Lama destrói casas em Brumadinho, região metropolitana de Belo Horizonte, após rompimento de barragem. Eduardo Anizelli/Folhapress. |
5 de novembro de 2015: O Brasil assiste atônito ao rompimento de uma barragem de rejeito de minério, de propriedade da Samarco S.A., no município de Mariana, Minas. O rejeito levou árvores, bichos, marcas e sonhos. Dezenove pessoas morreram, e uma bacia hidrográfica agonizou.
Investigações realizadas pela polícia e Ministério Público convergiram na identificação das causas do rompimento: a barragem apresentava um histórico de problemas e sinais não captados pelos órgãos de controle de que romperia. Era uma questão de tempo, horas ou dias.
Por que os mecanismos de controle falharam? Porque não foram feitos para funcionar. A lei n. 12.334, de 2010, transfere ao responsável pela barragem a descrição de seu risco e a realização de seu monitoramento. Todo ano ele deve apresentar ao DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral), hoje ANM (Agência Nacional de Mineração), e aos órgãos ambientais uma declaração de estabilidade, elaborada por um auditor independente ou pelo próprio responsável. Essa autodeclaração está sujeita ao controle daqueles órgãos públicos.
A realidade tem suas armadilhas à intenção e efetividade da lei. A declaração de estabilidade usa os dados do monitoramento que são repassados pelo responsável pela barragem e, com base neles, resolve uma equação relativamente simples: se, ao final, chegar a um número inferior a 1,5, a barragem é instável; acima, é segura. Fundão, a barragem da Samarco, tinha um número que a definia como estável, embora houvesse registros internos de uma situação de pré-ruptura. Registros que escaparam aos olhos do Estado.
Investigações realizadas pela polícia e Ministério Público convergiram na identificação das causas do rompimento: a barragem apresentava um histórico de problemas e sinais não captados pelos órgãos de controle de que romperia. Era uma questão de tempo, horas ou dias.
Por que os mecanismos de controle falharam? Porque não foram feitos para funcionar. A lei n. 12.334, de 2010, transfere ao responsável pela barragem a descrição de seu risco e a realização de seu monitoramento. Todo ano ele deve apresentar ao DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral), hoje ANM (Agência Nacional de Mineração), e aos órgãos ambientais uma declaração de estabilidade, elaborada por um auditor independente ou pelo próprio responsável. Essa autodeclaração está sujeita ao controle daqueles órgãos públicos.
A realidade tem suas armadilhas à intenção e efetividade da lei. A declaração de estabilidade usa os dados do monitoramento que são repassados pelo responsável pela barragem e, com base neles, resolve uma equação relativamente simples: se, ao final, chegar a um número inferior a 1,5, a barragem é instável; acima, é segura. Fundão, a barragem da Samarco, tinha um número que a definia como estável, embora houvesse registros internos de uma situação de pré-ruptura. Registros que escaparam aos olhos do Estado.
Algo estava claramente errado nos parâmetros que são usados como referência para elaboração do relatório da Agência Nacional de Águas sobre estabilidade das barragens. Ninguém pode confiar que uma barragem de rejeitos declarada como segura não venha a se romper. Obra do imponderável? Nada disso.
Não se avalia, por exemplo, se uma situação de liquefação do maciço não esteja em curso, levando-o a implodir em segundos.
Não se leva em conta o histórico de problemas do barramento e tampouco se crê na possibilidade de manipulação ou filtro dos dados. O Estado confia piamente na integridade da raposa diante de um galinheiro de lucros.
Tanto o Estado confia que não dá a devida atenção aos órgãos de controle. Em Minas Gerais, havia dois técnicos do DNPM para fiscalizar anualmente mais de três centenas de estruturas. E sem formação para isso, o que é estarrecedor. O TCU e o MPF alertaram o governo federal sobre essa precariedade, mas a confiança cega perdurou até que o rio Doce e as comunidades que vivem dele (e nele) sofressem a maior tragédia socioambiental do País e uma das maiores do mundo.
Agora Brumadinho, que se tornara famosa pelo museu Inhotim, comoveu a todos com o novo rompimento de uma barragem de rejeitos: em mortes de pessoas ocupará a infeliz estatística das maiores tragédias.
Ainda é cedo para dizer se a Vale S.A. cometera os mesmos deslizes de sua "joint-venture", a Samarco, mas pode-se afirmar que, desde 2015, nada mudou na Política Nacional de Segurança de Barragens, exceto em puxadinhos burocráticos.
Não houve alteração da lei 12.334, nem nos parâmetros que medem a segurança das barragens nem na total confiança do Estado nos responsáveis pelas barragens de mineração. A estrutura de fiscalização continua precária como antes.
O galinheiro ampliou seus atrativos, ainda mais depois do aumento do preço do minério de ferro —como de outros minerais não ferrosos. Não há raposa que não se sinta tentada a remexê-lo.
Se não houver uma alteração de comportamento empresarial nem na atitude do governo, a entenderem que gastos com segurança é investimento a ser incentivado e não custos a serem reduzidos, Mariana e Brumadinho estarão à espera de companhia. E perdemos todos dentro desse reino de descaso e insegurança.
Não se avalia, por exemplo, se uma situação de liquefação do maciço não esteja em curso, levando-o a implodir em segundos.
Não se leva em conta o histórico de problemas do barramento e tampouco se crê na possibilidade de manipulação ou filtro dos dados. O Estado confia piamente na integridade da raposa diante de um galinheiro de lucros.
Tanto o Estado confia que não dá a devida atenção aos órgãos de controle. Em Minas Gerais, havia dois técnicos do DNPM para fiscalizar anualmente mais de três centenas de estruturas. E sem formação para isso, o que é estarrecedor. O TCU e o MPF alertaram o governo federal sobre essa precariedade, mas a confiança cega perdurou até que o rio Doce e as comunidades que vivem dele (e nele) sofressem a maior tragédia socioambiental do País e uma das maiores do mundo.
Agora Brumadinho, que se tornara famosa pelo museu Inhotim, comoveu a todos com o novo rompimento de uma barragem de rejeitos: em mortes de pessoas ocupará a infeliz estatística das maiores tragédias.
Ainda é cedo para dizer se a Vale S.A. cometera os mesmos deslizes de sua "joint-venture", a Samarco, mas pode-se afirmar que, desde 2015, nada mudou na Política Nacional de Segurança de Barragens, exceto em puxadinhos burocráticos.
Não houve alteração da lei 12.334, nem nos parâmetros que medem a segurança das barragens nem na total confiança do Estado nos responsáveis pelas barragens de mineração. A estrutura de fiscalização continua precária como antes.
O galinheiro ampliou seus atrativos, ainda mais depois do aumento do preço do minério de ferro —como de outros minerais não ferrosos. Não há raposa que não se sinta tentada a remexê-lo.
Se não houver uma alteração de comportamento empresarial nem na atitude do governo, a entenderem que gastos com segurança é investimento a ser incentivado e não custos a serem reduzidos, Mariana e Brumadinho estarão à espera de companhia. E perdemos todos dentro desse reino de descaso e insegurança.
Sobre o autor
Procurador regional da República, coordenador da força-tarefa Rio Doce do MPF e da pós-graduação em direito ambiental e desenvolvimento sustentável da Escola Superior Dom Helder Câmara (MG)
Nenhum comentário:
Postar um comentário