1 de dezembro de 2020

A teoria das classes de Pierre Bourdieu

O que explica a enorme popularidade da teoria crítica de Bourdieu na academia e, particularmente, na sociologia dos EUA? Este ensaio examina duas respostas. Uma é que Bourdieu oferece uma explicação macrossociológica convincente da sociedade contemporânea, à altura daquelas de Marx, Weber ou Durkheim. Entretanto, um exame mais rigoroso mostra que Bourdieu falha nessa empreitada. Seu trabalho não oferece nem uma análise das classes ancorada empiricamente, nem uma explicação da reprodução ou da mudança sociais. Assim, concluo que a popularidade de Bourdieu não pode ser resultado do poder de suas explicações. Há, porém, uma segunda resposta: a sociologia de Bourdieu é popular por causa das condições sociais específicas à academia dos EUA hoje. Nesse contexto, em que intelectuais ganham recompensas ao perseguir uma estratégia de distinção, em que eles não têm muita conexão organizativa com os movimentos populares e em que seus interesses materiais se encontram na defesa de seus privilégios, a sociologia de Bourdieu é altamente atrativa. Ela efetivamente ressoa a experiência vivida dos acadêmicos e serve para articular seus interesses políticos mais fundamentais.

Dylan Riley

Catalyst


Tradução / Pierre Bourdieu foi um intelectual universal cujo trabalho se estende de investigações altamente abstratas e semi-filosóficas até pesquisas de survey, e cuja enorme influência contemporânea é comparável apenas àquela previamente desfrutada por Sartre ou Foucault. Nascido em 1930 em uma pequena cidade provinciana no sudoeste da França, onde seu pai era o carteiro local, ele fez seu caminho para o topo do sistema acadêmico francês, a École Normale Supérieur (ENS), recebendo a agrégation em filosofia em 1955. Diferentemente de outros normaliens de sua geração, Bourdieu não ingressou no Partido Comunista, embora seu colaborador próximo Jean-Claude Passeron tenha feito parte de uma célula comunista heterodoxa, organizada por Michel Foucault, e Bourdieu tenha sido claramente influenciado pelo marxismo althusseriano nesse período.1

Após sua agrégation, o plano original de Bourdieu era produzir uma tese sob a direção do eminente filósofo da ciência e epistemólogo histórico Georges Canguilhem. Mas sua carreira filosófica foi interrompida pelo recrutamento militar. Evidentemente como punição por suas opiniões políticas anticoloniais,2 o jovem acadêmico foi mandado para a Argélia, onde desempenhou serviço militar por um ano e subsequentemente decidiu permanecer, como professor na Faculdade de Letras da Argélia.3

A experiência argelina de Bourdieu foi decisiva para sua formação intelectual posterior; aqui ele se afastou da epistemologia em direção ao trabalho de campo, produzindo dois estudos etnográficos magistrais: Sociologie de l’Argérie e Esquisse d’une théorie de la pratique. A oposição do jovem acadêmico à guerra da Argélia, entretanto, colocou-o em perigo, e em 1959 ele retornou à França, assumindo o posto de assistente de ensino de Raymond Aron em 1961.4

Em 1964, Aron chamou Bourdieu para administrar seu Centro de Sociologia Histórica, financiado pela Fundação Ford, e nos anos seguintes Bourdieu reuniu em torno de si uma plêiade de colaboradores (Luc Boltanski, Yvette Delsaut, Claude Grignon, Jean-Claude Passeron e Monique de Saint-Martin) que o ajudariam a estabelecer uma escola extraordinariamente poderosa e produtiva. Durante esse período, Bourdieu voltou sua atenção para o sistema educacional francês, produzindo (com Jean-Claude Passeron) um par de trabalhos sobre a função reprodutiva da educação: Les héritiers, les etudiants et la culture e La reproduction.

Bourdieu rompeu com Aron em 1968 em reposta à condenação conservadora deste último aos protestos estudantis daquele ano. Durante o fim dos anos sessenta e começo dos anos setenta, Bourdieu lançou as bases de sua posição dominante na sociologia francesa, publicando uma grande variedade de trabalhos concernentes a questões teóricas e metodológicas essenciais. Em 1975, ele fundou a Actes de la recherche en sciences sociales, que se tornou uma fábrica de trabalhos do próprio Bourdieu e de seus estudantes. Por volta do final dos anos setenta e começo dos anos oitenta, seus principais trabalhos de maturidade apareceram: La distinction: critique sociale du judgement, Homo academicus, La noblesse d’État e Les règles de l’art, entre muitos outros.

Durante os anos 1990, Bourdieu se radicalizou, tornando-se o intelectual orgânico da gauche de la gauche, em cuja condição produziu La misére du monde, uma série massiva de entrevistas documentando os estragos causados na vida de pessoas comuns pelo neoliberalismo. Dado seu perfil intelectual e político, é bastante compreensível que Bourdieu fosse um inevitável ponto de referência para a esquerda intelectual contemporânea: um sociólogo brilhante e infatigável que combina a sofisticação intelectual de Lévi-Strauss ou Jean-Paul Sartre com o rigor empírico das pesquisas de survey e da etnografia anglo-americanas, ao mesmo tempo em que também leva adiante, especialmente durante o fim de sua vida, a venerável tradição francesa do intelectual engajado. De fato, a teoria social que ele criou por si próprio é, para a esquerda intelectual contemporânea, o que o neo-marxismo foi para os estudantes dos anos 1960.

De maneira distinta, entretanto, Bourdieu, ao mesmo tempo em que é atrativo para a vanguarda, também tem apelo no apático mainstream da ciência social estadunidense, cuja tolerância para importações francesas é geralmente bastante limitada. O que explica esse apelo notavelmente amplo? Este ensaio examinará duas explicações: a visão de que a teoria de Bourdieu é uma grande teoria sociológica (ou o que chamarei daqui por diante de uma teoria macrossociológica) como aquelas de Marx, Weber ou Durkheim, e uma visão contrastante, de que a sociologia de Bourdieu ressoa as condições sociais que caracterizam a elite acadêmica, especialmente nos Estado Unidos.

Teorias macrossociológicas são caracterizadas por sua ambição explicativa. Em particular, elas têm três características: elas relacionam divisões estruturais na sociedade a comportamentos observáveis; elas desenvolvem explicações para por que, haja vista essas divisões, as sociedades conseguem se reproduzir; e elas esboçam os processos por meio dos quais as sociedades mudam. Quando bem-sucedidas, essas teorias então oferecem alguma explicação sobre estratificação, reprodução e mudança sociais. A teoria da luta de classes e dos modos de produção de Marx, a sociologia da dominação de Weber ou a explicação da divisão do trabalho, da anomia e da solidariedade social de Durkheim são todas, nesse sentido, teorias macrossociológicas. O trabalho de Bourdieu também se apresenta como tal, mas um exame rigoroso revela que suas explicações são frequentemente tautológicas ou fracas. De fato, este ensaio endossa fortemente a afirmação de Philip Gorske de que “a obra de Bourdieu não contém uma teoria geral da mudança social”.5

Isso, eu argumento, coloca um problema: se a sociologia de Bourdieu é em grande parte não-explicativa, sua popularidade atual não pode ser explicada pelo poder de sua macrossociologia.

Volto-me, então, para a segunda explicação, sugerindo que o apelo de Bourdieu está baseado na incomparável habilidade de seu trabalho de articular as experiências e as esperanças políticas da elite acadêmica no período contemporâneo. Eu identifico três traços da sociologia de Bourdieu que a tornam atrativa para esse grupo. Primeiro, como a análise de redes, sua ontologia social básica ressoa a experiência vivida das elites acadêmicas, que são as principais consumidoras dessa teoria social. Segundo a sociologia de Bourdieu oferece possibilidades de relevância política para uma intelligentsia com pouca relação organizativa com as forças populares. Em particular, a explicação do poder simbólico de Bourdieu promete uma transformação do mundo social através de uma transformação das categorias através das quais o mundo social é entendido. A mudança social, então, pode ser alcançada sem a identificação de um agente externo não-acadêmico que possa levar adiante a mudança. Em um período em que tal agente social está longe de ser aparente, o apelo de atalhos políticos desse tipo é óbvio. Terceiro, a sociologia de Bourdieu oferece uma defesa altamente potente dos privilégios da vida acadêmica. Uma parte considerável da energia política de Bourdieu foi dedicada a defender a autonomia da academia: em um momento inicial, sua autonomia da política; em um momento posterior, sua autonomia da economia. Sua sociologia, portanto, pode apelar simultaneamente aos impulsos reformistas da ala “engajada” da sociologia e aos impulsos conservadores de sua ala profissional.

A sociologia de Bourdieu examinada como uma teoria macrossociológica

Antes de adentrar na análise, é necessário introduzir a terminologia básica de Bourdieu. Ainda que possa parecer abstrato, infelizmente isso é indispensável para entender seu trabalho. Há quatro conceitos centrais na sociologia de Bourdieu: capital, habitus, campos e poder simbólico.

Capital se refere a recursos. Bourdieu identifica três variedades principais: econômico (entendido basicamente como renda e propriedade), social (entendido basicamente como contatos) e cultural (educação informal, objetos culturais e credenciais). Ele pode ser medido em duas dimensões: quantidade e estrutura. Assim, agentes particulares podem possuir mais ou menos quantidade de capital, e seu capital pode ser estruturado em diferentes proporções. Consequentemente, embora dois “agentes” possam ter no total a mesma quantidade global de capital, um pode ter uma proporção maior de capital cultural, e o outro, de capital econômico.6 De modo geral, o volume e a estrutura do capital determinam a “posição no espaço social” ou a posição de classe de alguém. A divisão inicial das classes no esquema de Bourdieu é entre aqueles com alto e baixo capital total, mas dentro de cada uma dessas classes há uma diferença posterior entre aqueles com maior proporção de capital econômico ou cultural. O conceito de capital deveria, assim, fornecer um mapa das principais divisões sociais na sociedade contemporânea.

O habitus é uma série de disposições pré-conscientes, incluindo gostos, um senso de si próprio, posições incorporadas e, crucialmente, habilidades ou “senso prático”. O habitus é estabelecido inicialmente na família, mas em sociedades “diferenciadas” a escola também desempenha um papel-chave. Em geral, o habitus produz padrões de comportamento que reproduzem o agente social na posição que ele ou ela atualmente ocupam.7 Mais especificamente, o habitus traduz diferentes posições de classe, especificadas por diferentes formas de capital, em comportamentos observáveis.

Os campos são jogos sociais agonísticos nos quais os agentes lutam por alguma recompensa definida socialmente, tais como lucro ou prestígio. Embora haja um número não-especificado de tais campos, o campo econômico, o campo político e o campo da produção cultural estão entre os mais importantes. Bourdieu vê a realidade social como composta fundamentalmente de campos, e a ação social, como ação nos campos. As consequências da generalização do uso dessa metáfora são profundas, e eu as examino em detalhe na seção subsequente.

O pilar final da sociologia de Bourdieu é o conceito de poder simbólico. O poder simbólico deriva do reconhecimento errôneo [misrecognition]iii das relações sociais historicamente contingentes, em especial das regras que governam um campo particular, como se elas fossem dadas pela natureza.8 Esse desconhecimento do caráter arbitrário das regras que governam os campos é um elemento crucial da teoria da reprodução de Bourdieu.

Para resumir, o esquema conceitual geral de Bourdieu é este: os recursos das pessoas (capital) produzem uma estrutura de personalidade (habitus) que gera tipos particulares de comportamento em contextos de jogos sociais particulares (campos). Esses contextos são, então, reproduzidos de maneira estável, porque o processo que relaciona capital, habitus e campo é sistematicamente distorcido pelo conhecimento leigo que serve para legitimar a distribuição desigual dos recursos existentes (poder simbólico). Bourdieu usa esses conceitos para desenvolver uma explicação da estratificação, da reprodução e da mudança sociais. Sua ambição, então, é desenvolver uma teoria social do mesmo alcance e potência que as teorias sociais clássicas de Marx, Durkheim e Weber. Ele teve êxito?

Capital e habitus: uma nova teoria das classes?

Uma das afirmações fundamentais de Bourdieu é que o habitus, entendido como um sistema de disposições, apreciações e senso prático, é um produto da posição de classe, e mais especificamente um produto do volume e da estrutura de capital que os agentes possuem.9 O habitus é um quadro de referência pré-consciente ou um “mecanismo gerador” que opera de modo análogo em uma variedade ampla de diferentes contextos10 e, assim, forma uma variedade enorme de comportamentos. O habitus fornece o quadro de referência básico dos gostos culturais;11ele incorpora um fundo de conhecimentos tácitos12 e até mesmo molda orientações para o corpo. Como Bourdieu escreve, “o habitus produz práticas individuais e coletivas, portanto história, que se conforma aos esquemas engendrados pela história”.13 Sua afirmação, portanto, é que há uma conexão íntima entre esse esquema profundo e poderoso e a posição de classe. Consequentemente, seria possível demonstrar que diferentes habitus são o resultado de diferentes “volumes” e “estruturas” de “capital” possuídos pelos agentes em campos específicos.

Um domínio privilegiado para estudar o habitus é o gosto, porque gostos tornam tangíveis disposições e esquemas de apreciação. Assim, como um modo de demonstrar empiricamente a conexão entre classe e habitus, Bourdieu tenta demonstrar uma conexão entre a posição de classe e as diferenças nos
gostos estéticos.14 Seu trabalho nessa área, entretanto, sofre de dois problemas. Bourdieu falha tanto em especificar um significado do termo “classe” manejável empiricamente como em mostrar qualquer evidência convincente da existência de “habitus” no sentido de um “mecanismo gerador” que possa ser aplicado a numerosos domínios. Isso é mais evidente no livro que muitos consideram ser sua obra-prima, La distinction.

Poder-se-ia esperar que um livro sobre classe e gosto, tal como La distinction, começasse com uma conceitualização de classe. A tese geral de Bourdieu é que a classe dominante, definida frouxamente como consistindo naqueles com alto capital cultural e econômico, tem um “gosto de liberdade”, expresso em sua relação estetizante e desinteressada com a cultura, enquanto a classe dominada, consistindo naqueles com baixo capital total, tem um “gosto de necessidade”, expresso em um interesse por objetos concretos e tangíveis.15 Essas afirmações são muito ambíguas. Um dos problemas é que Bourdieu infla a noção de classe em La distinction a um ponto tal que ele enfraquece sua utilidade como conceito para a pesquisa empírica. Assim, ele escreve:

A classe social não é definida por uma propriedade (nem mesmo a mais determinante delas, como o volume e a composição do capital), nem por uma coleção de propriedades (de sexo, idade, origem social, origem étnica – proporção de pretos e brancos, por exemplo, ou nativos e imigrantes –, renda, nível educacional etc.), nem mesmo por um cadeia de propriedades desdobradas de uma propriedade fundamental (posição nas relações de produção) em uma relação de causa e efeito, condicionante e condicionada; mas pela estrutura de relações entre todas as propriedades pertinentes que dá a cada uma delas seu valor específico e os efeitos que elas exercem nas práticas.16

Uma apresentação similar aparece em um estudo preparatório anterior em coautoria com sua colaboradora Monique de Saint-Martin: “As variações de acordo com a classe ou as frações de classe das práticas e dos gostos que elas revelam (ver figuras 1 e 2) estão organizadas de acordo com uma estrutura que é homologa às variações de capital econômico e escolar e à trajetória social”.17 Vale a pena analisar um pouco ambas as passagens. Na primeira, Bourdieu diz que a classe social não é “definida” por nenhuma propriedade particular, mas, em vez disso, pela “estrutura de relações entre todas as propriedades pertinentes”. Mas ele nunca explica quais “estruturas de relações” produzem quais classes. Ademais, embora invoque “propriedades pertinentes”, ele não fornece nenhuma explicação de que “propriedades pertinentes” devem ser usadas para distinguir classes, então invocar relações entre elas não é algo particularmente esclarecedor.

A segunda passagem é igualmente problemática. Bourdieu aqui adiciona duas dimensões novas e não teorizadas à classe: capital escolar e trajetória. Mas sua relação com o capital econômico e cultural, suas principais dimensões de divisão social, não é explicada. Por exemplo, não fica claro nunca se capital escolar é uma forma de capital cultural ou um tipo completamente separado de capital. É possível, por exemplo, ter pouco capital cultural mas muito capital escolar? Em todo caso, para decifrar isso, o leitor é referido às “figuras 1 e 2”, as quais reaparecem de modo famoso em La distinction como o “espaço das posições sociais” e o “espaço dos estilos de vida”.18 Essas figuras aparecem para mostrar a correspondência entre gostos e classes no sentido bourdieusiano, mas, uma vez que foram construídas de acordo com a definição ampla de classe acima, elas não conseguem fazê-lo. As figuras contêm informações sobre número de filhos, horas trabalhadas por semana e tamanho da cidade de origem da “classe”, assim como se os grupos ocupacionais em questão estão se expandindo ou se contraindo demograficamente (o que é indicado por setas), nenhuma delas claramente tendo a ver com “classe” no sentido que Bourdieu conceitualiza ou em qualquer outro.

A tentativa de Bourdieu de explicar o habitus como um resultado da classe está, assim, viciada por uma fraqueza conceitual básica. Ele não explica como seus indicadores de “classe” se conectam com seu mapa das classes teórico. Assim, seu esquema das posições do espaço social contém uma série de diferenças sociais aparentemente irrelevantes (do ponto de vista da análise de classes). Isso cria um problema sério para seu trabalho sobre classes e gostos porque, na ausência de um conceito claro de classe, qualquer diferença no gosto em qualquer dimensão social registrada em seu survey se torna evidência de uma diferença de classe no habitus. Paradoxalmente, então, para um livro frequentemente considerado como um clássico da teoria sociológica, La distinction sofre de um erro comum da pesquisa social empiricista: os conceitos e indicadores que Bourdieu usa se solapam uns aos outros, então qualquer variedade de evidências poderia parecer compatível com seu argumento. A teoria das classes e do habitus de Bourdieu, então, carece de conteúdo empírico no sentido técnico de que não é claro que evidência é imaginavelmente incompatível ou inconsistente com sua explicação. A afirmação de que a posição de classe determina o habitus é, assim, bastante similar à afirmação que Karl Popper cita como exemplo de uma afirmação não-empírica: “Vai chover ou não vai chover amanhã”.19 Sendo compatível com qualquer evidência concebível, a explicação de Bourdieu enfraquece sua condição elucidativa.

Às vezes Bourdieu parece tentar resolver esse problema recorrendo à afirmação tautológica de que o habitus é, na verdade, um indicador da classe, em vez de um resultado dela. Há uma justificativa conceitual para essa afirmação em muito do seu trabalho. Bourdieu frequentemente discute o habitus como uma internalização da posição de classe e, em seu trabalho sobre o capital, ele fala do habitus como uma forma incorporada de capital.20 Nesse caso, presumivelmente, diferenças no gosto poderiam elas próprias ser um indicador do “habitus de classe”.21 Assim, Gorski sustenta que “na visão de Bourdieu, a posição social [classe] influencia a disposição individual [habitus], e vice-versa [!], ad infinitum, se não de um jeito totalmente determinado ou inelutável”.22 Mas isso, obviamente, presumiria o “atributo de classe” [“classness”] do habitus, que é precisamente o que a análise de Bourdieu deveria demonstrar. Definir o habitus como uma “incorporação” da classe é enfraquecer a agenda explicativa de tentar demonstrar uma relação entre eles.

Esses problemas de conceitualização não são preocupações teóricas abstratas. Eles introduzem profunda ambiguidade nas especificidades das evidências de Bourdieu. Por exemplo, entre as partes mais fortes das evidências de Bourdieu está a tabela mostrando diferenças no percentual de entrevistados que descrevem certos objetos como constituindo potencialmente uma “foto bacana”. Bourdieu divide os entrevistados em três “classes” ou grupos de ocupação. São elas: as classes populares, a classe média (artesãos, trabalhadores de escritório, técnicos e a “nova pequenaburguesia”) e as classes dominantes (empregadores independentes, engenheiros, profissões liberais e professores). Os resultados da tabela são sugestivos, mostrando que somente 1% dos artesãos acha que um acidente de automóvel pode resultar em uma foto bacana, enquanto 17% dos professores e produtores artísticos têm essa visão. De modo similar, enquanto 37% dos educadores e produtores culturais pensam que couves poderiam resultar em uma foto bacana, apenas 7% dos entrevistados da classe trabalhadora pensam isso.23

Explicando esse padrão, Bourdieu afirma que a “capacidade de pensar como bonito ou, melhor, como suscetível a uma transformação estética... é fortemente vinculada ao capital cultural herdado ou adquirido escolasticamente” (ênfase minha).24 Note-se o sintomático deslizamento entre “herança” e “aquisição escolar”. Não é possível enfatizar suficientemente como somente a primeira dessas interpretações é consistente com o conceito de habitus de Bourdieu como determinado (em parte) pelo “capital cultural”. Isso porque o habitus de classe não é algo adquirido num processo educacional secundário. De fato, em um trabalho anterior Bourdieu havia rejeitado especificamente a noção de que o habitus pudesse ser fundamentalmente alterado pela educação; escolas, de acordo com ele, transmitem em grande parte as diferenças pré-existentes no “habitus primário” criado pela socialização anterior.25 Portanto, “capital cultural adquirido escolasticamente” não é realmente capital cultural: ele é simplesmente escolarização. As evidências de Bourdieu a partir das fotografias, então, embora estejam entre as partes mais fortes dos dados em La distinction, dificilmente são decisivas, uma vez que compatíveis com dois modos inteiramente diferentes, e de fato fundamentalmente opostos, de explicação para os padrões de resposta.26 É bastante possível que as evidências do survey de Bourdieu sejam profundamente estranhas à teoria do habitus, porque o que as evidências podem mostrar é a importância da pedagogia mais do que da origem de classe.27

Ademais, toda a noção de um habitus coerente, determinado pela classe ou de outro modo, não é bem sustentada pelas evidências de Bourdieu. Lembrando, o habitus não pode ser indicado por diferenças em um domínio particular do gosto. Se ele é um “mecanismo gerador”, ele deveria produzir diferenças similares em uma ampla variedade de domínios. Para sustentar esse ponto, Bourdieu apresenta evidências não apenas nos gostos mas também na frequência de várias atividades: “faça-você-mesmo”, “fotografia”, “discos”, “pintura”, “instrumentos musicais”, “Louvre e a Galeria de Arte Moderna”, “música ligeira” e “notícias”. As evidências de Bourdieu aqui demonstram algumas diferenças intrigantes. Assim, enquanto 63% das classes trabalhadoras reportaram com frequência atividades “faça-você-mesmo”, apenas 40% das classes altas fizeram o mesmo. Similarmente, enquanto 16% dos professores e produtores artísticos reportaram pintura, somente 4% dos entrevistados das classes trabalhadoras fizeram o mesmo.28

Mas não é simplesmente o caso que as evidências de Bourdieu sugiram diferenças similares nos gostos em diferentes domínios amplamente variados ou mesmo em domínios singulares de gosto. Desse modo, na área das atividades culturais, as evidências mostram que a frequência a museus é fortemente moldada pela “classe” (no sentido frouxo dos grupos profissionais), mas fotografia e filmes em casa mostram relativamente pouca diferença, com 50% da classe trabalhadora engajada nessas atividades, ante 59% das classes médias e 65% das classes altas.29

Mesmo em áreas altamente concentradas, como gosto em cinema, a ideia de um único habitus de classe transponível não parece ser sustentada. Por exemplo, um survey sobre “filmes vistos”, que dividia os entrevistados em quatro categorias (“serviços médico-sociais”, “secretários e executivos comerciais juniores”, “trabalhadores de escritório” e “pequenos comerciantes e artesãos” – categorias, de novo, apenas remotamente relacionadas à teoria de Bourdieu), descobriu que as preferências diferiam nesses grupos para alguns filmes (The Trial, Vice and Virtue e Salvatore Giuliano). Entretanto, outros filmes no mesmo survey eram apreciados pelos quatro grupos ocupacionais.30

Esta breve discussão das evidências de Bourdieu sugere que elas são insuficientes para sustentar sua afirmação de que existia um “habitus de classe” distintivo na França dos anos 1960 e 1970. Sobre alguns itens muito específicos havia diferenças, mas elas podem ter tido a ver tanto com acesso a educação, tempo livre e recursos quanto com o profundo esquema gerador do “habitus de classe”. De fato, Bourdieu mostra poucas evidências de um habitus consistente e transponível de qualquer tipo operando similarmente em diferentes atividades culturais. Em vez disso, alguns tipos de atividade e gosto parecem relevantes para a classe, outros nem tanto.

Como um dos mais criteriosos interlocutores de Bourdieu colocou a questão: “Ocupação [em La distinction] está correlacionada com hábitos de consumo e com indicadores de disposições, mas com frequência de modo bastante fraco”.31 Resumindo, Bourdieu produz muito pouca evidência para mostrar que diferentes classes, como especificadas pela posse diferencial de capital cultural e econômico, produzem diferentes habitus. Não apenas as categorias profissionais em seus surveys têm uma relação indeterminada com seu conceito de classe, também suas evidências empíricas sobre o habitus não indicam de modo convincente que exista um “mecanismo gerador” unificado do gosto.

A discussão acerca desse ponto presumiu que o projeto principal de Bourdieu em La distinction e em estudos relacionados era mostrar que o habitus estava arraigado em diferenças de classe. Mas ele simultaneamente apresenta uma segunda explicação muito diferente. Após a primeira metade do livro esboçar a teoria do habitus e tentar documentá-lo, o capítulo seis começa com a afirmação desconcertante de que “as diferentes classes sociais diferem não tanto na medida em que elas reconhecem a cultura, mas na medida em que elas a conhecem”.32 Essa diferença entre conhecimento (connaissance) e reconhecimento (reconnaissance) forma a base da “boa vontade cultural” que Bourdieu considera ser característica da pequena-burguesia. Basicamente, seu argumento aqui é que uma ampla extensão do gosto médio é orientada para a busca de substitutos da alta cultura legitimada. Isso leva a uma superestimação do consumo de objetos “pretensamente” culturais, objetos que fingem ser alguma outra coisa que eles não são: pequenas copa-cozinhas em oposição a cozinhas, coleções de selo em oposição a coleções de arte, cantos decorados em oposição a cômodos.33

Bourdieu continua esse estilo de análise quando argumenta que o habitus das classes trabalhadoras é marcado por uma “aceitação da dominação”, evidenciada não apenas pela “ausência de bens de luxo” como também pela “presença de numerosos substitutos baratos para esses bens raros, ‘vinho branco frisante’ por champanhe, imitação de couro por couro de verdade, reproduções por pinturas”. Isso, de acordo com Bourdieu, são “indícios de uma despossessão no segundo poder, que aceita a definição dos bens dignos de serem possuídos”.34

Essas passagens provocaram intensas críticas como sendo “paternalistas” e por irem contra evidências consideráveis da autonomia cultural da classe trabalhadora.35 O que foi menos notado é o quão a análise da boa vontade cultural de Bourdieu está profundamente em desacordo com sua explicação anterior do habitus de classe. De fato, todos os seus escritos sobre cultura estão marcados por duas afirmações formalmente incompatíveis: de um lado, que cada classe, ou mais amplamente grupos sociais, tem seu próprio habitus e, portanto, seus próprios esquemas de percepção e apreciação (gostos); de outro lado, que a pequena-burguesia e a classe trabalhadora são dominadas pelos esquemas de percepção da classe dominante.

Evidentemente, entretanto, pelo fato de serem dominadas culturalmente, a pequena-burguesia e a classe trabalhadora têm de compartilhar ao menos alguns elementos do habitus da classe dominante, já que um dos elementos-chave do habitus é precisamente essas “categorias de percepção e apreciação”36 através das quais cada objeto cultural particular vem a ser reconhecido como legítimo. Se classes diferentes realmente têm habitus diferentes, como é sugerido pela primeira posição de Bourdieu, poderia não haver relações de dominação cultural entre elas. Cada classe poderia simplesmente habitar um universo simbólico paralelo com seus próprios “valores”. Defender simultaneamente ambos os argumentos é incoerente.

A explicação de Bourdieu para a conexão entre o habitus e a classe, para resumir, sofre de três problemas básicos. Primeiro, uma vez que Bourdieu não oferece uma conceitualização clara de classe, não é claro como as diferenças no gosto que ele descobre se relacionam com diferenças de classe em qualquer sentido. Segundo, mesmo aceitando que as categorias ocupacionais que ele usa representam de algum modo as classes, os padrões que ele descobre são incompatíveis com a teoria do habitus. Bourdieu não apresenta evidências de que os entrevistados possuem um “mecanismo gerador” que possa ser visto operando em amplos domínios da cultura. Na verdade, suas evidências apontam na direção oposta: que algumas formas muito específicas de práticas culturais estão fortemente relacionadas a alguns grupos ocupacionais enquanto outras não estão. Terceiro, Bourdieu está de fato trabalhando implicitamente com dois modelos incompatíveis de relacionamento entre cultura e classe, um que concebe o habitus como estratificado por classe e outro que o concebe como compartilhado entre as classes. Assim, basicamente, a sociologia de Bourdieu não é bem-sucedida como teoria macrossociológica porque ele falha em relacionar divisões sócio-estruturais subjacentes a comportamentos observáveis.

Reconhecimento errôneo e sistema escolar: a explicação da reprodução de Bourdieu

Volto-me, agora, à avaliação do trabalho de Bourdieu na segunda dimensão: sua explicação da reprodução social. Bourdieu, é claro, nota a perversa desigualdade do capitalismo moderno. Isso impõe um problema muito familiar para a tradição do marxismo ocidental. Dadas as óbvias desigualdades e injustiças do capitalismo contemporâneo, como é possível que tais sociedades possam se reproduzir estavelmente através do tempo?37 A resposta de Bourdieu para esse problema inegavelmente real é o poder simbólico, que pode ser melhor compreendido como “a habilidade de fazer parecer natural, inevitável e, desse modo, apolítico aquilo que é um produto de lutas históricas”, nas palavras de Mara Loveman.38 A explicação do poder simbólico de Bourdieu se compara à teoria da ideologia do marxista francês Louis Althusser.39 Bourdieu, como Althusser, afirma que o reconhecimento errôneo do mundo social é uma pré-condição para a ação; portanto, um entendimento falso, imaginário ou incorreto do mundo social é a condição universal padrão dos atores na sociedade capitalista. Ademais, como Althusser, ele enfatiza que essa condição de reconhecimento errôneo universal é reforçada pelo sistema escolar. Portanto, a escola é o mecanismo institucional central da reprodução social sob o capitalismo. Para examinar essa explicação da reprodução social, é necessário primeiro ter uma ideia geral de por que Bourdieu pensa que o reconhecimento errôneo é universal.

Bourdieu vê o reconhecimento errôneo como universal porque, como observado anteriormente, ele vê a sociedade como feita de uma série de jogos competitivos chamados campos. Cada campo, exatamente como um jogo, tem suas próprias regras e recompensas. Assim, por exemplo, o campo da economia é definido por uma luta competitiva entre empresas por lucro. Mas há também o campo da produção cultural, um campo intelectual e um campo do poder político. Cada um desses campos tem recompensas análogas a lucros, tais como prestígio intelectual ou poder político.40 A ubiquidade dos campos reforça a ubiquidade do reconhecimento errôneo; para ser um jogador em um jogo, não se pode questionar constantemente as regras do jogo apontando sua arbitrariedade ou seu caráter de construção histórica. Questionar as regras do jogo significaria não mais jogar, mas preferir observar.41 Na concepção de Bourdieu, os jogadores dos jogos desconhecem o caráter arbitrário das regras que governam sua ação tanto que eles as tomam como dados inquestionáveis. Para resumir, se ser um agente social é ser como um jogador em um jogo, e ser um jogador em um jogo requer submissão às regras arbitrárias do jogo, então a ação implica o reconhecimento errôneo. Admitida, há elementos ambíguos nessa explicação do reconhecimento errôneo. (Jogar basquete realmente requer que se suprima a compreensão de que as regras do jogo são um produto arbitrário da história?) Mas a questão verdadeiramente fundamental é diferente: os jogos agonísticos (campos) são uma boa metáfora para a vida social em geral?42 É impressionante como raramente essa questão foi colocada, dado o enorme montante de energia que acadêmicos têm devotado a definir os campos, clarificar as ambiguidades do uso do termo por Bourdieu e aplicar a noção em trabalhos empíricos. A metáfora lúdica que subjaz à ideia de campo e seu corolário do reconhecimento errôneo universal permanece um pressuposto não examinado na literatura sobre Bourdieu e influenciada por ele.

Um problema geral com a visão lúdica ou de campos do social é que há muitas zonas da vida social que não são configuradas como jogos. Uma delas é o mundo do trabalho, no sentido da transformação e criação material. Mesmo nas condições mais exploradoras e alienadas, o trabalho envolve um esforço coletivo de transformação e, portanto, é orientado por um projeto, não por “tomadas de posição” ou “distinção” em um campo. Ademais, não é claro por que a participação em um processo de trabalho requereria, como submissão às regras do jogo, o reconhecimento errôneo, como nos campos de Bourdieu. De fato, processos de trabalho eficazes, como claramente tanto Marx quanto Weber os entendem, requerem monitoramento constante e reflexivo das consequências dos vários cursos da ação.

Um outro tipo chave de ação que parece escapar à metáfora dos campos são os movimentos sociais, especialmente os movimentos sociais revolucionários, que com frequência são explicitamente orientados para identificar e desafiar as regras do jogo social não reconhecidas anteriormente. Assim como no caso do trabalho, a ação social aqui parece requerer uma ruptura com o reconhecimento errôneo em vez de submissão a ele.

Um tipo final de interação social que fica de fora da metáfora dos campos é a interação orientada para a comunicação. Novamente, esse tipo de estrutura social não pode ser entendida como um campo de competição no sentido bourdieusiano, porque os entendimentos mútuos são resultado da interpretação mútua e empática, não da distinção agonística.

Tudo isso sugere que a teoria da reprodução social de Bourdieu é altamente questionável na medida em que depende da universalização da metáfora lúdica/dos campos. Há pouca razão para pensar que jogos competitivos, e o necessário reconhecimento errôneo que ocorre neles de acordo com Bourdieu, esgotam a totalidade das relações sociais; como consequência, parece implausível que o poder simbólico como reconhecimento errôneo possa funcionar como explicação geral da reprodução social.

Bourdieu oferece, além da ideia geral do reconhecimento errôneo, uma teoria da reprodução mais específica e institucionalmente arraigada, focada no sistema escolar. Ele postula uma transformação fundamental na sociedade moderna do modo de reprodução “familiar” para o de reprodução “escolar”. No modo de reprodução familiar, recursos e propriedades são passados adiante através da família. No modo de reprodução escolar, eles são pelo menos parcialmente investidos em uma educação que então fornece ao herdeiro um certificado. Bourdieu argumenta que esse segundo modo oferece legitimidade muito maior para as classes dominantes do que o modo familiar, e que essa legitimidade aumenta na medida em que o sistema escolar se torna crescentemente autônomo do controle direto da classe econômica dominante.43 Como Bourdieu e Passeron expressaram o argumento:

Nada é melhor projetado do que os exames para inspirar o reconhecimento universal da legitimidade dos vereditos acadêmicos e das hierarquias sociais que eles legitimam, uma vez que levam os autoeliminados a contar a si próprios entre aqueles que falham, enquanto habilitam aqueles eleitos em um pequeno grupo de candidatos elegíveis a ver em sua eleição a prova de um mérito ou uma “dádiva” que os teriam levado a ser preferidos a todos os outros em quaisquer circunstâncias.44

Escolarização e exames, assim, traduzem as desigualdades de classe em desigualdades de mérito, legitimando essas desigualdades ao mesmo tempo aos olhos das classes dominantes e subordinadas. De acordo com Bourdieu, a classe dominante contemporânea é, em grande medida, uma elite credenciada.45 Para lembrar, esse também é o argumento de Althusser: que a escola é uma instituição chave na reprodução do capitalismo.

Está além do escopo deste artigo engajar-se completamente nos debates sobre o papel da escolarização na reprodução capitalista. Dois pontos, entretanto, valem ser indicados. O primeiro é que a explicação da reprodução de Bourdieu por meio da escolarização é fortemente dependente do caso francês. O sistema escolar francês, com seu enorme prestígio e grau relativamente alto de autonomia em relação às classes de negócio, está intimamente associado às dinâmicas particulares do desenvolvimento social francês, caracterizado, como vem acontecendo desde pelo menos 1789, por um Estado poderoso e centralizado, ocupado por um quadro burocrático altamente educado, e um capitalismo industrial relativamente sem destaque. Assim, embora possa ser verdadeiro que credenciais desempenham um papel absolutamente crucial em legitimar as relações sociais capitalistas na França, dado seu padrão particular de desenvolvimento, há pouca razão para ver isso como um fenômeno geral.46 Entretanto, a reprodução capitalista certamente é um fenômeno geral, tornando duvidosa a invocação do sistema escolar como uma explicação adequada para a reprodução do capitalismo em si. O capitalismo dos EUA, o caso tanto mais avançado quanto arquetípico, coloca-se como uma instância de refutação. Tem havido pouca correlação, mesmo nos níveis mais altos, entre a vitória na concorrência, o sine qua non para o sucesso capitalista, e as realizações educacionais entre os donos de negócios/empreendedores. De fato, a cultura da classe capitalista dos EUA tem tendido a ser desdenhosa em relação ao treino
universitário formal, comparado à experiência industrial prática; mas isso tem tido pouca consequência negativa na legitimação do capital nos EUA.

O segundo problema com a explicação da reprodução de Bourdieu é mais analítico. Embora a questão da reprodução social só tenha realmente sentido no contexto de uma teoria do capitalismo como intrinsecamente conflituoso, desigual e instável, Bourdieu nunca teorizou sobre o capitalismo. De fato, o termo capitalismo, em contraste com o de capital, quase não aparece em seu trabalho. Essa lacuna enfraquece sua explicação da reprodução, porque ele falha em ver que há razões materiais muito boas para os produtores diretos apoiarem os capitalistas, independentemente do sistema educacional ou do reconhecimento errôneo.47 Pelo fato de os lucros capitalistas serem uma condição do crescimento econômico e do emprego, é possível que seja do interesse material de trabalhadores individuais ou de grupos de trabalhadores apoiar os lucros e, a fortiori, as relações de produção capitalista. Como consequência, o capitalismo, muito mais do que os outros sistemas de produção, possui uma potencial “base material de consenso” – independentemente de quaisquer outros mecanismos.48

Finalmente, a negligência de Bourdieu em relação à democracia eleitoral como um mecanismo potencial de reprodução é também digna de nota. A democracia, no sentido schumpeteriano básico, para começar, de um sistema institucional para estabelecer uma alternância de elites políticas, está quase completamente ausente do trabalho de Bourdieu.49 Em sua monumental palestra Sur l’État, Bourdieu menciona a democracia de passagem em sua discussão da opinião pública, em seu brevíssimo resumo do trabalho de Barrington Moore, e como uma ideologia do imperialismo estadunidense.50 Em outro trabalho, ele desenvolve a ideia do campo político e uma explicação sofisticada da relação entre lideranças e seguidores partidários.51 Mas mesmo em seu artigo seminal sobre a representação política, em que se poderia esperar uma discussão dos sistemas partidários, do voto e dos parlamentos, não há quase análise sobre esses assuntos; em vez disso, sua discussão se volta para a ideia de que os representados são expropriados de seus meios de representação política.52 De fato, mesmo um observador altamente empático admite que seu trabalho em grande parte ignorou os tópicos padrões da sociologia política, limitando seu impacto nesse campo.53

Essa negligência da democracia é particularmente surpreendente porque as eleições parecem muito mais diretamente relacionadas à legitimação da autoridade política do que o sistema escolar;54 de fato, as eleições são um exemplo chave do prolongamento da “cadeia de legitimação”55 que ele entende como crucial para a estabilidade da ordem política moderna. As eleições constituem uma igualdade política semifictícia que mascara as desigualdades reais e faz o Estado aparecer como a expressão de uma nação constituída de cidadãos formalmente iguais. Nas eleições, os indivíduos não aparecem como membros de classes sociais ou outros grupos de interesse.56 Assim, as eleições estabelecem uma relação altamente individualizada com o Estado, criando problemas cruciais para movimentos coletivos que buscam transcender ou transformar o poder estatal e o capitalismo. Os interesses de classe em democracias eleitorais são delegados a representantes desses interesses e nem classes nem massas em geral exercem pressão política direta relevante sobre o Estado.57

Seria difícil argumentar, então, que Bourdieu oferece uma explicação convincente da reprodução capitalista. Na medida em que sua teoria está baseada no reconhecimento errôneo, ela repousa sobre a implausível extensão da metáfora lúdica dos campos para todas as relações sociais. Na medida em que ela está baseada no sistema escolar, ela generaliza a especificidade do caso francês enquanto ignora os poderosos mecanismos econômicos e políticos que também operam para estabilizar o capitalismo. Desse modo, a teoria de Bourdieu não atende com sucesso ao segundo critério de uma teoria macrossociológica. Ele não tem uma explicação plausível da reprodução social.

Privação relativa e intelectuais: uma teoria bourdieusiana da transformação social?

Volto-me, agora, para o entendimento da transformação social de Bourdieu. É necessário começar notando que a metáfora dos campos cria severos obstáculos para qualquer explicação convincente da mudança social; reduzindo a vida social a um jogo agonístico, ela impede a própria possibilidade de ação coletiva e propositiva, uma vez que toda ação é constituída pela tomada de posição em um campo cujas regras em si são tratadas como inquestionadas.58 Portanto, qualquer explicação da mudança social que Bourdieu produza deve ser sem uma noção forte de agência coletiva.

Os constrangimentos que a metáfora dos campos coloca para uma teoria da transformação são melhor demonstrados pelo exame da sociologia política de Bourdieu, em que ele a mobiliza largamente. Sua afirmação central sobre a política é que as oposições entre os representantes políticos explicam mais sobre suas visões do que as relações deles com suas bases eleitorais ou sociais. Para entender qualquer posição política específica, portanto, “é ao menos tão necessário conhecer o universo de posições oferecido pelo campo quanto as demandas dos leigos (a ‘base’) daqueles de quem eles são os representantes declarados por assumir essas posições: a tomada de uma posição, a palavra diz isso maravilhosamente, é um ato que não tem sentido exceto relacionalmente, na e pela diferença, a disparidade distintiva”.59 São então as posições diferenciais no campo da política que explicam aquilo pelo que os políticos lutam. Há uma verdade óbvia nessa abordagem em relação à política moderna, embora ela dificilmente seja original de Bourdieu.60

Entretanto, tratando a política como um jogo eleitoral ou “campo”, Bourdieu lamentavelmente não está aparelhado para abordar os eventos políticos decisivos que criam o mundo moderno e, assim, devem ser centrais para qualquer explicação plausível da mudança social: a Guerra Civil Inglesa, a Revolução e a Guerra Civil Americanas, a Revolução Francesa, a Unificação Alemã ou o Risorgimento Italiano. Esse vazio explicativo não é acidental, nem tem a ver com a ausência de evidências apropriadas ou uma aversão à “filosofia da história”, como o próprio Bourdieu algumas vezes sugere. Isso é, ao contrário, uma consequência da metáfora dos campos. Essa metáfora não pode ser usada para explicar essas lutas revolucionárias porque elas rompem o padrão da tomada de posição em um contexto institucional estabelecido, que é o domínio exclusivo da sociologia política de Bourdieu. Não é nenhuma surpresa, então, que não haja ainda uma teoria bourdieusiana da revolução, da democratização ou da ascensão do autoritarismo. Os tipos de processo social que produzem esses resultados transcendem completamente as lutas intra-campos. Sem o mecanismo da ação coletiva, Bourdieu é deixado com duas opções para explicar a mudança, ambas as quais ele emprega. A primeira é invocar o conceito de diferenciação: “Em minha elaboração da noção de campo, tenho insistido sobre o processo que Durkheim, Weber e Marx descreveram, isto é, à medida que as sociedades avançam no tempo elas se diferenciam em universos especiais e autônomos – o que é uma das únicas leis tendenciais sobre as quais, penso eu, nós podemos estar de acordo”.61 Deixando de lado a noção absurda de que Marx e Weber pensavam que a diferenciação era uma “lei tendencial” que não requeria mais elaboração, o que é impressionante nessa afirmação é sua arrogância comteana vazia. Em lugar de uma explicação, Bourdieu invoca um grande processo sem agentes, desenrolando-se “à medida que as sociedades avançam no tempo”. Essa explicação da mudança social não é uma explicação.

A segunda explicação da mudança de Bourdieu se move para a outra direção da macrodinâmica da diferenciação, para agentes engajados em campos competitivos. Nessa explicação, que Bourdieu chama de “efeito de histerese”, a mudança social ocorre porque agentes perseguem estratégias que são mal-adaptadas para o estado atual do campo em que eles estão agindo. O melhor exemplo desse segundo tipo de argumento é a análise da crise de 1968 de Bourdieu. Ele argumenta que a crise foi produto da superprodução de detentores de diplomas acadêmicos depois de mais ou menos 1960, os quais desenvolveram expectativas irrealistas de carreira porque a expansão demográfica estava jogando para baixo o valor de suas credenciais, enquanto suas expectativas de carreira estavam alinhadas com o estado anterior do campo acadêmico. Os detentores de diploma franceses, assim, estavam dominados por uma forma de falsa consciência. Eles pensavam que seus diplomas os gabaritavam para certas posições que estariam disponíveis para eles em um estado anterior do campo, mas essas posições estavam se tornando escassas à medida que mais pessoas entravam para o ensino superior. Como consequência, os detentores de diplomas descobriram que seus diplomas valiam muito menos do que eles esperavam. Esse desapontamento os levou a formar uma aliança com os intelectuais não acadêmicos e a classe trabalhadora contra o sistema educacional.62 Os vários movimentos de esquerda que varreram a França nesse período eram o resultado de um reconhecimento errôneo no qual agentes em posições “homólogas” no espaço social (detentores de diplomas, intelectuais não acadêmicos e classe trabalhadora) vieram a se entender como similares.63

Há ao mesmo tempo, com esse argumento, um problema teórico geral e uma fraqueza empírica séria. O problema teórico é que ele ainda deixa inexplicado porque as condições no campo mudaram – a explosão no número de detentores de diploma. Em primeiro lugar, Bourdieu não oferece explicação de porque as três séries de agentes repentinamente se descobriram em uma posição “homóloga”. Dizer que todos eles experimentaram privação relativa no mesmo momento pede esclarecimentos. A agitação estudantil de 1968 foi, além de tudo, parte de um movimento global contra o capitalismo e o Estado, o que permanece de fora do quadro explicativo de Bourdieu. É ao menos interessante notar que as revoltas do final dos anos sessenta ocorreram precisamente em um momento de virada na economia mundial, de uma longa expansão para uma longa retração, mas na análise de Bourdieu tais fatores estruturais mais amplos não aparecem.

Comparativamente, também, a análise é questionável. O sociólogo italiano Marzio Barbagli, em um livro com misteriosos paralelos com Homo academicus, argumenta que uma situação de aguda superprodução de intelectuais para suas respectivas posições caracterizou a Itália depois da unificação. No período posterior à I Guerra Mundial a situação piorou dramaticamente, à medida que intelectuais estabelecidos encararam a perspectiva do desemprego depois de seu retorno da frente de batalha, enquanto recém-detentores de diploma encaravam perspectivas de carreira diminuídas. Essas dinâmicas juntas produziram um senso de “privação relativa”, à medida que o aumento das expectativas criado pela guerra se combinou fatalmente com a perda de posições ou de expectativas de carreira.64 Porém, em um contexto político caracterizado pelo avanço de um partido socialista revolucionário, os intelectuais se moveram não para a esquerda, mas para a extrema-direita. De fato, Barbagli argumenta, muitas organizações de intelectuais, tais como aquelas dos engenheiros e dos professores do ensino primário, tomaram parte em violentas expedições repressivas contra as instituições da classe trabalhadora no começo da década de 1920.65 Resumindo, Barbagli afirma que a mesmíssima dinâmica que Bourdieu argumenta que produziu radicalização de esquerda na França em 1968 – um senso de relativa privação com respeito aos prospectos de carreira - levou ao fascismo na Itália.66

Uma vez que aproximadamente o mesmo processo produziu diferentes resultados nesses dois contextos, uma explicação satisfatória da politização dos intelectuais parece requerer a especificação de fatores, particularmente a orientação dos partidos de esquerda no que se refere aos intelectuais, apartada do efeito em si. Em suma, a teoria da mudança de Bourdieu permanece vaga. De fato, o mais impressionante nela é sua banalidade. Dificilmente se precisaria de Bourdieu para chegar a uma teoria da privação relativa.67 Ademais, essa teoria, em todo caso, é insuficiente para explicar o resultado político central para Bourdieu: a politização de esquerda dos acadêmicos franceses no fim dos anos sessenta.

A sociologia de Bourdieu, portanto, não constitui uma teoria macrossociológica em nenhuma das três dimensões que eu identifiquei na introdução. Sua análise das classes falha em relacionar a estrutura de classes a uma distribuição dos comportamentos observáveis. Em vez disso, ela dá uma guinada para uma série de tautologias vazias à medida que o significado de classe se expande para incluir qualquer diferença social – incluindo, de modo alarmante, o próprio gosto. Sua teoria da reprodução cripto-althusseriana falha em explicar as dimensões política e econômica do problema, ao apoiar-se em uma implausível generalização da metáfora lúdica. Finalmente, as duas explicações da mudança social de Bourdieu (um evolucionismo estilo século dezenove e uma teoria da privação relativa requentada) são, sem surpresa, não convincentes.

Essas fraquezas explicativas não são, é claro, falhas pessoais. Em termos de sofisticação intelectual e alcance empírico, o trabalho de Pierre Bourdieu é virtualmente ímpar. O problema, paradoxal como pode soar, é que Bourdieu não tem uma teoria da estrutura de classes no sentido de uma relação estruturada entre produtores diretos e apropriadores de excedente cuja interação pudesse dirigir o desenvolvimento histórico. Os campos de Bourdieu não contêm em si mesmos qualquer dinâmica de desenvolvimento; seus ocupantes, atolados como estão no reconhecimento errôneo, não podem nunca constituir agentes coletivos.

Por que Bourdieu?

É importante encarar os fatos. A despeito desses sérios problemas, Bourdieu é o teórico do momento na sociologia. De fato, quando as pessoas mencionam “teoria” no contexto de uma discussão sobre sociologia, elas geralmente se referem a Bourdieu. No período entre 1980 e 1984, somente 2% de todos os artigos nos quatro principais jornais de sociologia citavam Bourdieu, mas ao longo da primeira década do século vinte isso aumentou para 12%.68 Se esses artigos fossem reduzidos exclusivamente ao âmbito dos tratados teóricos, pode-se imaginar que o número aumentaria consideravelmente. A descrição de Bourdieu por Wacquant como “o mais celebrado sociólogo do momento” ainda é verdadeira, mais do que uma década após a morte de Bourdieu.69

Como um acadêmico britânico recentemente expressou, “não há dúvida sobre isso: Pierre Bourdieu é o sociólogo individual mais influente do final do século vinte”.70 Isso impõe um sério problema. Uma vez que a sociologia de Bourdieu não oferece uma macrossociologia, como se propõe, a atração de seu trabalho deve se achar em outra direção. Assim, uma abordagem diferente para compreender sua popularidade é necessária. Os comentários que se seguem são necessariamente um tanto quanto especulativos e requerem pesquisa efetiva para serem robustecidos. Eles são oferecidos aqui no espírito da discussão. Como argumentei na introdução a este artigo, há três razões para a popularidade de Bourdieu entre a elite acadêmica em países capitalistas avançados, especialmente nos Estados Unidos. Primeiro, sua sociologia ressoa a experiência vivida dos acadêmicos; segundo ela oferece uma identidade política substituta para acadêmicos com orientação de esquerda; terceiro, ela oferece uma defesa poderosa dos privilégios e da autonomia acadêmicos para acadêmicos preocupados profissionalmente. A sociologia bourdieusiana é, assim, melhor entendida não como uma teoria social, mas como uma formação ideológica apoiada em uma experiência comum e fornecendo um projeto político capaz de integrar a “esquerda” e a “direita” acadêmicas.

Ressonância com a experiência vivida

Muitas teorias sociais ganham sua plausibilidade porque projetam para uma escala macro os mundos microssociais de seus produtores e consumidores. É particularmente assim com as noções de “campo” e “poder simbólico” de Bourdieu.

Seria inteiramente incorreto concluir que, por serem uma metáfora restritiva, esses conceitos sejam, portanto, universalmente inaplicáveis; isso reverteria o dogmatismo do próprio Bourdieu. Ao contrário, a ideia de campo é altamente aplicável à vida acadêmica. Os acadêmicos estão no negócio das tomadas de posição e da distinção. Seus produtos culturais ganham significado na oposição polêmica a outros. Não é surpreendente, portanto, que algumas das análises mais bem-sucedidas de Bourdieu foquem em como posições políticas entre intelectuais são com frequência traduções fracamente veladas de sua posição no campo da produção cultural.71

Assim, uma das principais coisas que o trabalho de Bourdieu oferece para as elites acadêmicas é uma generalização de sua experiência vivida. Da perspectiva da sociologia de Bourdieu, o mundo social delas pode aparecer como um microcosmo da sociedade como um todo. De fato, a noção de que a vida social é constituída como um “campo”, longe de requerer uma ruptura crítica com a experiência vivida, é basicamente o senso comum de como o mundo funciona para os docentes do ensino superior.72 É, portanto, difícil imaginar uma teoria sociológica cuja ontologia seja mais perfeitamente alinhada ao mundo da vida dessas classes [chattering classes].iv

Engajamento político substituto

A sociologia de Bourdieu, entretanto, oferece algo mais que uma generalização da experiência “docente”. Ela também oferece uma identidade, com paralelos com o que Lênin chamava de “revolucionário profissional”. Sociólogos bourdieusianos são uma vanguarda. Eles possuem compreensão sobre o funcionamento do mundo social que deriva de sua teoria social mas são negados pelos leigos atolados no pântano do senso comum e dos entendimentos cotidianos.

Toda essa concepção é baseada na noção de uma ruptura radical entre a teoria social e o conhecimento leigo, ele próprio consequência do reconhecimento errôneo universal. Agentes, na medida em que estão presos à lógica das práticas, engajados no jogo social, não podem compreender a estrutura real dos campos nos quais eles agem. Eles operam de acordo com uma concepção de mundo pré-consciente e tácita, um “sentido do jogo”. A reflexão sobre o mundo social, a formação do social como um objeto de conhecimento, não pode ocorrer dentro do jogo. Bourdieu insiste repetidamente que a atribuição de uma capacidade reflexiva aos agentes em um campo da prática é uma ilusão intelectualista:

“Conhecimento não depende somente, como um relativismo elementar ensina, do ponto de vista particular ‘situado e dado’ que um observador assume sobre o objeto: há uma alteração muito mais fundamental, e muito mais perniciosa, uma vez que, sendo constitutiva da operação do conhecimento, ela provavelmente passa sem ser notada, essa prática se submete ao único fato de assumir um ‘ponto de vista’ sobre ele e, assim, constituí-lo como um objeto (de observação e análise)”73.

Para Bourdieu, então, o pensamento reflexivo, a transformação da prática em um objeto de análise, requer uma ruptura com a prática. Em contrapartida, a prática como experiência vivida requer uma ruptura com a reflexão. Agentes podem agir somente na medida em que eles não refletem sobre suas ações; a reflexão é, consequentemente, possível somente de uma posição de fora do campo da ação.

A compreensão sociológica requer uma ruptura com a prática, alcançada através de uma forma especial de treinamento por meio do qual sociólogos principiantes criam um novo habitus ou uma série de disposições científicas para substituir as leigas preexistentes. Há, portanto, um nexo entre teoria e prática na sociologia de Bourdieu – mas, diferentemente do marxismo revolucionário, por exemplo, esse nexo tem seus efeitos sobretudo dentro do mundo da sociologia. Rogers Brubaker, em um ensaio que foi longe na elucidação do apelo de Bourdieu nessa dimensão, compreendeu esse ponto de modo particularmente claro. Ele faz um chamado por uma ruptura com “leitura[s] conceitualista[s], teórica[s] e logocêntrica[s] de Bourdieu”; em outras palavras, com leituras que examinariam a coerência lógica e a plausibilidade empírica dos trabalhos de Bourdieu. Em vez disso, o aspirante a sociólogo “deve buscar dominar praticamente, incorporar em seu habitus, as ferramentas de pensar que Bourdieu tornou disponível”.74 Infelizmente, aqueles que carecem de “acesso ao atelier ou à sala de seminários de Bourdieu” tendem a confrontar seu trabalho teoricamente em vez de praticamente.75 Zavisca e Sallaz expressam uma ideia similar em linguagem menos elevada quando perguntam “como as ideias de Bourdieu têm sido postas em uso nas pesquisas publicadas nos principais jornais de sociologia estadunidenses”.76 A sociologia de Bourdieu, resumindo, promete um tipo de autotransformação. Abordada corretamente, ela é mais um modo de se tornar um sociólogo do que um quadro de referência para a compreensão do mundo social.

A sociologia de Bourdieu, dessa perspectiva, pode ser pensada como um tipo de protestantismo radical secularizado, prometendo uma forma de renascimento intelectual através de práticas de disciplina projetadas para criar um novo habitus sociológico. Como a ética calvinista descrita por Weber, a sociologia bourdieusiana requer um constante reexame de si, um processo discutido sob o termo “reflexividade”.77 Culturalmente, essa sociologia pertence a uma gama de outras práticas altamente características da intelligentsia contemporânea: ioga, dietas da moda, monitores de exercício e assim por diante.78

Por que os acadêmicos procurariam por isso? Não há razão para pensar que os sociólogos bourdieusianos sejam mais carreiristas do que os outros; de fato, muito pelo contrário, o oposto provavelmente seja verdadeiro. Os tipos de intelectuais que são atraídos por Bourdieu tendem a querer usar seu conhecimento para melhorar o mundo. Mas, particularmente nos Estados Unidos, eles carecem de qualquer veículo político plausível para relacionar seus estudos à mudança social. Não há conexão organizativa entre a teoria social e a prática política: excluindo-se, é claro, o vasto mar de ciência social com “relevância política”, vazia intelectualmente e cripto-tecnocrata, produzida em larga escala na academia estadunidense. Uma hipótese para explicar a atração do trabalho de Bourdieu é que ele transforma a energia potencialmente radical interna à crítica social, criando assim uma forma de engajamento político que promete a meta atingível de acumular “poder simbólico” em lugar de confrontar a exploração e a dominação reais. O apelo é melhor indicado, de novo, pelo comentário de Brubaker: o ponto dos textos de Bourdieu “não é simplesmente interpretar o mundo; é mudar o mundo, mudando o modo como nós – em primeira instância, outros cientistas sociais – o vemos”.79 Essa pálida recapitulação da décima primeira tese de Marx sobre Feuerbach (não citada, naturalmente) é um resumo eficaz do apelo de Bourdieu. Nele nós temos um pensador que mobiliza vastos recursos intelectuais no intuito de um projeto militante de transformar a consciência sociológica no lugar de transformar a sociedade.

A defesa dos privilégios acadêmicos

O radicalismo internamente orientado da sociologia de Bourdieu está paradoxalmente conectado com outro traço distintivo dela: sua obsessão com a defesa da diferenciação ou “autonomia”. A visão política última de Bourdieu, a despeito da vestimenta radical-chique com a qual ela aparece, é o pluralismo clássico, familiar a leitores de Dahl, Tocqueville, Mosca ou Weber. Essa visão se baseia em uma defesa da autonomia intelectual em um sentido um tanto quanto conservador, como a base institucional para forçar a classe dominante a universalizar seus interesses particulares.

Essa afirmação pode parecer tendenciosa. Portanto, é importante reconhecer que muito do que Bourdieu disse politicamente era bastante radical, especialmente no começo de sua carreira intelectual na Argélia e no fim dela, à medida que ele combateu o neoliberalismo francês durante os anos noventa. De fato, algumas de suas posições políticas, particularmente no domínio da geopolítica, são impressionantemente agudas, incomparavelmente superiores às platitudes bovinas que passam por “análise política” em grande parte da sociologia dos EUA.80 Um teste de tornassol para sua independência política é sua justa e forte condenação do bombardeio da Sérvia pela OTAN, em um momento em que muitos “progressistas” na América do Norte e na Europa estavam resmungando doutrinas em linguagem complicada.

Mas o que é impressionante nos escritos políticos de Bourdieu é como eles são limitados. Na ausência de qualquer teoria sobre o capitalismo, sua posição política equivale basicamente a uma defesa dos arranjos existentes contra a invasão da lógica do mercado. Seu valor político fundamental é a autonomia, particularmente a autonomia da sociologia, em vez da liberdade ou da igualdade. O fundamento intelectual dessa política é um tanto quanto conservador. Em nenhum lugar isso está colocado mais claramente do que no final de La noblesse d’État:

Está claro que independentemente de suas bases ou motivos, essas lutas entre os dominantes necessariamente adicionam ao campo do poder um pouco do universal – razão, desinteresse, mentalidade cívica etc. – que, originado como foi em lutas anteriores, é sempre uma arma simbolicamente efetiva nas lutas do momento. E, ao mesmo tempo em que tomamos cuidado para não pronunciar julgamentos sobre os méritos comparativos de um ou outro regime, que são frequentemente identificados com a “filosofia política”, nós podemos propagar a noção de que o progresso na diferenciação das formas de poder é constituído de muitos atos protetores contra a tirania, entendida à maneira de Pascal, como a violação de uma ordem sobre os direitos de outras, ou mais precisamente, como a intrusão de formas de poder associadas a um campo no funcionamento de outros.81

Bourdieu aqui aparece para abraçar a visão da sociedade dirigida por uma série plural e interligada de elites engajadas em lutas umas com as outras e, como resultado constante, forçadas a articular seus interesses particulares em termos gerais.82 Esse argumento relembra fortemente a noção de uma constituição mista: uma visão política que vai de Aristóteles a Weber e além. No fim das contas, então, a sociologia de Bourdieu, de algum modo em contraste com sua escrita política explícita, leva a um reforço do velho liberalismo elitista, fornecendo um ponto de vista honroso para os sociólogos, como modestos sábios da boa sociedade. O que ela não contém, é claro, é uma crítica, ou mesmo análise, do capitalismo como um sistema de relações de classe.

Conclusão

O apelo da sociologia de Bourdieu, resumindo, não é nem por seu poder explicativo nem por sua habilidade de gerar novos problemas e questões. Há muito poucas explicações em seu conjunto, e as principais que de fato existem são implausíveis. Para explicar a ascensão de Bourdieu, portanto, deve-se olhar para a “lógica das práticas” em vez da “lógica da teoria”. A sociologia de Bourdieu, simultaneamente, ressoa a experiência vivida das elites acadêmicas, oferece uma forma de radicalismo substituto focado na autotransformação e fornece aos sociólogos um sentimento de ter um elevado papel social. Isso não implica que a mentalidade bourdieusiana seja totalmente negativa. Talvez a melhor analogia seja a do papel do protestantismo anterior à Revolução Francesa. Antes que um verdadeiro movimento político que buscasse estabelecer a cidadania moderna emergisse, a luta por ela tomou a forma de uma tentativa de refazer-se a si mesmo através de práticas de disciplina. A sociologia de Bourdieu pode ser similar nesse sentido. Talvez ela esteja guardando lugar para qualquer teoria crítica verdadeiramente radical que virá depois. Em todo caso, um movimento radical e autoconsciente para sujeitar a sociedade inteira ao controle verdadeiramente humano será sinal não da realização, mas do fim da sociologia bourdieusiana.

Notas:

1. David Swartz, Culture and Power: The Sociology of Pierre Bourdieu (Chicago: University of Chicago Press, 1997), 20.
2. David Swartz, Symbolic Power, Politics, and Intellectuals (Chicago: Chicago University Press, 2013), 195.
3. Swartz, Culture and Power, 22.
4. Swartz, Symbolic Power, 196.
5. Philip S. Gorski, “Bourdieu as a Theorist of Change,” em Bourdieu and Historical Analysis, editado por Philip. S. Gorski (Durham, NC: Duke University Press, 2013), 13.
6. Rogers Brubaker, “Rethinking Classical Theory: The Sociological Vision of Pierre Bourdieu,” Theory and Society 14, no. 6 (1985): 745–75, esp. 765–66; Mathieu Hikaru Desan, “Bourdieu, Marx, and Capital: A Critique of the Extension Model,” Sociological Theory 31, no. 4 (2013): 318–42, esp. 325.
7. Pierre Bourdieu e Monique de Saint-Martin, “Anatomie du gout,” Actes de la recherche en sciences sociales 2, no. 5 (1976): 2–81, esp. 18. A definição completa vem em Pierre Bourdieu, Esquisse d’une théorie de la practique (Geneva: Librarie Droz, 1972), 178–79, em que Bourdieu escreve que o habitus deve ser “entendido como um sistema de disposições duráveis e transponíveis que, integrando todas as experiências passadas, funciona em cada momento como uma matriz de percepções, apreciações e ações e torna possível a realização de uma infinidade de tarefas, graças às transferências analógicas de esquemas que permitem a resolução de problemas com a mesma forma”. Para a noção de habitus como senso prático, ver Pierre Bourdieu, Pascalian Meditations (Stanford, CA: Stanford University Press, 1991), 142-46.
8. Pierre Bourdieu, “Rethinking the State: Genesis and Structure of the Bureaucratic Field,” Sociological Theory 12, no. 1 (1994): 1–19, esp. 14; ver também “Rethinking Classical Theory,” 754–55.
9. Pierre Bourdieu, Le sens practique (Paris: Les Éditions de Minuit, 1980), 93. Aqui Bourdieu diz que o habitus é “o produto de uma determinada classe de regularidades.” Em Distinction: A Social Critique of the Judgement of Taste (Cambridge, MA: Harvard University Press, 1984), 101, Bourdieu afirma que “as disposições... derivam da... posição no espaço econômico.” 
10. Bourdieu, Distinction, 101; Bourdieu e Saint-Martin, “Anatomie,” 19.
11. Pierre Bourdieu, Outline of a Theory of Practice (New York: Cambridge University Press, 1977), 87. Nesse texto, Bourdieu descreve a formação do habitus, em uma situação sem sistema de educação especializado, como “ação pedagógica difusa” que cria “senso prático.” Em seu posterior Pascalian Meditations, ele escreve que, “na medida em que é produto da incorporação de um nómos, do princípio de visão e divisão constitutivo de uma ordem social ou campo, o habitus gera práticas imediatamente ajustadas a essa ordem, as quais são portanto percebidas por seu autor e também pelos outros como ‘certas’, corretas, direitas, adequadas, sem ser de modo algum o produto da obediência a uma lei no sentido de um imperativo de uma norma ou regras legais” (143).
12. Há um bom resumo em Swartz, Culture and Power, 101–102.
13. Bourdieu, Le sens practique, 91.
14. Bourdieu e Saint-Martin, “Anatomie,” 1.
15. Swartz, Culture and Power, 166–67.
16. Bourdieu, Distinction, 105.
17. Bourdieu e Saint-Martin, “Anatomie,” 1.
18. Bourdieu, Distinction, 128–29.
19. Karl Popper, The Logic of Scientific Discovery (New York: Harper Torchbooks, 1968), 40–41.
20. Pierre Bourdieu, “The Forms of Capital,” in Readings in Economic Sociology, editado por Nicole
Woolsey Biggart (Malden, MA: Blackwell, 2002), 280–91, esp. 282–83.
21. Brubaker, “Rethinking Classical Social Theory,” 767.
22. Philip S. Gorski, “Nation-ization Struggles: A Bourdieusian Theory of Nationalism,” em Bourdieu and Historical Analysis, 254.
23. Bourdieu, Distinction, 526.
24. Bourdieu e Saint-Martin, “Anatomie,” 2.
25. Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron, Reproduction in Education, Society and Culture (London: Sage, 1977), 43. Aqui os autores argumentam que as escolas reproduzem desigualdades porque, para terem êxito, as experiências pedagógicas anteriores (o que eles chamam de “habitus primário”) devem se combinar com as expectativas pedagógicas da escola: “O sucesso de toda a educação escolar depende fundamentalmente da educação previamente adquirida nos primeiros anos de vida, mesmo e especialmente quando o sistema educacional a nega em sua ideologia e prática fazendo da vida escolar uma história sem pré-história.”
26. Paul Dimaggio e Michael Useem, “Social Class and Arts Consumption: The Origins and Consequences of Class Differences in Exposure to the Arts in America,” Theory and Society 5, no. 2 (1978): 141-61, esp. 147-48, fornecem uma explicação da relação entre classe e gosto na linha dessa segunda interpretação. Os autores argumentam que as diferenças de classe no gosto são em grande parte um resultado do acesso diferencial à educação.
27 Paul Dimaggio, “On Pierre Bourdieu,” American Journal of Sociology 84, no. 6 (May 1979), 1460–74, esp. 1468, apontou que Bourdieu não oferece qualquer evidência real sobre o habitus: “Bourdieu sugere uma miríade de modos nos quais a socialização pode, em geral, formar estruturas profundas de personalidade e percepção. Mas, uma vez que ele não estabelece empiricamente a relação entre classe social e experiência infantil anterior, parece prematuro alegar que o habitus de classes sociais diferentes seja fundamentalmente diferente”.
28. Bourdieu, Distinction, 532.
29. Ibid., 532.
30. Ibid., 361.
31. Brubaker, “Rethinking Classical Social Theory,” 766–67.
32. Bourdieu, Distinction, 318. Bourdieu e Saint-Martin enfatizam o mesmo em “Anatomie,” 36.
33. Bourdieu, Distinction, 251–253 e Bourdieu e Saint-Martin, “Anatomie,” 37.
34. Bourdieu, Distinction, 386.
35. Jeffrey C. Alexander, Fin de Siècle Social Theory: Relativism, Reduction and the Problem of Reason (New York: Verso, 1995), 178.
36. Bourdieu, Distinction, 101.
37. Pierre Bourdieu, Sur l’État: cours au Collège de France (1989–1992) (Paris: Seuil, 2012), 259.
38. Mara Loveman, “The Modern State and the Primitive Accumulation of Symbolic Power,” American Journal of Sociology 110, no. 6 (2005): 1651–83, esp. 1655.
39. Louis Althusser, Lenin and Philosophy and Other Essays (New York: Montly Review Press, 1970), 164.
40. Pierre Bourdieu, Homo Academicus (Stanford: Stanford University Press, 1988), 11; Jeffrey J. Sallaz e Jane Zavisca, “Bourdieu in American Sociology, 1980–2004,” Annual Review of Sociology 33 (2007): 21-41, esp. 24.
41. Bourdieu, Le sens practique, 56–57.
42. Para uma crítica penetrante da aplicação da metáfora lúdica à sociedade, ver Perry Anderson, Arguments within English Marxism (London: Verso), 56–57.
43. Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron, Reproduction in Education, Society and Culture (Thosuand Oaks, CA: Sage, 1990), 152–53; Pierre Bourdieu, The State Nobility: Elite Schools in the Field of Power (Stanford, CA: Stanford University Press, 1998), 383.
44. Bourdieu e Passeron, Reproduction, p.162.
45. Bourdieu e Passeron, Reproduction, 166–67; Bourdieu, The State Nobility, 384–85.
46. Fritz Ringer, Fields of Knowledge: French Academic Culture in Comparative Perspective (New York: Cambridge University Press, 1992), 55: “O desenvolvimento do ensino secundário e superior na França e na Alemanha durante o século XIX não estava direta e funcionalmente relacionado ao crescimento econômico”.
47. Para uma explicação exemplar, ver Vivek Chibber, “Rescuing Class from the Cultural Turn,” Catalyst 1 (Spring 2017).
48. Adam Przeworski, Capitalism and Social Democracy (New York: Cambridge University Press, 1986), 138-39.
49. Adam Przeworski, Democracy and the Limits of Self Government (New York: Cambridge University Press, 2010), 27–28; Joseph A. Schumpeter, Capitalism, Socialism and Democracy (New York: Free Press, 1962), 269.
50. Pierre Bourdieu, On the State: Lectures at the Collège de France 1989–1992 (Malden, MA: Polity,
2014), 81–82, 159–60.
51. Mustafa Emirbayer e Erik Schneiderhan, “Dewey and Bourdieu on Democracy,” em Bourdieu and
Historical Analysis, editado por Philip S. Gorski (Durham, NC: Duke University Press, 2013), 140–44.
52. Pierre Bourdieu, “La représentation politique,” Actes de la recherche en sciences sociales 36 (1981):
3-24.
53. David Swartz em “Pierre Bourdieu and North American Political Sociology: Why He Doesn’t Fit In but Should,” French Politics 4 (2006): 84–89: “De fato, Bourdieu não dedica muita atenção a manifestações públicas, greves, polícia, exército, prisões ou guerras. Nem dedica muita atenção àquelas unidades políticas, como as legislaturas ou constituições, comumente tratadas como instituições pelos cientistas políticos. Exceto pela ação de delegar o poder político, Bourdieu não dedicou muita atenção aos processos políticos, tais como a tomada de decisões, a construção de coalizões ou a seleção de lideranças”. (87).
54. Bourdieu, On the State, 194, 216–19, 259–60.
55. Ibid., 131.
56. Perry Anderson, “The Antinomies of Antonio Gramsci,” New Left Review 100 (1976–77): 5–78, 28; Göran Therborn, What Does the Ruling Class Do When It Rules? (London: Verso, 2008), 113.
57. Przeworski, Capitalism and Social Democracy, 13–14.
58. Jacques Rancière, em Le philosophe et ses pauvres (Paris: Flammarion, 2007), 258, aponta que as classes de Bourdieu estão sempre lutando, mas sem reconhecer que elas são, na realidade, classes. O resultado, ele argumenta, é um “marxismo parmenideano” com classes, mas sem história.
59. Bourdieu, “La représentation politique,” 5.
60. Ibid., 22; Pierre Bourdieu, “The Social Space and the Genesis of Groups,” Theory and Society 14, no. 6 (1985): 723-44, esp. 740. O débito do primeiro texto para com Michels é extremamente óbvio. Entretanto, como no caso da maioria dos débitos intelectuais de Bourdieu, ele dispensa a fonte de suas ideias em nota de rodapé.
61. Bourdieu, Sur l’État, 318.
62. Bourdieu, Homo Academicus, 162–80.
63. Ibid., 175–77; o resumo de Alexander em Fin de Siècle Social Theory, 147–48, é extremamente útil.
64. Marzio Barbagli, Educating for Unemployment: Politics, Labor Markets, and the School System–Italy, 1859-1973 (New York: Columbia University Press, 1982), 119.
65. Ibid., 119-22.
66. Ibid., 10. Ainda não há análise histórico-comparativa adequada das dinâmicas que levam os
intelectuais para a direita ou para a esquerda.
67. O comentário de Michael Burawoy em Conversations with Bourdieu: The Johannesburg Moment (Johannesburg: Wits University Press, 2012) permanece insuperável. Lá ele escreve: “Isso é uma versão requentada da teoria da privação relativa que tanto embasou, antigamente, a psicologia social e a teoria dos movimentos sociais” (39).
68. Sallaz e Zavisca, “Bourdieu in American Sociology,” 25–26.
69. Loïc Wacquant, “Further Notes on Bourdieu’s ‘Marxism,’” International Journal of Contemporary Sociology 38, no. 1 (2001): 103–109, esp. 104.
70. Will Atkinson, Beyond Bourdieu: From Genetic Structuralism to Relational Phenomenology (Cambridge: Polity, 2016), 1.
71. Bourdieu, Homo Academicus, xvii.
72. David Swartz enfatiza bem isso em Culture and Power: “O foco na competição individual como forma predominante de conflito nas sociedades modernas estratificadas certamente toca uma importante dimensão da diferenciação no período moderno. Entretanto, esse foco pode também refletir desproporcionalmente o meio profissional do próprio Bourdieu e suas escolhas de áreas de investigação. Educação e cultura erudita são as instâncias supremas da competitividade e da distinção individuais. Essas áreas essenciais de investigação preferidas por ele podem ter moldado excessivamente sua visão do conflito de classes” (188).
73. Bourdieu, Le sens practique, 46.
74. Rogers Brubaker, “Social Theory as Habitus,” em Bourdieu: Critical Perspectives, editado por Craig Calhoun, Edward LiPuma e Moishe Postone (Cambridge: Cambridge University Press), 217, 219.
75. Ibid., 216.
76. Sallaz e Zavisca, “Bourdieu in American Sociology,” 22.
77. Para uma discussão canônica dessa dimensão do trabalho de Bourdieu, ver Loïc Wacquant, “Toward a Social Praxeology: The Structure and Logic of Bourdieu’s Sociology,” em Pierre Bourdieu e Loïc Wacquant, An Invitation to Reflexive Sociology (Chicago: Chicago University Press, 1992), 36–46.
78. Para uma boa discussão disso, ver Mark Greif, Against Everything (New York: Pantheon, 2016).
79. Brubaker, “Social Theory as Habitus,” 217.
80. Pierre Bourdieu, Political Interventions: Social Science and Political Action (New York: Verso, 2008), 355-57.
81. Bourdieu, State Nobility, 389.
82. Ibid.

Sobre o autor

Dylan Riley é professor de sociologia na UC Berkeley. Ele é autor de The Civic Foundations of Fascism in Europe: Italy, Spain, and Romania 1870-1945. Seu próximo Rethinking Liberal Democracy and the Fascist Legacy será publicado por Verso.

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