15 de abril de 2020

Noam Chomsky: Em resposta ao coronavírus, “você pode fazer algo”

Em uma nova entrevista, Noam Chomsky discute a pandemia de coronavírus, as depravações do capitalismo e a necessidade urgente de uma nova era de solidariedade e luta trabalhista.

Uma entrevista com
Noam Chomsky

Jacobin

Noam Chomsky fala em Boston em abril de 2015. Cancillería del Ecuador / Flickr.

Tradução / Por décadas, Noam Chomsky tem sido um dos principais dissidentes intelectuais. Seus livros e discursos ajudaram a explicar como um mundo dirigido por corporações e bilionários levou a uma guerra sem fim e a mudanças climáticas catastróficas. Agora ele está ajudando a explicar como empresas e bilionários estão realmente piorando a pandemia de coronavírus, adotando políticas selvagens que se beneficiam às custas de todos os outros.

Chris Brooks entrevistou o professor Chomsky em 10 de abril para aprender mais sobre como chegamos a esse momento – e o que é necessário fazer para resistir.

Chris Brooks

Gostaria de começar pensando no momento sem precedentes em que estamos. Obviamente, estamos no meio de uma pandemia e recessão global e, agora, milhões de pessoas nos EUA se veem desempregadas e sem garantias, enquanto nosso sistema de saúde está colapsando e carece de leitos hospitalares e ventiladores e equipamentos de proteção individual (EPI) de que precisamos. Você poderia descrever como entender o momento atual em que estamos e as escolhas políticas que nos trouxeram até aqui?

Noam Chomsky

Bem, antes de tudo, devemos reconhecer que, a menos que cheguemos às raízes dos problemas na pandemia, isso vai se repetir, provavelmente de forma pior, simplesmente por causa das manipulações do sistema capitalista, que está criando circunstâncias para seu benefício. Podemos ver isso na lista de estímulos, entre muitas outras coisas.

Segundo, por causa do aquecimento global que está acontecendo e coloca tudo isso na sombra, nos recuperaremos disso a um custo severo. Não vamos nos recuperar do derretimento contínuo das camadas de gelo polares. E se você quiser entender como o capital contemporâneo está vendo isso, dê uma olhada no governo Trump. É verdade que esse é um extremo patológico do sistema capitalista e talvez não seja justo usá-lo como exemplo, mas é com isso que estamos vivendo.

Em 10 de fevereiro, enquanto a epidemia estava furiosa e piorando, Trump apresentou suas propostas de orçamento. O que elas eram? Primeiro ponto: continuar com o desembolso dos elementos relacionados à saúde. Ao longo de seu mandato, ele reduziu o financiamento de tudo, menos das políticas que beneficiam poder e riqueza das corporações. Portanto, todas as partes do governo relacionadas à saúde foram cada vez mais privadas de financiamento. Ele foi matando aos poucos os programas sociais.

Retirada de fundos adicionais dos Centros de Controle de Doenças (CDC) e de outras partes do governo relacionadas à saúde. Mas também houve aumentos compensatórios no orçamento, mais subsídios à indústria de combustíveis fósseis. É como se dissesse: vamos não apenas matar o maior número de pessoas possível agora, mas vamos tentar destruir toda a sociedade. Isso é basicamente o que essas ações significam. Claro, havia também mais recursos para os militares e para o seu famoso muro.

Mas essas duas coisas se destacam muito claramente como uma indicação da criminalidade que é antes de tudo endêmica e reforçado numa Casa Branca sociopática. É claro que Trump não pode ser responsabilizado sozinho por tudo isso. Após a epidemia de SARS em 2003 – também um coronavírus – foi bem entendido pelos cientistas que outras recorrências de um ou outro coronavírus viriam, provavelmente mais graves. Bem, o entendimento não é suficiente. Alguém tem que pegar a bola e correr com ela. Agora existem duas possibilidades. Uma são as empresas farmacêuticas, mas elas seguem uma lógica capitalista normal. Você faz hoje o que vai lucrar amanhã e não se preocupa com o fato de que em alguns anos tudo entrará em colapso. Esse não é o seu problema. Então, as empresas farmacêuticas não fizeram nada nesse período e haviam coisas que podiam ser feitas. Havia muita informação circulando. Os cientistas sabiam o que fazer. Poderia ter se precavido melhor. Alguém tem que pagar por isso hoje e não são as empresas farmacêuticas. Bem, em um mundo racional, mesmo um mundo capitalista antes de Ronald Reagan, o governo poderia ter intervindo e feito alguma prevenção.

É praticamente assim que a pólio foi erradicada, por meio de um programa financiado pelo governo. Quando Jonas Salk descobriu a vacina, ele insistiu para que não houvesse patentes. Ele disse: “Tem que ser público, assim como o sol”. Ainda é capitalismo, mas é capitalismo racional. Isso foi encerrado em um golpe por Ronald Reagan quando o lema se tornou “o governo é o problema, não é a solução, vamos legalizar paraísos fiscais, vamos legalizar as recompras de ações que custam dezenas de trilhões de dólares aos cofres públicos num ato de puro roubo”.

O governo é a solução quando o setor privado está com problemas. Mas quando o público precisa de algo, o governo não dá resposta a altura. Então, voltando a 2003, o governo não pôde intervir. Na verdade, foi até um certo ponto, e é muito revelador ver o que aconteceu. Barack Obama, após a crise do Ebola, reconheceu que existem problemas e reconheceu temos que fazer alguma coisa.

Obama fez várias coisas. Uma delas era tentar contratar ventiladores, que são agora o grande gargalo no sistema no momento. Isso é o que está forçando as enfermeiras a decidir quem matar amanhã. Não são suficientes, mas o governo Obama contratou o desenvolvimento de ventiladores de alta qualidade e baixo custo. A empresa foi rapidamente comprada por uma empresa maior que marginalizou o projeto – estava competindo com seus próprios ventiladores que eram mais caros – e depois se voltou para o governo e disse que queria sair do contrato, pois não era lucrativo o suficiente.

Isso é capitalismo selvagem. Não apenas o capitalismo, mas o capitalismo neoliberal. Fica pior. Em janeiro e fevereiro deste ano, quando os serviços de inteligência dos EUA estavam batendo na porta da Casa Branca, dizendo: “Ei, há uma crise real. Faça alguma coisa”. O governo Trump estava estava exportando ventiladores para a China e outros países para melhorar a balança comercial. Isso foi em março.

Agora, os mesmos fabricantes e companhias áreas que enviaram os ventiladores estão trazendo de volta, com o dobro de lucro. É com isso que estamos vivendo. Então, se você olhar para trás, tudo está na base de uma falha colossal do mercado. Os mercados simplesmente não funcionam. Às vezes, pode funcionar para vender sapatos, mas se algo significativo acontecer, não é da conta deles. Você tem que operar como Milton Friedman e outros apontaram: apenas pela ganância. Você faz coisas para o seu próprio bem-estar, acumulação de riqueza, nada mais. É um desastre embutido. Tivemos muitos exemplos; não preciso revisar. Então, no começo é uma falha de mercado. Depois vem o golpe extra do capitalismo selvagem, o neoliberalismo, do qual o mundo sofre há quarenta anos.

Os hospitais nos EUA são administrados em um modelo de negócios. Portanto, não há capacidade disponível. Não funciona mesmo em tempos normais. E muitas pessoas, inclusive eu, podem testemunhar isso nos melhores hospitais. No entanto, se algo der errado, você está perdido e precisa de muita sorte. Talvez seja bom para a fabricação de automóveis, mas não funciona para cuidados de saúde. Nosso sistema de saúde é um escândalo internacional.

E algumas das outras coisas que aconteceram são surreais demais para discutir. A Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) teve um programa muito bem-sucedido de detecção de vírus em populações animais, populações selvagens que estão chegando a um contato mais próximo com os seres humanos por causa da destruição do habitat e do aquecimento global. Eles estavam identificando milhares de possíveis vírus e doenças, trabalhando na China também. Trump acabou com isso e dissolveu o programa em tempo recorde em outubro.

Eu poderia continuar elencando aqui mais fatos. Este é o panorama que nós temos: um monte de psicopatas sádicos na Casa Branca intensificando profundas falhas do mercado. E agora estão intensificando elas ainda mais. Os ricos não estão esperando para ver como construir o próximo mundo. Eles estão trabalhando nisso agora, certificando-se de que haja novos subsídios aos combustíveis fósseis, mesmo que para isso tenhamos que destruir regulamentos e programas que podem salvar vidas e não podem prejudicar os lucros. Tudo isso está acontecendo bem diante dos nossos olhos e a questão é: haverá contra-forças? Se não…

Chris Brooks

Antes de prosseguirmos para a discussão sobre movimentos populares e sobre como combater isso, na discussão de falhas de mercado, eles parecem estar se combinando também com o legado do racismo institucional e vemos isso no impacto desproporcional que o coronavírus está causando nas comunidades negras. Na sua opinião, como devemos entender isso?

Noam Chomsky

Podemos entender isso voltando quatro séculos, quando os primeiros escravos foram trazidos. O sistema mais cruel da escravidão na história da humanidade é a base da prosperidade dos EUA.

O algodão era o petróleo dos séculos XVIII e XIX. Você tinha que ter algodão barato. Você não consegue isso seguindo as regras que eles ensinam no departamento de economia. Você consegue isso pela escravidão cruel e brutal. Isso lançou as bases para manufatura têxtil, finanças, comércio e varejo que ocorreram durante grande parte do século XIX. Bem, finalmente, a escravidão foi formalmente encerrada por cerca de dez anos durante o período de Reconstrução [foi um período que se iniciou após o término da Guerra de Secessão, em 1865, e se estendeu até o ano de 1877]. Depois, houve um acordo com o Sul de que eles poderiam continuar exatamente do jeito que estavam antes. Um dos melhores livros sobre o tema é o Slavery by Another Name, que mostra os detalhes das medidas tomadas para criminalizar essencialmente a população negra. O negro de pé em uma esquina, eles o multam por vadiagem. Como ele não pode pagar a multa, ele vai preso e entra numa gangue para sobreviver na cadeia.

O resultado final foi a revolução industrial do final do século XIX, início do século XX, amplamente construída pela mão de obra negra, que não era mais chamada escravidão. É muito melhor que a escravidão. Se você tem escravos, precisa mantê-los vivos. Se você colocá-os na prisão, o governo deve mantê-los vivos. A burguesia recebia quando precisa de mão de obra e não havia falta de disciplina ou protesto. Isso aconteceu até a Segunda Guerra Mundial.

Nesse ponto, havia empregos. As pessoas tinham que trabalhar. Mas então surgem novas formas de escravidão. Até o final dos anos 1960, as leis federais de habitação exigiam segregação. Havia muita habitação sustentada pelo poder público na década de 1950: os levittowns e assim por diante, mas eram para os brancos, não para os negros. Os senadores liberais votaram a favor, com muito ódio, mas votaram a favor porque não havia outra maneira de aprovar qualquer habitação pública.

Os EUA tinham leis anti-miscigenação – tão severas quanto a dos nazistas – na década de 1960. Então assume outras formas. A Suprema Corte fez essencialmente o que o governo fez no final da Reconstrução, disse aos Estados do Sul: você pode fazer o que quiser. Eles eliminaram a Lei dos Direitos de Voto.

Acabamos de ver isso há alguns dias em Wisconsin. Incrível. Se você quiser ver a democracia simplesmente esmagada, dê uma olhada no que aconteceu dias atrás em Wisconsin. O governador democrata queria sensatamente adiar as primárias e estender o voto de ausente. Nada poderia fazer mais sentido. Mas há uma legislatura dominada pelos republicanos que teve uma pequena minoria de votos e conseguiu derrubar a proposta do governador, mesmo ela sendo apoiada pela Suprema Corte.

Isso foi criado para garantir que os eleitores minoritários pobres, as pessoas que não acompanham pesquisas votem. Enquanto os ricos, a base tradicional dos que fizeram tudo isso, votam. É uma maneira aberta, nem mesmo oculta, de tentar garantir que, não importa o que o público queira, as políticas mais reacionárias serão mantidas permanentemente.

Líder da maioria no Senado Mitch McConnell é o gênio do mal por trás disso. Ele está fazendo isso claramente: garantindo que o judiciário esteja repleto de juízes ultra-reacionários jovens, ambiciosos e não qualificados. Isso garante que não haja qualquer política progressista no futuro. Os republicanos sabem que são um partido minoritário. Não há como obter votos com seus programas. É por isso que eles precisam apelar para as chamadas questões culturais – direitos sobre armas, aborto e assim por diante – e não suas políticas reais, que enchem os bolsos dos ricos. Essa é a política real. Trump é um gênio nisso. Com uma mão, ele diz: “Eu sou seu salvador, estou trabalhando para o pobre trabalhador”. Com a outra ele esfaqueia os mais pobres pelas costas. É bem impressionante. Ele é certamente o vigarista mais bem-sucedido da história norte-americana.

Presumo que o governo dele vai implodir em algum momento, mas até agora está se mantendo. Eles estão tentando desmontar os mecanismo democráticos. Existem exemplos em outros lugares, o primeiro-ministro Viktor Orbán, na Hungria, está fazendo a mesma coisa. É muito difícil identificar uma estratégia geopolítica coerente dentro do caos na Casa Branca. Mas há uma que sai com considerável clareza: formar uma internacional com os países mais reacionários do mundo e deixar que essa seja a base do poder dos EUA.

O ditador Abdel Fattah el-Sisi no Egito, o pior tirano da história do país, os ditadores da família na Arábia Saudita, em particular o príncipe herdeiro Mohammad Bin Salman Al Saud, o maior assassino. Israel, que está indo mais ainda para direita. As antigas relações tácitas entre Israel e os estados árabes estão agora se tornando abertas. O Primeiro Ministro Narendra Modi na Índia, o que ele está fazendo é simplesmente indizível. Ele deu quatro horas de aviso prévio para o bloqueio total. A maioria da população da Índia é de trabalhadores informais. Eles não têm para onde ir. Eles não podem ficar em casa. Não tem casa. Então, eles estão viajando pelas estradas, a milhares de quilômetros de alguma vila, morrendo no caminho. É impossível imaginar as consequências de tudo isso. Mas como são na maioria pobres e muitos deles são muçulmanos, quem se importa?

O ex-Vice-Primeiro Ministro Matteo Salvini na Itália, um dos piores bandidos do mundo. No hemisfério latino-americano, o principal representante é o presidente Jair Bolsonaro no Brasil, que está competindo com Trump para ver quem pode ser o mais criminoso do mundo. Trump pode vencê-lo facilmente por causa do poder dos EUA, mas as políticas não são muito diferentes e estão prejudicando não apenas o Brasil, mas o mundo inteiro. As previsões atuais em revistas científicas são de que em cerca de quinze anos a Amazônia passará de um sumidouro de carbono líquido para um emissor de CO2 de carbono líquido. Isso é um desastre e Bolsonaro segue subsidiando às indústrias de mineração e o agronegócios. Então, existem alguns tiranos tentando criar o próximo mundo. Eles estão trabalhando duro. Sua guerra de classes constante e implacável nunca para.

Chris Brooks

Nesse sentido, você sempre enfatizou que é importante ler a imprensa de negócios, porque muitas vezes são muito francos sobre o que pensam do mundo e quais são seus esquemas. Do nosso ponto de vista, estamos vendo muitas atividades sigilosas no momento. Greves estão ocorrendo em muitos locais. Os trabalhadores estão se organizando em resposta ao coronavírus e porque são forçados a trabalhar em condições inseguras. Os empregadores deveriam estar mais preocupados com isso?
NC

Como você sabe, todo mês de janeiro, os caras que se chamam modestamente de “mestres do universo” se reúnem em Davos, na Suíça, para esquiar, falar sobre como são maravilhosos e etc.. A reunião de janeiro foi muito interessante. Eles vêem que os camponeses estão vindo com os garfos e estão preocupados com isso. Então, há uma mudança. Você olha para as conversas na reunião que vão nesse sentido agora: “Sim, fizemos coisas ruins no passado. Agora estamos abrindo uma nova Era no capitalismo, uma nova Era na qual não estamos preocupados apenas com os acionistas, mas com os trabalhadores e a população e somos pessoas tão boas, tão humanistas que você podem voltar a confiar em nós. Vamos garantir que está tudo bem.”

E foi bem interessante ver o que aconteceu. Havia dois oradores principais. Isso deve ser jogado em todas as salas de aula do país. Trump, é claro, fez o discurso principal. Greta Thunberg fez o outro discurso. O contraste foi fantástico. O primeiro discurso é esse palhaço delirante, gritando sobre como ele é ganancioso e inúmeras mentiras. O segundo discurso é uma garota de dezessete anos, discreta, dando uma descrição factual e precisa do que está acontecendo no mundo, olhando esses caras de cara e dizendo: “Você está destruindo nossas vidas”. E, claro, todo mundo bate palmas educadamente. Boa garotinha. Volte para a escola.

A reação a Trump foi particularmente interessante. Eles não gostam dele. Sua vulgaridade e crueza estão interferindo na imagem que eles estão tentando projetar como humanistas. Mas no fundo eles o amam. Eles deram a ele uma salva de palmas e não conseguiram parar de aplaudir. Porque eles entendem alguma coisa: esse cara, por mais vulgar que seja, sabe muito bem como e de quem preencher os bolsos. Ele pode ser um palhaço. Nós toleraremos suas palhaçadas enquanto ele continuar com essas políticas. Esses são os homens de Davos.

Eles não se deram ao trabalho de salientar que já ouvimos essa música antes. Nos anos 50, era chamada de corporação com alma. As corporações se tornaram emotivas. Agora eles estão transbordando a bondade para os trabalhadores. É uma nova Era de filantropia no humanismo capitalista.

Assim, podemos ser atraídos para o abatedouro ou você pode lutar e criar um mundo diferente. Há uma oportunidade muito boa para isso agora. As greves que você mencionou estão acontecendo em diferentes lugares do mundo. Existem grupos comunitários de auto-ajuda se formando em bairros pobres, pessoas ajudando umas às outras tentando fazer algo pelos idosos que estão presos.

Já no Brasil, onde o presidente é apenas uma monstruosidade, toda a pandemia é apenas um resfriado. Na cabeça dele, os brasileiros são imunes a vírus e o governo não está fazendo nada. Alguns dos governadores estão, mas não o governo federal. O pior disso será nas favelas, nas áreas pobres, nas áreas indígenas. Nas favelas do Rio, lavar as mãos a cada duas horas é um pouco difícil quando você não tem água ou manter um isolamento adequado quando está amontoado em um quarto. Há um grupo que veio e tentou impor alguns padrões razoáveis ​​o melhor possível sob essas condições horríveis. Quem? As milícias e o tráfico que aterrorizam as favelas. Eles são tão poderosos que a polícia tem medo de entrar. Eles se organizaram para tentar lidar com a crise da saúde.

Assim como as enfermeiras na linha de frente, existe uma vontade de agir e isso pode vir à tona em alguns dos lugares mais inesperados. Não do setor corporativo, nem dos ricos, nem das corporações boazinha. Mas certamente não virá deste governos, particularmente mais patológico. Outros estão indo melhor. Nestes casos a esperança está vindo da ação popular.

Bernie Sanders, quando fez seu discurso de despedida, enfatizou isso. Ele disse que a campanha pode estar terminando, mas o movimento não está. Cabe especialmente aos jovens colocar um pouco de seriedade nisso para ter resultado. Não importa o que aconteça. Se Trump for reeleito, será uma completa tragédia. Se Biden for eleito, não será maravilhoso. Mas de qualquer forma, você precisa fazer o que é possível e não está fora de alcance.

Chris Brooks

Você acha que a maioria das pessoas sairão de suas casas depois que a quarentena terminar com suas opiniões políticas mudadas ou intactas?
NC

Veremos. Certamente é um momento de refletir sobre o tipo de coisa que estávamos falando. Por que estamos nessa situação? Não é física quântica. Se pensarmos um pouco a questao central é óbvia. Então, talvez as pessoas façam isso ou talvez fiquem hipnotizadas pelo vigarista no cargo. Recebo cartas de trabalhadores pobres que dizem: “Vocês liberais estão trazendo todos os imigrantes para roubar nossos empregos e Trump está nos salvando”. OK. Talvez seja possível entrar em contato com eles. Não é fácil.

Esses caras estão sintonizados na Fox News o dia todo. Essa é o alto-falante. Se você está olhando do espaço sideral e não está sofrendo, pensa: o que está acontecendo? Esse maníaco da Casa Branca aparece e diz uma coisa e se contradiz no dia seguinte. Mas tudo é repetido como inovador na Fox. Enquanto isso, o trabalhador olha para a Fox News todas as manhãs para descobrir o que dizer. É a fonte de notícias e informações dele. E então você conta com caras inteligentes, como Mike Pompeo, que diz: “Deus enviou Trump à Terra para salvar Israel do Irã”. Esse é o cara sensato? É uma brincadeira irônica? Digamos que haja um Deus e nesse caso ele decidiu que cometeu um erro grave no sexto dia e agora terminará com humor? Apenas observe essas pessoas se destruindo. É assim que aparece na cabeça do telespectador.

Chris Brooks

Existe a chance dos EUA desenvolverem uma cultura de solidariedade e uma política trabalhista como surgiu no Reino Unido após a Segunda Guerra Mundial, que poderia levar a algo como o Serviço Nacional de Saúde, reconhecendo todas essas falhas de mercado, reconhecendo as ineficiências e as complicações criadas quando você está competindo em vez de coordenar recursos?

Noam Chomsky

Já fizemos isso antes. Eu vivi a Grande Depressão. Por isso tenho essa longa barba branca. Na década de 1920 o movimento trabalhista foi totalmente esmagado. Dê uma olhada em David Montgomery, um historiador do trabalho, um de seus grandes livros é The Fall of the House. Nos anos 30, começamos a retomar as lutas. O Comitê de Organizações Industriais que organiza as greves, o que foi uma grande ameaça para a burguesia, pois veio a seguinte ideia na cabeça dos trabalhadores: “Não precisamos dos chefes. Nós podemos administrar esta fábrica nós mesmos”.

Isso gerou algumas reações. Aconteceu um governo compreensivo que implantou o New Deal. Um historiador trabalhista muito bom, Erik Loomis, estudou caso e salienta que momentos de mudança positiva quase sempre foram liderados por um movimento trabalhista ativo e as únicas vezes que conseguiram foram quando houve um governo relativamente compreensivo, ou pelo menos tolerante.

Agora não temos nada disso. Mas Biden, que não é nada bom, pode ser pressionado. Se o movimento trabalhista reviver, decolando junto com o movimento de Sanders – que é muito significativo, ele alcançou grandes sucessos -, mais uma vez poderíamos sair desta crise capitalista como saímos na década de 1930.

O New Deal não acabou com a Grande Depressão, a guerra terminou com a produção maciça dirigida pelo Estado, no entanto, foi muito melhor do que hoje. Tenho idade suficiente para lembrar que minha família era composta principalmente por trabalhadores da primeira geração, principalmente por desempregados, vivendo em situação de pobreza muito pior do que a classe trabalhadora de hoje. Mas era esperançoso. Não havia desespero. Não havia a sensação de que o mundo estava chegando ao fim. O clima era: “De alguma forma, vamos resolver isso juntos, trabalhando juntos”. Alguns deles estavam no Partido Comunista, outros estavam nos sindicatos. Tive duas tias que eram costureiras desempregadas, mas elas estavam no ILGWU [Sindicato Internacional das Trabalhadoras de Vestuário], o que lhes proporcionava uma vida cultural com reuniões e atividades de teatrais.

Precisamos resgatar esse espírito de solidariedade: podemos fazer alguma coisa. Estamos juntos. Nós vamos sair disso.

Sobre o entrevistador

Noam Chomsky é professor emérito de linguística no Massachusetts Institute of Technology (MIT). A Haymarket Books lançou recentemente doze de seus livros clássicos em novas edições.

Sobre o entrevistador

Chris Brooks é um organizador do Tennessee e se formou no programa de estudos do trabalho da Universidade de Massachusetts Amherst. Atualmente, trabalha como redator na Labor Notes.

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