O dinheiro contra a crise já existia, devido ao desemprego e à ociosidade da economia
Nelson Barbosa
Nelson Barbosa
Ministro da Economia, Paulo Guedes, em conferência com jornalistas para falar sobre as medidas do governo contra o coronavírus - Pedro Ladeira/Folhapress |
A crise da Covid-19 produziu um raro consenso entre economistas. Acostumados a divergir em várias coisas, hoje quase todos nós achamos necessário um aumento temporário e substancial do déficit público para salvar vidas e evitar uma queda maior da economia.
Quase que em um passe de mágica, besteiras como “acabou o dinheiro” ou “PIB público versus PIB privado” desapareceram do debate público. Hoje somos todos keynesianos contra crise.
Diante da mudança de opinião por parte de vários colegas, sinto-me no dever de explicar de onde apareceu tanto dinheiro para combater a Covid-19.
O dinheiro já existia havia algum tempo, devido ao alto desemprego e à elevada ociosidade da economia desde 2016, mas vários colegas escondiam esse fato, pois do contrário não poderiam defender um ajuste fiscal draconiano.
Quase que em um passe de mágica, besteiras como “acabou o dinheiro” ou “PIB público versus PIB privado” desapareceram do debate público. Hoje somos todos keynesianos contra crise.
Diante da mudança de opinião por parte de vários colegas, sinto-me no dever de explicar de onde apareceu tanto dinheiro para combater a Covid-19.
O dinheiro já existia havia algum tempo, devido ao alto desemprego e à elevada ociosidade da economia desde 2016, mas vários colegas escondiam esse fato, pois do contrário não poderiam defender um ajuste fiscal draconiano.
Vamos por partes.
O governo financiará suas políticas anticrise com emissão de dívida. O Tesouro colocará mais títulos no mercado, retirando moeda da economia. Ato contínuo, o Tesouro gastará os recursos, reinjetando moeda na economia.
No fim do processo, a dívida pública em poder do mercado subirá, isto é, a sociedade terá emitido uma obrigação contra si mesma, criando poder de compra hoje para ser pago com resultado primário no futuro.
Quanto? A resposta depende do próprio sucesso da política de estabilização. Se as iniciativas derem certo e o PIB se recuperar rapidamente, a sociedade demandará mais moeda, e o Banco Central poderá criá-la comprando parte dos novos títulos emitidos pelo Tesouro. Como o BC é 100% do Tesouro, isso significa cancelamento de dívida pública por emissão não inflacionária de moeda. O governo não é uma dona de casa.
O restante da dívida pública pode ser pago ou rolado de modo infinito, pois o governo não é uma dona de casa. Nesse processo, talvez o resultado primário nem precise subir muito no futuro, se a taxa real de juro cair bastante e o crescimento da economia subir de modo duradouro.
Mas sejamos conservadores. Assumamos que será preciso elevar bastante o resultado primário mais à frente para pagar parte da dívida emitida hoje. Quando?
Quanto? A resposta depende do próprio sucesso da política de estabilização. Se as iniciativas derem certo e o PIB se recuperar rapidamente, a sociedade demandará mais moeda, e o Banco Central poderá criá-la comprando parte dos novos títulos emitidos pelo Tesouro. Como o BC é 100% do Tesouro, isso significa cancelamento de dívida pública por emissão não inflacionária de moeda. O governo não é uma dona de casa.
O restante da dívida pública pode ser pago ou rolado de modo infinito, pois o governo não é uma dona de casa. Nesse processo, talvez o resultado primário nem precise subir muito no futuro, se a taxa real de juro cair bastante e o crescimento da economia subir de modo duradouro.
Mas sejamos conservadores. Assumamos que será preciso elevar bastante o resultado primário mais à frente para pagar parte da dívida emitida hoje. Quando?
O ajuste fiscal poderá ser abrupto ou gradual. Se for muito rápido, ele poderá prejudicar a própria recuperação da economia. Se for muito lento, ele também poderá atrapalhar a retomada, consumindo recursos com juros elevados. A arte da política econômica é achar a velocidade ideal e, em breve, nós, economistas, voltaremos a divergir nesse ponto.
Porém, dado que hoje todos corretamente admitem isolamento social para achatar a curva de contágio da Covid-19, espero que a mesma lógica seja aplicada no pós-crise, para achatar o custo social do ajuste fiscal que será necessário.
Por fim, voltando ao tamanho do ajuste em si, tudo depende da taxa de juro real e do crescimento da economia, o que nós, economistas, chamamos de “r menos g” (eu sei, eu sei).
Se a taxa de juro cair de modo duradouro, a conta de juros será menor e, portanto, será necessário menos resultado primário para estabilizar e depois reduzir o endividamento público no futuro.
Mais importante, se a recuperação econômica for mais rápida, parte dos juros será paga com o aumento da arrecadação sobre um PIB maior, diminuindo a necessidade de ajuste fiscal por razões financeiras.
Persistirá a necessidade de ajuste fiscal por questões sociais, para promover justiça tributária e diminuir desigualdade, mas isso é outra história, para outra coluna.
Paro por aqui para respeitar nossa ortodoxia enquanto ela se recupera de keynesianismo pós-traumático.
Porém, dado que hoje todos corretamente admitem isolamento social para achatar a curva de contágio da Covid-19, espero que a mesma lógica seja aplicada no pós-crise, para achatar o custo social do ajuste fiscal que será necessário.
Por fim, voltando ao tamanho do ajuste em si, tudo depende da taxa de juro real e do crescimento da economia, o que nós, economistas, chamamos de “r menos g” (eu sei, eu sei).
Se a taxa de juro cair de modo duradouro, a conta de juros será menor e, portanto, será necessário menos resultado primário para estabilizar e depois reduzir o endividamento público no futuro.
Mais importante, se a recuperação econômica for mais rápida, parte dos juros será paga com o aumento da arrecadação sobre um PIB maior, diminuindo a necessidade de ajuste fiscal por razões financeiras.
Persistirá a necessidade de ajuste fiscal por questões sociais, para promover justiça tributária e diminuir desigualdade, mas isso é outra história, para outra coluna.
Paro por aqui para respeitar nossa ortodoxia enquanto ela se recupera de keynesianismo pós-traumático.
Sobre o autor
Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research.
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