A liderança de Jeremy Corbyn no Partido Trabalhista termina neste fim de semana. Precisamos defender seu legado e continuar seu nobre programa democrático-socialista, sendo honestos sobre onde e por que ele falhou.
Por Daniel Finn
Jeremy Corbyn deixa a Trafalgar Square após discursar em um comício em 11 de janeiro de 2020 em Londres, Inglaterra. Hollie Adams / Getty |
Tradução / Assim que apareceu pela primeira vez no início dos anos 1960, a obra de Ralph Miliband, O Socialismo Parlamentar, tornou-se uma referência concetual que marcou os debates sobre o Partido Trabalhista britânico.
Na nova edição do livro publicada em 1972, Miliband rejeita a ideia de que o Partido Trabalhista pudesse um dia tornar-se "um partido seriamente preocupado com a mudança socialista". Miliband reconhecia que não havia outra organização de esquerda capaz de desafiar a posição dominante do Partido Trabalhista. Mas isso não era "motivo para se resignar ou para perpetuar ideias que não têm qualquer base na realidade política". "A dissipação de ilusões sobre o verdadeiro propósito e papel do Partido Trabalhista" seria o primeiro passo para a construção de uma força alternativa.
Embora o livro “Socialismo Parlamentar” fosse extremamente influente, as suas conclusões posicionaram-no firmemente contra a corrente. Em resposta a Miliband, Ken Coates insistiu que, de uma maneira ou de outra, o futuro da esquerda britânica teria que passar pelo Partido Trabalhista: “uma vez que desenvolvida a organização do movimento operário, seja em que país for, os partidos trabalhistas estarão sempre presentes entre a articulação de novas ideias e a sua concretização. A não ser que as organizações de massas possam ser ganhas ou fortemente divididas no decurso de uma tentativa para as ganhar, barrarão efetivamente o caminho para a emergência de qualquer alternativa”.
Na Grã-Bretanha, a grande maioria dos socialistas guiou-se por essa perspetiva durante a década seguinte, quando Tony Benn, que tinha reunido à sua volta a Esquerda do Partido Trabalhista, lançou um desafio sem precedentes à nomenclatura do partido. Em 1983 até Ralph Miliband se questionava sobre se teria sido precipitado no seu julgamento: “eles têm um longo caminho a percorrer, com obstáculos exigentes pela frente. Mas é óbvio que subestimei o quão grande foi o desafio que os novos ativistas seriam capazes de apresentar aos seus líderes.” Agora, a questão sobre o futuro do Partido Trabalhista era para Miliband “mais aberta do que eu pensava”.
Porém, quando Miliband redigiu esse ensaio já se fazia notar o virar da maré contra a esquerda trabalhista. Feitos bodes expiatórios da derrota eleitoral de 1983, Benn e os seus apoiantes não podiam fazer mais nada senão assistir enquanto o novo líder trabalhista, Neil Kinnock, se dirigia firmemente para a direita.
Neil Kinnock abriu o caminho para o longo período de governo de Tony Blair como herdeiro autoproclamado de Margaret Thatcher. Ken Coates, que se tornou deputado trabalhista em 1989, foi expulso pela liderança do partido nove anos depois – um destino que compartilhou com muitos outros não-conformistas.
O caminho errado
No livro de Leo Panitch e Colin Leys, O Fim do Socialismo, na reflexão sobre a transição da liderança trabalhista de Benn para Blair, os autores concluíram que, afinal, Miliband estava certo: “o caminho para o socialismo não está na transformação do Partido Trabalhista. Mas isso não significa que os elementos mais progressistas não devam ser apoiados, mas apoiá-los não deve ser confundido com a tarefa principal.”
Para aqueles que concordaram com esse julgamento, havia uma lição clara a ser tirada da experiência da década de 1980. Por um lado, não fazia sentido adotar um programa de esquerda a menos que o grupo parlamentar do Partido Trabalhista estivesse determinado a concretizá-lo. Logo que formou o governo, Harold Wilson eliminou o manifesto radical de 1974 do Partido Trabalhista, e seu sucessor, James Callaghan, a pedido do Fundo Monetário Internacional, lançou os primeiros ataques proto-thatcheristas à social-democracia keynesiana. Enquanto que o poder parlamentar permanecesse ocupado pela fação da direita do Partido Trabalhista, as moções políticas apresentadas nas conferências do partido permaneceriam sem efeito.
Por outro lado, as convulsões internas que seguramente se seguiriam a uma destituição dos parlamentares trabalhistas, iriam tornar impossível uma vitória nas eleições legislativas. Uma parte da fação de direita do Partido Trabalhista tinha cindido e formado o Partido Social Democrata. Como reação à rebelião que fora liderada por Benn, estes candidataram-se contra o Partido Trabalhista, denunciando a sua deriva à esquerda. Enquanto outros se mantiveram no partido para travar uma guerra de atrito ao novo programa. O Partido Trabalhista entrou nas eleições de 1983 irremediavelmente dividido e incapaz de levar a cabo uma campanha eficaz. O preço da "unidade" era a submissão à ala da direita trabalhista que de outra forma trabalharia incansavelmente para sabotar o futuro do partido.
Em 2010, no mesmo ano que John McDonnell publicou uma apreciação da obra Socialismo Parlamentar, Ed e David Miliband contestavam a liderança do Partido Trabalhista numa plataforma que os diferenciava do legado político do pai. McDonnell insistiu que Ralph Miliband estava enganado sobre o Partido Trabalhista, dando mais ênfase às experiências negativas do passado – "todas as tentativas de criar um partido à esquerda do Partido Trabalhista falharam" – em vez de perspetivar o renascimento da corrente socialista no seio da estrutura do partido.
Cinco anos depois, Jeremy Corbyn, camarada de McDonnell, venceu inesperadamente as eleições e substituiu Ed Miliband, tendo depois liderado o partido durante um dos períodos mais turbulentos que a política britânica conheceu há pelos menos uma geração. A experiência Corbyn desafiou os preconceitos de toda a gente sobre o Partido Trabalhista Britânico. É agora claro que o Labour não vai formar governo sob a liderança de Corbyn, ainda que o projeto de esquerda continue de maneira diferente. Que ilações podem ser tiradas dos acontecimentos dos últimos quatro anos e o que novas perspetivas dão a estes velhos debates?
Falhar melhor
Antes de abordar o motivo por que falhou Corbyn, precisamos de estabelecer o que significaria ter sucesso. Como a experiência do Syriza na Grécia nos mostra muito bem, ganhar uma eleição podia não ter sido suficiente. Vamos definir "sucesso" nos seguintes termos: um Partido Trabalhista liderado por Corbyn com um governo maioritário e capaz de implementar a maior parte dos programas eleitorais de 2017 e 2019. Isso não significaria o fim do capitalismo na Grã-Bretanha, ou algo parecido, mas teria sido certamente uma rutura decisiva com o consenso da geração passada – um governo reformista ao nível do governo de Clement Attlee após 1945.
A primeira explicação para o fracasso de Corbyn seria que os céticos estavam certos – transformar o Partido Trabalhista para que ele pudesse transformar a Grã-Bretanha era desde o início uma tarefa destinada a falhar. O novo sistema para eleger o líder do partido havia possibilitado pela primeira vez a um candidato de esquerda contornar a bancada parlamentar do Partido Trabalhista. Mas afinal de contas, a tensão de tentar liderar o partido a partir da esquerda contra a vontade dos seus parlamentares era um fardo demasiado grande para qualquer político aguentar.
Os primeiros dezoito meses da liderança de Corbyn certamente pareciam justificar tal pessimismo. Ao enfrentar uma sabotagem implacável dos parlamentares que não lhe eram afetos – e mesmo dentro do governo sombra do Partido Trabalhista – Corbyn não conseguiu abrir caminho com a sua plataforma de campanha improvisada à pressa.
Quando Theresa May convocou eleições gerais para junho de 2017, os trabalhistas pareciam estar a caminhar para uma derrota ainda mais pesada do que aquela sofrida em 1983. Nesse ano, o forte e inesperado desempenho do Partido Trabalhista abriu um novo horizonte de possibilidades para o projeto político de Corbyn. Para colocar Corbyn no número 10 de Downing Street seria suficiente uma modesta flutuação de votos do Partido Conservador para o Partido Trabalhista numa próxima eleição.
Falhar melhor
Antes de abordar o motivo por que falhou Corbyn, precisamos de estabelecer o que significaria ter sucesso. Como a experiência do Syriza na Grécia nos mostra muito bem, ganhar uma eleição podia não ter sido suficiente. Vamos definir "sucesso" nos seguintes termos: um Partido Trabalhista liderado por Corbyn com um governo maioritário e capaz de implementar a maior parte dos programas eleitorais de 2017 e 2019. Isso não significaria o fim do capitalismo na Grã-Bretanha, ou algo parecido, mas teria sido certamente uma rutura decisiva com o consenso da geração passada – um governo reformista ao nível do governo de Clement Attlee após 1945.
A primeira explicação para o fracasso de Corbyn seria que os céticos estavam certos – transformar o Partido Trabalhista para que ele pudesse transformar a Grã-Bretanha era desde o início uma tarefa destinada a falhar. O novo sistema para eleger o líder do partido havia possibilitado pela primeira vez a um candidato de esquerda contornar a bancada parlamentar do Partido Trabalhista. Mas afinal de contas, a tensão de tentar liderar o partido a partir da esquerda contra a vontade dos seus parlamentares era um fardo demasiado grande para qualquer político aguentar.
Os primeiros dezoito meses da liderança de Corbyn certamente pareciam justificar tal pessimismo. Ao enfrentar uma sabotagem implacável dos parlamentares que não lhe eram afetos – e mesmo dentro do governo sombra do Partido Trabalhista – Corbyn não conseguiu abrir caminho com a sua plataforma de campanha improvisada à pressa.
Quando Theresa May convocou eleições gerais para junho de 2017, os trabalhistas pareciam estar a caminhar para uma derrota ainda mais pesada do que aquela sofrida em 1983. Nesse ano, o forte e inesperado desempenho do Partido Trabalhista abriu um novo horizonte de possibilidades para o projeto político de Corbyn. Para colocar Corbyn no número 10 de Downing Street seria suficiente uma modesta flutuação de votos do Partido Conservador para o Partido Trabalhista numa próxima eleição.
É possível que essa visão de um governo de esquerda de sucesso tenha sido sempre uma miragem. Talvez o grande salto em frente de Corbyn tenha simplesmente adiado o dia do acerto de contas com a resistência entrincheirada no Grupo Parlamentar do Partido Trabalhista (GPPT), uma vez que a fação de direita do Partido Trabalhista faria tudo ao seu alcance para que Corbyn jamais se tornasse primeiro-ministro.
E mesmo se Corbyn tivesse conseguido vencer as eleições e superar esse obstáculo, poderia muito bem ser ainda incapaz de concretizar o programa do partido quando chegasse ao governo, visto que muitos parlamentares trabalhistas permaneciam hostis a uma agenda de esquerda séria.
Mas podem ser sugeridas também outras explicações, de natureza mais contingente, para o fracasso de Corbyn. Destacam-se as escolhas políticas feitas pela liderança trabalhista, principalmente após as eleições legislativas de 2017; e o Brexit, uma questão como nenhuma outra na política britânica moderna.
Revolução pela metade
O resultado da eleição de 2017 teve um efeito paradoxal sobre Corbyn e o seu círculo mais próximo. A sua posição era agora incomparavelmente mais forte do que quando May tinha convocado as eleições mas pareceram ter ficado frequentemente paralisados por precaução durante os dois anos seguintes, com medo de agitar o barco quando a vitória parecia estar tão próxima. Essa mentalidade adversa ao risco afetou o tratamento de duas questões em particular: a reforma organizativa e a controvérsia em torno da alegada agenda antissemita no Partido Trabalhista.
Os resultados do Corbynismo sobre aspetos organizativos foram muito limitados, sobretudo onde era mais importante: em Westminster e noutros órgãos representativos, desde os conselhos locais até às assembleias escocesas e galesas. O centro de gravidade do GPPT está um pouco mais à esquerda do que há cinco anos atrás, mas o candidato socialista Richard Burgon enfrentou uma forte luta política para garantir o apoio dos seus colegas para avançar com uma candidatura à vice-presidência do partido. Já o seu rival, Ian Murray, um produto tipicamente maligno da fação da direita trabalhista escocesa, teve o caminho facilitado para o processo de nomeação.
E mesmo se Corbyn tivesse conseguido vencer as eleições e superar esse obstáculo, poderia muito bem ser ainda incapaz de concretizar o programa do partido quando chegasse ao governo, visto que muitos parlamentares trabalhistas permaneciam hostis a uma agenda de esquerda séria.
Mas podem ser sugeridas também outras explicações, de natureza mais contingente, para o fracasso de Corbyn. Destacam-se as escolhas políticas feitas pela liderança trabalhista, principalmente após as eleições legislativas de 2017; e o Brexit, uma questão como nenhuma outra na política britânica moderna.
Revolução pela metade
O resultado da eleição de 2017 teve um efeito paradoxal sobre Corbyn e o seu círculo mais próximo. A sua posição era agora incomparavelmente mais forte do que quando May tinha convocado as eleições mas pareceram ter ficado frequentemente paralisados por precaução durante os dois anos seguintes, com medo de agitar o barco quando a vitória parecia estar tão próxima. Essa mentalidade adversa ao risco afetou o tratamento de duas questões em particular: a reforma organizativa e a controvérsia em torno da alegada agenda antissemita no Partido Trabalhista.
Os resultados do Corbynismo sobre aspetos organizativos foram muito limitados, sobretudo onde era mais importante: em Westminster e noutros órgãos representativos, desde os conselhos locais até às assembleias escocesas e galesas. O centro de gravidade do GPPT está um pouco mais à esquerda do que há cinco anos atrás, mas o candidato socialista Richard Burgon enfrentou uma forte luta política para garantir o apoio dos seus colegas para avançar com uma candidatura à vice-presidência do partido. Já o seu rival, Ian Murray, um produto tipicamente maligno da fação da direita trabalhista escocesa, teve o caminho facilitado para o processo de nomeação.
Os oponentes implacáveis de Corbyn ainda têm uma base mais forte no GPPT do que aqueles que querem continuar o seu legado. Durante a liderança de Corbyn nenhum deputado trabalhista foi removido do seu cargo, apesar da cacofonia dos media britânicos sobre a falta de confiança política – embora alguns tenham saído voluntariamente porque esperavam que os seus eleitores fossem escolher outro candidato.
Se houve um momento que marcou o confronto com a velha guarda do Partido Trabalhista, foi a conferência trabalhista de 2018, quando os líderes do partido e dos sindicatos recuaram na votação aberta de candidatos ao parlamento. Caso esta reforma tivesse sido aprovada, os deputados do Partido Trabalhista teriam sido obrigados a procurar uma renomeação, sendo que só depois se poderiam candidatar de novo a eleições. Em vez disso levou-se a cabo uma reforma do processo de votação que facilitou a vida aos candidatos incumbentes mas que obrigava os ativistas que quisessem desencadear uma votação a fazer uma campanha negativa. No período que antecedeu a eleição geral de 2019, houve apenas algumas destas votações internas no partido, nenhuma das quais resultou na retirada de confiança política do deputado.
A história completa do que aconteceu na conferência de 2018 ainda está por ser contada. O equilíbrio de forças e as opiniões que levaram ao resultado insatisfatório (em particular o papel desempenhado pelos sindicatos) requeria um esclarecimento por uma fonte privilegiada. Mas o efeito que teve foi impedir qualquer esforço para equipar o Partido Trabalhista com o tipo de grupo parlamentar que teria sido preciso ter para concretizar um programa reformista radical. Caso a fação da direita trabalhista retome o controlo da máquina partidária, certamente purgará a oposição mostrando uma crueldade e um desprezo para com as banalidades acerca do ecletismo interno que Corbyn nunca demonstrou.
Se houve um momento que marcou o confronto com a velha guarda do Partido Trabalhista, foi a conferência trabalhista de 2018, quando os líderes do partido e dos sindicatos recuaram na votação aberta de candidatos ao parlamento. Caso esta reforma tivesse sido aprovada, os deputados do Partido Trabalhista teriam sido obrigados a procurar uma renomeação, sendo que só depois se poderiam candidatar de novo a eleições. Em vez disso levou-se a cabo uma reforma do processo de votação que facilitou a vida aos candidatos incumbentes mas que obrigava os ativistas que quisessem desencadear uma votação a fazer uma campanha negativa. No período que antecedeu a eleição geral de 2019, houve apenas algumas destas votações internas no partido, nenhuma das quais resultou na retirada de confiança política do deputado.
A história completa do que aconteceu na conferência de 2018 ainda está por ser contada. O equilíbrio de forças e as opiniões que levaram ao resultado insatisfatório (em particular o papel desempenhado pelos sindicatos) requeria um esclarecimento por uma fonte privilegiada. Mas o efeito que teve foi impedir qualquer esforço para equipar o Partido Trabalhista com o tipo de grupo parlamentar que teria sido preciso ter para concretizar um programa reformista radical. Caso a fação da direita trabalhista retome o controlo da máquina partidária, certamente purgará a oposição mostrando uma crueldade e um desprezo para com as banalidades acerca do ecletismo interno que Corbyn nunca demonstrou.
O caminho errado
A falsa narrativa sobre a prevalência de uma agenda antissemita no Partido Trabalhista atingiu o seu apogeu durante a campanha eleitoral de 2019, quando nos noticiários foram difundidas alegações absurdas sobre eventual destino da população judaica britânica sob um governo de Corbyn. Gerou-se um falso burburinho assente sobre alicerces que se haviam vindo a estabelecer ao longo de vários anos. Mais uma vez podemos identificar a reviravolta no Outono de 2018, quando a direção nacional do Partido Trabalhista cedeu à pressão e adotou a definição de antissemitismo da IHRA (International Holocaust Remembrance Alliance). Essa decisão chegou após um verão de intensa controvérsia que atrapalhou os esforços do Partido Trabalhista para apresentar uma agenda política construtiva.
Enquanto esta polémica se intensificava, o aliado de Corbyn, Jon Lansman, publicou um artigo no qual expunha a lógica por detrás do código de conduta do Partido Trabalhista face ao antissemitismo, mas que se distinguia de várias maneiras da definição adotada pelo IHRA. Lansman entendeu, corretamente, que alguns exemplos anexos ao texto do IHRA poderiam ser usados para reprimir possíveis críticas a Israel. Ele questionou também a autoridade de grupos como o Conselho de Representantes dos judeus britânicos que insistiam que o texto da IHRA não deveria ser alterado de forma alguma: “eu acho que essas organizações, muitas das quais não se manifestaram contra a marcha dos fascistas em Cable Street ou celebraram a presidência de Donald Trump, não têm credibilidade para criticar um código de conduta robusto, completo e abrangente de um partido político.”
No entanto, nos dois meses que se seguiram, nenhuma figura de destaque da esquerda trabalhista veio a público dar força a esses argumentos, já que os opositores de Corbyn disseminavam calúnias atrás de calúnias. (A intervenção de Len McCluskey, do sindicato Unite, foi a única exceção à regra.) Foi como se aguardassem que a estória contada sobre Corbyn se desmoronasse sobre o peso do seu próprio absurdo. Desta forma, subestimou-se severamente a capacidade dos meios de comunicação britânicos de construir castelos no ar.
Só há uma explicação óbvia para essa timidez: ao acreditar que a crise do Brexit levaria à desintegração do governo de Theresa May, a liderança do Partido Trabalhista hesitou confrontar a fação da direita do seu partido. Exemplo disso foi quando John McDonnell pediu para que fossem retiradas as medidas disciplinares contra a parlamentar trabalhista Margaret Hodge, depois desta ter ofendido Jeremy Corbyn – chamando-o de “antissemita e racista” – numa escalada retórica preparada meticulosamente.
Foi um enorme erro de cálculo. No momento em que o executivo nacional do partido cedeu à pressão e decidiu adotar todos os exemplos da IHRA, os opositores de Corbyn usaram a seu favor a alegada agenda antissemita do Partido Trabalhista. Essa agenda já se tinha tornado uma meta-controvérsia que se alimentava a si própria e dispensava qualquer evidência fatual que os adversários de Corbyn podiam usar a gosto. Foi de particular valor para a fação da direita do partido, pois permitiu-lhe dissimular, sobre um manto de justiça, as suas hostilidades.
Permanece por esclarecer qual o impacto que essa falsa narrativa teve sobre o nível de popularidade do Partido Trabalhista. A autoavaliação não deve ser interpretada à letra: foram muitos os eleitores de direita que consideraram o termo antissemita como um eufemismo aceitável para “pró-muçulmano” ou “anti-branco”, enquanto os liberais que tinham abandonado na verdade o Partido Trabalhista por discordarem com a sua posição face ao Brexit, usavam frequentemente a controvérsia sobre o antissemitismo como um disfarce para a sua relutância em enfrentar Boris Johnson. E mesmo que não tivesse havido uma única pessoa genuinamente preocupada com a alegada agenda antissemita no Partido Trabalhista, os custos indiretos na campanha de Corbyn teriam ainda assim sido enormes.
Esta controvérsia gastou tempo e espaço de debate político, o que teria sido muito útil aos trabalhistas para a defesa das suas ideias. Serviu ainda de álibi para que as emissoras de serviço público, como é o caso da BBC, desconsiderassem as normas de imparcialidade e fizessem uma dura campanha contra o Partido Trabalhista durante a campanha eleitoral de 2019. E isso apenas veio contribuir para uma imagem negativa de Corbyn, apegada a uma perceção de um líder incompetente que nem conseguia resolver os problemas do seu próprio partido, quanto mais os do país.
Enquanto esta polémica se intensificava, o aliado de Corbyn, Jon Lansman, publicou um artigo no qual expunha a lógica por detrás do código de conduta do Partido Trabalhista face ao antissemitismo, mas que se distinguia de várias maneiras da definição adotada pelo IHRA. Lansman entendeu, corretamente, que alguns exemplos anexos ao texto do IHRA poderiam ser usados para reprimir possíveis críticas a Israel. Ele questionou também a autoridade de grupos como o Conselho de Representantes dos judeus britânicos que insistiam que o texto da IHRA não deveria ser alterado de forma alguma: “eu acho que essas organizações, muitas das quais não se manifestaram contra a marcha dos fascistas em Cable Street ou celebraram a presidência de Donald Trump, não têm credibilidade para criticar um código de conduta robusto, completo e abrangente de um partido político.”
No entanto, nos dois meses que se seguiram, nenhuma figura de destaque da esquerda trabalhista veio a público dar força a esses argumentos, já que os opositores de Corbyn disseminavam calúnias atrás de calúnias. (A intervenção de Len McCluskey, do sindicato Unite, foi a única exceção à regra.) Foi como se aguardassem que a estória contada sobre Corbyn se desmoronasse sobre o peso do seu próprio absurdo. Desta forma, subestimou-se severamente a capacidade dos meios de comunicação britânicos de construir castelos no ar.
Só há uma explicação óbvia para essa timidez: ao acreditar que a crise do Brexit levaria à desintegração do governo de Theresa May, a liderança do Partido Trabalhista hesitou confrontar a fação da direita do seu partido. Exemplo disso foi quando John McDonnell pediu para que fossem retiradas as medidas disciplinares contra a parlamentar trabalhista Margaret Hodge, depois desta ter ofendido Jeremy Corbyn – chamando-o de “antissemita e racista” – numa escalada retórica preparada meticulosamente.
Foi um enorme erro de cálculo. No momento em que o executivo nacional do partido cedeu à pressão e decidiu adotar todos os exemplos da IHRA, os opositores de Corbyn usaram a seu favor a alegada agenda antissemita do Partido Trabalhista. Essa agenda já se tinha tornado uma meta-controvérsia que se alimentava a si própria e dispensava qualquer evidência fatual que os adversários de Corbyn podiam usar a gosto. Foi de particular valor para a fação da direita do partido, pois permitiu-lhe dissimular, sobre um manto de justiça, as suas hostilidades.
Permanece por esclarecer qual o impacto que essa falsa narrativa teve sobre o nível de popularidade do Partido Trabalhista. A autoavaliação não deve ser interpretada à letra: foram muitos os eleitores de direita que consideraram o termo antissemita como um eufemismo aceitável para “pró-muçulmano” ou “anti-branco”, enquanto os liberais que tinham abandonado na verdade o Partido Trabalhista por discordarem com a sua posição face ao Brexit, usavam frequentemente a controvérsia sobre o antissemitismo como um disfarce para a sua relutância em enfrentar Boris Johnson. E mesmo que não tivesse havido uma única pessoa genuinamente preocupada com a alegada agenda antissemita no Partido Trabalhista, os custos indiretos na campanha de Corbyn teriam ainda assim sido enormes.
Esta controvérsia gastou tempo e espaço de debate político, o que teria sido muito útil aos trabalhistas para a defesa das suas ideias. Serviu ainda de álibi para que as emissoras de serviço público, como é o caso da BBC, desconsiderassem as normas de imparcialidade e fizessem uma dura campanha contra o Partido Trabalhista durante a campanha eleitoral de 2019. E isso apenas veio contribuir para uma imagem negativa de Corbyn, apegada a uma perceção de um líder incompetente que nem conseguia resolver os problemas do seu próprio partido, quanto mais os do país.
O enigma do Brexit
A perceção de Corbyn como um decisor ineficaz resultou, acima de tudo, da sua abordagem à crise do Brexit. A questão do Brexit provou ser tão importante para o Partido Trabalhista, e para a política britânica, que mereceria um artigo por si só. Mas há alguns pontos óbvios que devem ser feitos. Em primeiro lugar, está claro que o Brexit partiu o coração à base eleitoral do Partido Trabalhista da maneira mais dura que se possa imaginar, dando um impulso aos conservadores que eles nunca poderiam ter adivinhado antes de 2016.
Enquanto o Brexit permaneceu a questão central na política britânica, talvez não houvesse nenhum caminho viável para o sucesso eleitoral de qualquer liderança trabalhista ou de qualquer grupo dentro do partido.
Em segundo lugar, o facto da liderança de esquerda ser considerada profundamente ilegítima por aqueles que estão à sua direita e no centro da política britânica teve um impacto claro no desenrolar da crise do Brexit. A ala anti-Brexit da capital britânica – de longe a fração mais importante desse grupo antes do referendo de 2016 – provou ser como o cão que não ladrou de Sherlock Holmes, enquanto os conservadores iam extremando as suas posições para responder à pressão da imprensa sensacionalista e do partido do Brexit de Nigel Farage. Será que teriam sido tão tímidos se o principal partido da oposição não tivesse prometido romper com o consenso económico há muito estabelecido?
A hostilidade contra Corbyn também condicionou a abordagem dos liberais centristas: os políticos e meios de comunicação social centristas insistiam numa linha maximalista, rejeitando qualquer compromisso de um Brexit aligeirado precisamente porque sabiam que isso causaria uma cisão no círculo eleitoral do Partido Trabalhista. O triunfo de Boris Johnson, em dezembro de 2019, foi o resultado previsível de tais políticas puristas oportunistas.
É ainda possível argumentar que os trabalhistas poderiam ter resistido melhor à tempestade caso tivessem escolhido uma abordagem diferente. Há pelo menos dois cenários contra-factuais que vale a pena mencionar aqui, embora apontem em direções opostas. Deveria ter-se Corbyn comprometido irrevogavelmente com a adesão ao Espaço Económico Europeu – o modelo da Noruega – antes do final de 2017, privando assim a campanha People`s Vote (segundo referendo) de sabotar a sua política? Ou deveriam os trabalhistas ter adotado a ideia de um segundo referendo depois do parlamento ter rejeitado o acordo de Theresa May sobre o Brexit, mas antes das eleições europeias de maio de 2019, defendendo o flanco contra os mais extremistas defensores do Remain?
Estes debates têm o seu valor apenas se reconhecermos que, no momento em que foram tomadas as decisões, as consequências de cada uma das alternativas não eram visíveis para nenhum dos protagonistas quando tiveram de tomar decisões. Face aos problemas acima expostos, talvez uma abordagem diferente tivesse simplesmente resultado num erro diferente.
Depois de Corbyn
A política não é uma experiência de laboratório que pode ser encenada e reformulada ajustando uma variável de cada vez. Há três razões que explicam de forma plausível o fracasso de Corbyn: o seu projeto político falharia mais cedo ou mais tarde devido à natureza do Partido Trabalhista; o seu projeto político poderia ter sido bem-sucedido se a liderança do partido tivesse seguido uma estratégia diferente após as eleições de 2017; ou o seu projeto político poderia ter sido bem-sucedido se o Brexit não fosse o desafio de uma geração. Pela natureza destes argumentos, não podemos provar que algum esteja definitivamente errado.
Por enquanto, a primeira explicação foi rejeitada tacitamente pela maioria dos apoiantes de Corbyn que decidiram permanecer no Partido Trabalhista e alistar-se na luta pela escolha do seu sucessor. Se perderem essa luta, como aliás é esperado, o espaço para o ativismo de esquerda dentro do partido poderá tornar-se muito limitado, o que os obrigará a seguir um caminho diferente para a organização do partido.
Os apoiantes de Keir Starmer na direita do partido esperam claramente que ele desempenhe o mesmo papel de Neil Kinnock, que marginalize a esquerda defensora de Corbyn e abra caminho para um sucessor mais à direita. Eles não estão interessados em vencer o debate político: o que pretendem é a expulsão dos membros do Partido Trabalhista através de acusações disciplinares injustificadas.
No entanto, essa luta interna irá ocorrer num contexto muito distinto. A esquerda trabalhista entrou em cena nos anos 80 enquanto o neoliberalismo conquistava terreno: era a década de Thatcher e Ronald Reagan, do recuo de François Mitterrand e da crise da dívida nos países em desenvolvimento. O colapso do bloco soviético revelou-se um novo golpe, mesmo para aqueles socialistas que sempre rejeitaram o modelo soviético de Estado totalitário, já que os conservadores conseguiram manchar, por associação à URSS, todo o debate sobre a propriedade pública e o planeamento estatal. Em seguida, a terceira via forneceu a base material que permitiu a humanização do Thatcherismo que a nova corrente do Partido Trabalhista veio abraçar, isto enquanto acumulava os problemas que originariam o colapso global de 2008.
O neoliberalismo sobreviveu a esse acidente graças aos esforços hercúleos de políticos e governadores de bancos centrais para restaurar o status quo anterior. Mas a promessa de que iriam melhorar os padrões de vida da maioria da população já não convence ninguém, muito menos na Grã-Bretanha que recentemente atravessou a pior década de crescimento salarial desde o período de Napoleão Bonaparte.Com o esperado agravamento da crise climática nos próximos anos, o programa desenvolvido por Corbyn e seus aliados, desde 2015, constitui o mínimo exigido pela gravidade da situação e permite evitar uma drástica regressão social. A próxima geração de socialistas britânicos terá de encontrar uma forma de levar adiante esse programa, seja dentro ou fora do Partido Trabalhista.
Colaborador
Daniel Finn é o editor de recursos da Jacobin. Ele é o autor de One Man's Terrorist: A Political History of the IRA.
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