeno é real, ele disse, e se pudermos contatá-los, deveríamos fazer isso. Mas ele acrescentou que seus camaradas não deveriam se concentrar muito em tentar fazer isso ou em especular sobre o que os OVNIs estão fazendo aqui ou como seria a sociedade deles – pois temos tudo o que precisamos para criar uma utopia sustentável na Terra, neste momento. Ele manteve sua crença, mas jamais voltou a escrever publicamente sobre o assunto.

David Broder

Uma figura-chave aqui é Dante Minazzoli. Você pode nos contar sobre o interesse dele em UFOlogia e o que seus camaradas pensavam disso? Houve um certo ponto em que o Posadismo se tornou principalmente “famoso” entre outros grupos trotskistas justamente por causa desse foco?

A.M. Gittlitz

Dante Minazzoli e Homero Cristalli fundaram o Grupo Cuarta Internacional (GCI) em meados da década de 1940 como um pequeno círculo de militantes proletários comprometidos com a visão de Trotsky do estabelecimento da Quarta Internacional como uma vanguarda revolucionária mundial. Naquele momento, Posadas era apenas um pseudônimo coletivo e, como Cristalli não era muito de escrever, Minazzoli provavelmente escreveu muito do que foi publicado sob o nome J. Posadas. De certa forma, Minazzoli era tanto Posadas quanto o próprio Posadas; embora tenha sido um discurso de Posadas que se tornou o famoso ensaio sobre OVNIs, seu conteúdo se baseava nas hipóteses extraterrestres que Minazzoli há muito mantinha.

Em 1947, após a história de Kenneth Arnold sobre discos voadores e as notícias do incidente de Roswell se espalharem por tablóides em todo o mundo, houve uma enxurrada de avistamentos de OVNIs na Argentina. Influenciado desde cedo pela ficção científica e pela literatura cosmista de Camille Flammarion, Minazzoli acreditava que os seres humanos são apenas uma espécie entre muitas no universo, e que nosso destino é nos encontrar e confraternizar com elas. Ele instava seus camaradas no GCI para que analisassem o fenômeno, mas eles o proibiram de falar sobre isso.

Duas décadas depois, quando os líderes da Internacional Posadista se consideravam os sucessores legítimos de Trotsky e Lenin e, portanto, a vanguarda intelectual da revolução mundial, Minazzoli trouxe à tona sua tese novamente no contexto de um grupo de leitura sobre Anti-Dühring de Friedrich Engels e Materialismo e empiro-criticismo, de Lenin. Ele apresentou um argumento materialista dialético para a existência de vida extraterrestre e um argumento político de que os OVNIs estariam aqui para nos observar enquanto alcançamos o socialismo, para que pudéssemos ser bem-vindos na comunidade galáctica. Provavelmente ele não estava sozinho nessa crença, mas outros líderes da Internacional, como Guillermo Almeyra, pediram que ele deixasse de lado essa questão.

Mas a insistência de Minazzoli no assunto levou Posadas a tecer um comentário. O discurso transcrito foi publicado em alguns dos jornais posadistas em todo o mundo. Militantes de outros grupos trotskistas já liam a imprensa posadista por causa de suas bizarras teorias da conspiração, previsões e homilias sobre a moral revolucionária. O ensaio sobre OVNis se tornou um clássico cult entre eles. Rumores espalharam-se pelo fraturado movimento trotskista como uma evidência de que seus rivais eram realmente loucos – e que eles haviam escolhido seus séquitos corretamente.

David Broder

Você nos conta que Posadas voltou a chamar atenção – ou que talvez o neo-posadismo tenha surgido, de uma maneira sem precedentes – nos anos de 2010, graças a páginas de memes como a Liga dos Trabalhadores Intergalácticos – Posadista, concentrando-se tanto em suas esperanças catastrofistas na guerra nuclear quanto em suas visão quimérica de uma nova sociedade onde os homens viveriam em comunhão com os golfinhos. No seu relato, isso não é apenas porque Posadas fosse engraçado, mas porque a veneração irônica de seu otimismo revolucionário extremo de alguma maneira se encaixa no clima do nosso tempo. Você poderia explicar um pouco mais sobre isso?

A.M. Gittlitz

Embora um punhado de posadistas tenha continuado (e ainda continue) sua militância, o movimento em grande parte desapareceu até mesmo de sua pequena relevância no interior do trotskismo após a morte de Posadas em 1981. Porém, o ensaio sobre OVNIs e seu entusiasmo pela guerra nuclear continuaram lendários entre os trotskistas e curiosos sobre pequenas seitas revolucionárias de esquerda. Entre eles estava Matthew Salusbury, um estagiário em uma revista sobre fenômenos paranormais, a Fortean Times. Ele publicou um artigo dizendo que os posadistas britânicos do Partido dos Trabalhadores Revolucionários eram um “culto OVNI trotskista”.

Embora se inclinasse de maneira hiperbólica sobre o ângulo OVNI e tenha desenterrado, pela primeira vez, a obsessão de Posadas pelos golfinhos no final da vida, o artigo tornou-se a principal referência na página sobre Posadas na Wikipedia, provocando muitas discussões imaginativas em fóruns de discussão esquerdista online. Em 2012, você traduziu o ensaio sobre OVNI para o inglês na Marxists.org, que mostrava que seu interesse por alienígenas era mais do que apenas uma lenda. Depois, em 2016, quando a insanidade das eleições nos EUA e no Reino Unido radicalizou cantos bizarros da internet, o conceito de Aaron Bastani de um Comunismo de Luxo Totalmente Automatizado decolou como um meme de esquerda.

O “espacial” foi acrescentado ao esquema, e naturalmente seguiram-se imagens cartunescas de Posadas ao lado de nuvens de cogumelos, discos voadores e golfinhos saltando no espaço. A Liga dos Trabalhadores Intergalácticos – Posadista foi provavelmente a página de memes derivada de tudo isso que obteve maior sucesso. Até o momento, produziu centenas de memes, ganhou dezenas de milhares de seguidores e seus administradores ocasionalmente se aventuram a aparecer à caráter em alguma marcha de primeiro de maio ou a outro evento de esquerda.

Como resultado dos memes, Posadas se tornou (pelo menos na esfera anglófona) um dos nomes mais notórios do panteão da história do socialismo revolucionário – superando seus rivais e, às vezes, ultrapassando o próprio Trotsky em termos de pesquisas no Google. Algumas pessoas te criticado esse entusiasmo como uma crueldade, citando um falso boato de que Posadas teria enlouquecido por causa de torturas, ou que os memes sobre Posadas não levam a sério a história de um movimento que fez contribuições heróicas ao movimento trabalhista sul-americano e que viu dezenas de seus militantes serem mortos e torturados.

É um argumento justo, e é por isso que a maior parte do meu livro oferece uma história sóbria sobre as origens e visões políticas da Internacional Posadista. No entanto, eu também vejo um lado disso de maneira mais positiva. Hoje, os jovens de esquerda se encontram entre um século de contra-revolução e um futuro que parece destinado a continuar afundando lentamente na distopia. Posadas, que ganhou destaque na década de 1950 com a disseminação da revolução colonial e que tornou comum entre os revolucionários a crença de que uma terceira guerra mundial nuclear seria iminente, era o pensador “catastrofista” mais extremo – acreditando que a guerra era necessária e desejável, e que a utopia estava do outro lado.

Então, uma maneira de ler os memes posadistas, na ausência de uma guerra mundial em potencial entre o comunismo e o capitalismo, é que “estamos fodidos, disparem as armas nucleares, acabem logo com isso”. Mas também há abertura para outra possibilidade – que algo estranho e inesperado possa acontecer – o surgimento de um novo Lênin, um despertar em massa (meio que religioso) da classe trabalhadora ou um desastre que devaste a ordem dominante, deixando a classe trabalhadora para reconstruir o mundo em nossos próprios termos. Basicamente, quem acredita que a revolução comunista é possível pensa em algo assim, mesmo que para a maioria das pessoas isso seja tão ridículo quanto esperar pelos alienígenas.

David Broder

Parece também que a veneração do Posadismo coincidiu com o colapso de outras organizações revolucionárias de estilo próprio nos últimos anos – de fato, na Grã-Bretanha, isso também foi expresso por páginas de memes como a Proletarian Democracy, que convocava uma “Sétima Internacional” e pedia aos leitores que participassem de uma campanha de arrecadação para uma “bomba dos trabalhadores”. Será que zombar de Posadas não seria uma maneira de lidar com nossa decepção em relação ao leninismo – ou só um bode expiatório fácil?

A.M. Gittlitz

Por décadas, Posadas era como um espelho de parque de diversões, no qual esquerdistas sectários podiam rir de sua própria imagem distorcida. O humor em torno de Posadas hoje é totalmente diferente. As pessoas que gostam dos memes (alguns ex-trotskistas entre eles, mas em geral o grupo demográfico é de jovens que nunca se envolveram em militância) não estão rindo de uma estranha seita dentro do trotskismo, ou do trotskismo em geral, ou do leninismo em geral, mas da totalidade da tradição socialista revolucionária fracassada.

Ironicamente, porém, não é uma zombaria crítica – é mais irônica e absurda. Penso que, no fundo, há uma curiosidade sobre aqueles que certa vez acreditaram em qualquer coisa tão fortemente que lutariam e morreriam por isso. Há um respeito por isso, que vem de um lugar onde a pessoa deseja fazer parte de algo assim, mas não é capaz de acreditar de verdade.

David Broder

Além de explorar as idéias mais estranhas do Posadismo, esta é uma biografia ricamente texturizada sobre o próprio homem. Pode nos contar um pouco sobre por que você quis escrever este livro – e como conseguiu reunir essa história?

A.M. Gittlitz

Eu pretendia escrever uma história de ficção científica, algo como uma trilogia Illuminatus comunista, com o Posadismo como elemento principal. Mas, conforme pesquisava, fiquei muito mais interessado na história real – e sobre a qual muito pouco havia sido escrito em inglês.

Visitei os principais arquivos de documentos internos do movimento em Amsterdã e Londres e encontrei materiais adicionais em Paris, na Universidade de Stanford, na Cidade do México, em Montevidéu e na Argentina. Enquanto estava em Buenos Aires, bati na porta de León Cristalli, hoje secretário da pequena Internacional, mas ele se recusou a falar comigo. Mais tarde, ouvi dizer que ele se gabava de se recusado a atender um agente imperialista do New York Times. O secretário da seção uruguaia também relutou em falar comigo, mas era tão amigável que não conseguiu se conter e acabamos conversando por algumas horas. Também tive a sorte de conhecer um posadista cubano original na conferência de Trotsky, em maio de 2019, em Havana. Embora muitos trotskistas veteranos que conheci descrevessem Posadas com pouco mais de que piadas desagradáveis, todos eles respeitavam muito os militantes originais do BLA.

Por meio de Sebastian Budgen, conversei com um ex-militante da seção italiana, Luciano Dondero, que aludiu a partes não contadas da história, especialmente intrigantes, como o escândalo sexual que serviu de pretexto para a expulsão do núcleo intelectual e a filha que Posadas teve no final da vida, e que foi preparada para ser sua herdeira messiânica. Outros detalhes pessoais da vida de Posadas, desde suas memórias antigas ao testemunhar a quase revolucionária Semana Trágica de 1919 se desenrolando de sua janela em Buenos Aires, até seu apoio direto às insurreições de guerrilha na Argélia, em Cuba e na Guatemala, seu fracasso em reconhecer a importância das revoltas de 68, a repressão do movimento sob as ditaduras da Operação Condor e a sua triste derrocada como uma seita autoritária marginal serviram como uma história comovente – um exemplo que corresponde ao arco de fracassos do socialismo revolucionário no século XX.

Ao mesmo tempo, fiquei fascinado com o trotskismo – que eu nunca havia levado a sério anteriormente. Sua concepção de militância era muito diferente daquilo com que eu estava acostumado, tendo crescido no meio anti-autoritário e anti-globalização. Acho aquele nível de compromisso com um programa uma tradição realmente admirável que minha a geração não possui. Também parece óbvio que as dezenas de revoltas globais que presenciamos nos últimos anos teriam sido mais fortes com algum nível de coordenação internacional e com uma concepção orientadora do que significa ser anticapitalista, de como a classe trabalhadora pode tomar o poder e sobre o que fazer depois.

Isso não quer dizer que uma Quarta Internacional ressurgente, ou que um FORA (a união anarco-comunista da qual os pais de Posadas e Minazzoli faziam parte), ou que qualquer nova tentativa de um modelo antigo funcionaria, mas é importante entender o que eles estavam tentando alcançar, por que foram estabelecidos e por que falharam. No 18 de Brumário, Marx escreveu sobre como os revolucionários que se vêem em situações desesperadoras buscam conjurar figuras do passado na esperança de encontrar novas maneiras de avançar. Já é irônico o suficiente ressuscitar Lenin, Stalin ou Mao para esse fim, e o trotskismo sempre teve esse estranho tom de auto-derrotismo. Com Posadas, pelo menos, não há como confundir a ironia inerente à tarefa necessária de criar algo radicalmente novo a partir das ruínas da história.

Sobre o entrevistado

A.M. Gittlitz é autor de Eu quero acreditar: Posadismo, OVNIs e Comunismo apocalíptico.

Sobre o entrevistador

David Broder é historiador do comunismo francês e italiano. Ele está atualmente escrevendo um livro sobre a crise da democracia italiana no período pós-Guerra Fria.

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