Jorge Zaverucha
Folha de S.Paulo
As transições latino-americanas para a democracia procuraram desmilitarizar a política, tentando levar os militares a se concentrar em suas atividades, como a defesa das fronteiras do Estado. Este processo vem fracassando no Brasil. Os militares federais estão cada vez mais envolvidos em atividades de segurança pública.
Doutor em ciência política pela Universidade de Chicago e professor titular do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco
Folha de S.Paulo
O cientista político Jorge Zaverucha, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco, no escritório de sua casa, em Recife. Heudes Regis/Folhapress |
As transições latino-americanas para a democracia procuraram desmilitarizar a política, tentando levar os militares a se concentrar em suas atividades, como a defesa das fronteiras do Estado. Este processo vem fracassando no Brasil. Os militares federais estão cada vez mais envolvidos em atividades de segurança pública.
A indicação de um general para a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo acordou os paulistas para essa questão. Algo similar só ocorreu quando o coronel do Exército Erasmo Dias esteve à frente dessa pasta durante o regime militar (1974-1978). Em outros estados da Federação, todavia, isso já era uma prática comum. Em Pernambuco, o primeiro titular da recém-criada Secretaria de Defesa Social, em 1999, foi um general de brigada.
Este processo, na verdade, remonta à Constituição de 1988. Esta conservou a falta de uma das principais características do Estado moderno: a clara separação entre a força responsável pela guerra externa (Exército) e a Polícia Militar, encarregada da manutenção da ordem interna.
A PM brasileira, ao contrário de outros países, é força auxiliar do Exército em atividades de segurança pública. E o Exército é, crescentemente, chamado pelo poder civil para executar Operações de Garantia da Lei e da Ordem, que incluem ações de segurança pública, como a ocorrida na intervenção no Rio de Janeiro.
A Constituição de 1988 cometeu, também, o erro de reunir, em um mesmo Título V (Da Defesa do Estado e das Instituições), três capítulos: o Capítulo I (Do Estado de Defesa e do Estado de Sítio), o Capítulo II (Das Forças Armadas) e o Capítulo III (Segurança Pública). As polícias continuaram, mesmo em menor grau, a defender mais o Estado que o cidadão.
Chegou-se a ponto de apagar do texto constitucional a expressão "policial militar", sendo substituída por "militar estadual". Algo que nem o regime militar ousou fazer. Hoje os conceitos sobre segurança nacional e segurança pública tornaram-se, praticamente, sinônimos. Mormente, com o crescimento do poder bélico das facções que compõem o crime organizado.
O termo Polícia Militar é um oxímoro. Doutrinariamente, polícia como órgão incumbido de prevenir a ocorrência da infração penal e, se ocorrida, exercendo as atividades de repressão, é uma instituição de caráter civil. Não há necessidade de acrescentar a palavra militar ao substantivo polícia. No mundo democrático, as polícias militares são conhecidas como Carabineros, Carabinieri, Gendarmería, Polícia Montada, Guarda Republicana etc. E na Espanha, particularmente, por Guardia Civil. No sentido de guardar o cidadão.
A militarização é crescente quando os valores das Forças Armadas se aproximam dos valores da sociedade. Decepcionada com o desempenho de seus políticos e de suas polícias estaduais, boa parte da sociedade enaltece os valores castrenses tais como disciplina, ordem, honestidade, organização e patriotismo.
A incapacidade da elite civil de gerir o Brasil de uma forma não cleptocrática e inclusiva faz com que a presença militar na política e na segurança se avolume. As perspectivas são de que, tal como nos anos anteriores, segmentos do aparato estatal continuarão autoritários no futuro governo. Em contraste com o Chile, Uruguai e Argentina, onde o controle civil sobre os militares se afirma dia após dia.
Este processo, na verdade, remonta à Constituição de 1988. Esta conservou a falta de uma das principais características do Estado moderno: a clara separação entre a força responsável pela guerra externa (Exército) e a Polícia Militar, encarregada da manutenção da ordem interna.
A PM brasileira, ao contrário de outros países, é força auxiliar do Exército em atividades de segurança pública. E o Exército é, crescentemente, chamado pelo poder civil para executar Operações de Garantia da Lei e da Ordem, que incluem ações de segurança pública, como a ocorrida na intervenção no Rio de Janeiro.
A Constituição de 1988 cometeu, também, o erro de reunir, em um mesmo Título V (Da Defesa do Estado e das Instituições), três capítulos: o Capítulo I (Do Estado de Defesa e do Estado de Sítio), o Capítulo II (Das Forças Armadas) e o Capítulo III (Segurança Pública). As polícias continuaram, mesmo em menor grau, a defender mais o Estado que o cidadão.
Chegou-se a ponto de apagar do texto constitucional a expressão "policial militar", sendo substituída por "militar estadual". Algo que nem o regime militar ousou fazer. Hoje os conceitos sobre segurança nacional e segurança pública tornaram-se, praticamente, sinônimos. Mormente, com o crescimento do poder bélico das facções que compõem o crime organizado.
O termo Polícia Militar é um oxímoro. Doutrinariamente, polícia como órgão incumbido de prevenir a ocorrência da infração penal e, se ocorrida, exercendo as atividades de repressão, é uma instituição de caráter civil. Não há necessidade de acrescentar a palavra militar ao substantivo polícia. No mundo democrático, as polícias militares são conhecidas como Carabineros, Carabinieri, Gendarmería, Polícia Montada, Guarda Republicana etc. E na Espanha, particularmente, por Guardia Civil. No sentido de guardar o cidadão.
A militarização é crescente quando os valores das Forças Armadas se aproximam dos valores da sociedade. Decepcionada com o desempenho de seus políticos e de suas polícias estaduais, boa parte da sociedade enaltece os valores castrenses tais como disciplina, ordem, honestidade, organização e patriotismo.
A incapacidade da elite civil de gerir o Brasil de uma forma não cleptocrática e inclusiva faz com que a presença militar na política e na segurança se avolume. As perspectivas são de que, tal como nos anos anteriores, segmentos do aparato estatal continuarão autoritários no futuro governo. Em contraste com o Chile, Uruguai e Argentina, onde o controle civil sobre os militares se afirma dia após dia.
Sobre o autor
Doutor em ciência política pela Universidade de Chicago e professor titular do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco
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