Ronan Burtenshaw
Jacobin
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O candidato democrata à presidência, senador Bernie Sanders, fala em um comício em Los Angeles, Califórnia, em 1 de março de 2020. Ronen Tivony / Echoes Wire / Barcroft Media via Getty. |
Tradução / “Há uma guerra de classes acontecendo neste país, já é hora de a classe trabalhadora começar a vencer essa guerra.”
Essas foram as palavras de Bernie Sanders no início da campanha em agosto do ano passado, quando deu a partida na seu esforço de tentar conquistar a presidência. Se em 2015 alguém dissesse que esse tipo de política ganharia – duas vezes – milhões de votos em uma eleição nacional nos Estados Unidos, ninguém teria acreditado.
Antes de Bernie Sanders o socialismo não estava apenas marginalizado nos Estados Unidos: havia sido praticamente varrido da existência. O radicalismo de esquerda do início do século XX – da militância sindical e a ascensão da IWW [Trabalhadores Industriais do Mundo, um sindicato revolucionário de base] às campanhas de Eugene Debs [fundador do Partido Socialista Americano, e candidato a presidência por 5 vezes], Woody Guthrie, Paul Robeson e a Frente Popular durante a Segunda Guerra Mundial – foi amplamente extirpado da vida americana pelos expurgos de Joseph McCarthy nas décadas de 40 e 50. Quando o Movimento dos Direitos Civis apareceu, socialistas como Bayard Rustin, e até o próprio Martin Luther King Jr, foram forçados a esconder suas verdadeiras cores políticas.
Bernie Sanders tornou aceitável novamente se reivindicar “vermelho” nos Estados Unidos. Desde o início de sua primeira campanha presidencial em 2015, usou orgulhosamente o rótulo de “socialista democrático”, falou abertamente sobre o capitalismo e dispensou banalidades liberais sobre a classe média para se referir diretamente à classe trabalhadora como o eleitorado alvo de sua campanha. Nos próximos dias e semanas, não faltarão tentativas de nos convencer que foi por isso que ele perdeu, e que deveria ter moderado mais ou usado uma terminologia mais confortável. Mas a verdade é foi essa determinação de romper com décadas de ortodoxia política nos Estados Unidos que fez de Bernie Sanders uma figura histórica, cujo nome será lembrado por muito tempo depois do fim desta campanha.
Embora isso seja frequentemente esquecido, Bernie Sanders sempre foi um de nós. Muitos dos jovens ativistas que foram politizados ao lado dele na tumultuosa década de 1960 acabaram deslizando para o liberalismo convencional. Bernie não. Filiou-se à Liga Socialista da Juventude, a ala jovem do sucessor do Partido Socialista de Eugene Debs, e se envolveu em lutas anticapitalistas. Sanders havia crescido em um Brooklyn que ainda tinha conexões com um passado mais radical, principalmente para os filhos de imigrantes judeus, numa época em que os agitadores revolucionários discursavam em ídiche nas esquinas e judeus socialistas como Meyer London eram eleitos para o Congresso. Até a década de 1930, o Partido Trabalhista Americano, apoiado por trabalhadores judeus, gozava de considerável poder político na cidade.
Foi em Vermont onde Bernie Sanders fez de fato sua a política socialista. No início dos anos 70, ingressou no partido “Liberty Union”, de tendências socialistas, e gradualmente se tornou uma figura política conhecida em todo o estado. O programa do partido não era um mero liberalismo requentado: defendia um imposto de 100% sobre os mais ricos do país. “Sou a favor da propriedade pública dos serviços básicos, bancos e grandes indústrias”, disse Sanders ao jornal Burlington Free Press enquanto fazia campanha para governador em 1976 – comentários pelos quais foi atacado agora durante essa campanha presidencial, mas que nunca renegou.
Embora Bernie Sanders tenha deixado o “Liberty Union” em busca de um caminho independente, que o levaria a se tornar prefeito de Burlington, nunca abandonou a política socialista. Em 1979, ele fez um documentário sobre a vida de Eugene Debs, o último político socialista a desfrutar de um apelo popular de massas em uma eleição presidencial. Na década de 1980, além de se tornar um prefeito extremamente popular, Sanders dedicou uma porção considerável do seu tempo para se opor ao apoio de Reagan à guerra civil promovida na Nicarágua pelos Contras, e denunciar os esquadrões da morte apoiados pelo governo dos Estados Unidos em El Salvador e na Guatemala.
Mais uma vez, Sanders foi atacado por essas posições anti-imperialistas durante as recentes campanhas presidenciais. E, novamente, ele se recusou a ceder, respondendo ao New York Times:
Bernie Sanders não é, em outras palavras, uma figura da política americana convencional que foi radicalizada ou empurrada para a esquerda pelas circunstâncias. Ele não passou o início de sua vida política como jovem republicano, como foi o caso de Elizabeth Warren. Ele não veio de uma dinastia liberal rica como Franklin Delano Roosevelt. Também não adotou um discurso populista folclórico por simples cálculo eleitoral como John Edwards em 2008.
Bernie Sanders foi durante toda sua vida pública uma militante contra o capitalismo – alguém que passou décadas engajado no trabalho meticuloso de construir uma carreira política dedicada tanto a melhorar a vida dos trabalhadores quanto a representar uma ameaça real a um sistema que os explora. Em suas campanhas presidenciais, poderia ter escolhido um caminho mais fácil para a presidência, que não levantasse questões sistêmicas fundamentais nem defendesse a classe trabalhadora americana contra a máquina milionária corporativa que dirige o Partido Democrata. Em vez disso, escolheu abrir um espaço para o socialismo.
Seus críticos dirão que Sanders foi derrotado duas vezes nas primárias democratas. Isso é verdade. Depois de mais de uma geração em que o movimento sindical foi destroçado e a esquerda lançada às margens, Bernie Sanders não conseguiu construir um movimento que pudesse derrotar a classe dominante mais poderosa do planeta. Mas chegou perto. Após as primárias de Nevada, por um breve momento pareceu que iria ganhar a indicação – até que as forças combinadas da elite política, empresarial e midiática fecharam com força essa porta.
O que os políticos profissionais nunca entenderão sobre Bernie Sanders é que, ao longo de sua carreira, ele sempre encarou a política como algo mais do que a luta por cargos. Entendeu desde o princípio que o poder político real vem da organização da classe trabalhadora e da construção de um movimento de massas. Por isso passou os últimos cinco anos construindo não apenas uma campanha, mas uma revolução política.
Essa revolução deixa muitos legados – da eleição de figuras como Alexandria Ocasio-Cortez, Ilhan Omar e Rashida Tlaib ao crescimento do DSA (Socialistas Democráticos da América), que se tornou a maior organização socialista dos Estados Unidos desde os anos 1930; desde a ampla adoção de leis de salário mínimo de 15 dólares e ao crescimento dos movimentos em defesa do Medicare for All [Saúde para Todos] e do Green New Deal [um programa de investimentos públicos para enfrentar a crise climática] até o fortalecimento de sindicatos de esquerda como o National Nurses United [o sindicato nacional dos trabalhadores de enfermagem] e o American Postal Workers Union [o sindicato nacional dos trabalhadores dos correios].
O legado mais importante da revolução política de Sanders foi, contudo, tornar o socialismo uma força real na política americana. A maioria dos jovens apoiadores de Sanders teriam que voltar até os dias dos bisavós para encontrar a última vez em que fosse possível dizer isso. É uma conquista verdadeiramente extraordinária. Agora, a maioria dos jovens nos Estados Unidos – nos Estados Unidos! – preferem o socialismo ao capitalismo. Obrigado, Bernie Sanders. Por tudo.
Sobre o autor
Essas foram as palavras de Bernie Sanders no início da campanha em agosto do ano passado, quando deu a partida na seu esforço de tentar conquistar a presidência. Se em 2015 alguém dissesse que esse tipo de política ganharia – duas vezes – milhões de votos em uma eleição nacional nos Estados Unidos, ninguém teria acreditado.
Antes de Bernie Sanders o socialismo não estava apenas marginalizado nos Estados Unidos: havia sido praticamente varrido da existência. O radicalismo de esquerda do início do século XX – da militância sindical e a ascensão da IWW [Trabalhadores Industriais do Mundo, um sindicato revolucionário de base] às campanhas de Eugene Debs [fundador do Partido Socialista Americano, e candidato a presidência por 5 vezes], Woody Guthrie, Paul Robeson e a Frente Popular durante a Segunda Guerra Mundial – foi amplamente extirpado da vida americana pelos expurgos de Joseph McCarthy nas décadas de 40 e 50. Quando o Movimento dos Direitos Civis apareceu, socialistas como Bayard Rustin, e até o próprio Martin Luther King Jr, foram forçados a esconder suas verdadeiras cores políticas.
Bernie Sanders tornou aceitável novamente se reivindicar “vermelho” nos Estados Unidos. Desde o início de sua primeira campanha presidencial em 2015, usou orgulhosamente o rótulo de “socialista democrático”, falou abertamente sobre o capitalismo e dispensou banalidades liberais sobre a classe média para se referir diretamente à classe trabalhadora como o eleitorado alvo de sua campanha. Nos próximos dias e semanas, não faltarão tentativas de nos convencer que foi por isso que ele perdeu, e que deveria ter moderado mais ou usado uma terminologia mais confortável. Mas a verdade é foi essa determinação de romper com décadas de ortodoxia política nos Estados Unidos que fez de Bernie Sanders uma figura histórica, cujo nome será lembrado por muito tempo depois do fim desta campanha.
Embora isso seja frequentemente esquecido, Bernie Sanders sempre foi um de nós. Muitos dos jovens ativistas que foram politizados ao lado dele na tumultuosa década de 1960 acabaram deslizando para o liberalismo convencional. Bernie não. Filiou-se à Liga Socialista da Juventude, a ala jovem do sucessor do Partido Socialista de Eugene Debs, e se envolveu em lutas anticapitalistas. Sanders havia crescido em um Brooklyn que ainda tinha conexões com um passado mais radical, principalmente para os filhos de imigrantes judeus, numa época em que os agitadores revolucionários discursavam em ídiche nas esquinas e judeus socialistas como Meyer London eram eleitos para o Congresso. Até a década de 1930, o Partido Trabalhista Americano, apoiado por trabalhadores judeus, gozava de considerável poder político na cidade.
Foi em Vermont onde Bernie Sanders fez de fato sua a política socialista. No início dos anos 70, ingressou no partido “Liberty Union”, de tendências socialistas, e gradualmente se tornou uma figura política conhecida em todo o estado. O programa do partido não era um mero liberalismo requentado: defendia um imposto de 100% sobre os mais ricos do país. “Sou a favor da propriedade pública dos serviços básicos, bancos e grandes indústrias”, disse Sanders ao jornal Burlington Free Press enquanto fazia campanha para governador em 1976 – comentários pelos quais foi atacado agora durante essa campanha presidencial, mas que nunca renegou.
Embora Bernie Sanders tenha deixado o “Liberty Union” em busca de um caminho independente, que o levaria a se tornar prefeito de Burlington, nunca abandonou a política socialista. Em 1979, ele fez um documentário sobre a vida de Eugene Debs, o último político socialista a desfrutar de um apelo popular de massas em uma eleição presidencial. Na década de 1980, além de se tornar um prefeito extremamente popular, Sanders dedicou uma porção considerável do seu tempo para se opor ao apoio de Reagan à guerra civil promovida na Nicarágua pelos Contras, e denunciar os esquadrões da morte apoiados pelo governo dos Estados Unidos em El Salvador e na Guatemala.
Mais uma vez, Sanders foi atacado por essas posições anti-imperialistas durante as recentes campanhas presidenciais. E, novamente, ele se recusou a ceder, respondendo ao New York Times:
“Fiz o meu melhor para confrontar a política externa americana, que durante anos derrubou governos na América Latina e instalou regimes fantoches.”
Bernie Sanders não é, em outras palavras, uma figura da política americana convencional que foi radicalizada ou empurrada para a esquerda pelas circunstâncias. Ele não passou o início de sua vida política como jovem republicano, como foi o caso de Elizabeth Warren. Ele não veio de uma dinastia liberal rica como Franklin Delano Roosevelt. Também não adotou um discurso populista folclórico por simples cálculo eleitoral como John Edwards em 2008.
Bernie Sanders foi durante toda sua vida pública uma militante contra o capitalismo – alguém que passou décadas engajado no trabalho meticuloso de construir uma carreira política dedicada tanto a melhorar a vida dos trabalhadores quanto a representar uma ameaça real a um sistema que os explora. Em suas campanhas presidenciais, poderia ter escolhido um caminho mais fácil para a presidência, que não levantasse questões sistêmicas fundamentais nem defendesse a classe trabalhadora americana contra a máquina milionária corporativa que dirige o Partido Democrata. Em vez disso, escolheu abrir um espaço para o socialismo.
Seus críticos dirão que Sanders foi derrotado duas vezes nas primárias democratas. Isso é verdade. Depois de mais de uma geração em que o movimento sindical foi destroçado e a esquerda lançada às margens, Bernie Sanders não conseguiu construir um movimento que pudesse derrotar a classe dominante mais poderosa do planeta. Mas chegou perto. Após as primárias de Nevada, por um breve momento pareceu que iria ganhar a indicação – até que as forças combinadas da elite política, empresarial e midiática fecharam com força essa porta.
O que os políticos profissionais nunca entenderão sobre Bernie Sanders é que, ao longo de sua carreira, ele sempre encarou a política como algo mais do que a luta por cargos. Entendeu desde o princípio que o poder político real vem da organização da classe trabalhadora e da construção de um movimento de massas. Por isso passou os últimos cinco anos construindo não apenas uma campanha, mas uma revolução política.
Essa revolução deixa muitos legados – da eleição de figuras como Alexandria Ocasio-Cortez, Ilhan Omar e Rashida Tlaib ao crescimento do DSA (Socialistas Democráticos da América), que se tornou a maior organização socialista dos Estados Unidos desde os anos 1930; desde a ampla adoção de leis de salário mínimo de 15 dólares e ao crescimento dos movimentos em defesa do Medicare for All [Saúde para Todos] e do Green New Deal [um programa de investimentos públicos para enfrentar a crise climática] até o fortalecimento de sindicatos de esquerda como o National Nurses United [o sindicato nacional dos trabalhadores de enfermagem] e o American Postal Workers Union [o sindicato nacional dos trabalhadores dos correios].
O legado mais importante da revolução política de Sanders foi, contudo, tornar o socialismo uma força real na política americana. A maioria dos jovens apoiadores de Sanders teriam que voltar até os dias dos bisavós para encontrar a última vez em que fosse possível dizer isso. É uma conquista verdadeiramente extraordinária. Agora, a maioria dos jovens nos Estados Unidos – nos Estados Unidos! – preferem o socialismo ao capitalismo. Obrigado, Bernie Sanders. Por tudo.
Sobre o autor
Ronan Burtenshaw é o editor da Tribune.
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