Folha de S.Paulo
Segurança pública ainda é um tema tabu no Brasil. Avançamos na construção de discursos baseados em princípios de direitos humanos e de cidadania, mas ainda convivemos com um modelo em que a ausência de reformas estruturais obstrui --em termos práticos e políticos-- a garantia da segurança pública verdadeiramente para todos.
Os dados publicados na edição 2013 do Anuário Brasileiro de Segurança Pública reforçam a sensação de que vivemos em uma sociedade fraturada e com medo; aflita diante da possibilidade cotidiana de ser vítima e refém do crime e da violência.
Não bastasse isso, nosso sistema de Justiça e segurança é ineficiente, paga mal aos policiais e convive com padrões operacionais inaceitáveis de letalidade e vitimização policial, com baixa taxa de esclarecimento de delitos. Sem falar nas precárias condições de encarceramento.
Não conseguimos oferecer serviços de qualidade, reduzir a insegurança e aumentar a confiança nas instituições, nem conseguimos mediar conflitos e conter atos violentos.
No plano da gestão, paradoxalmente, várias iniciativas têm sido tentadas: sistemas de informação, integração das polícias estaduais, modernização tecnológica, mudança no currículo de ensino policial.
Porém, são mudanças incompletas. Ganhos como a reversão do medo provocada pela implantação das UPPs, no Rio, tendem a perder força, na medida em que não são capazes, sozinhos, de modificar culturas organizacionais anacrônicas.
As instituições policiais não experimentaram reformas significativas nas suas estruturas. O Congresso, há 25 anos, tem dificuldades para fazer avançar uma agenda de reformas imposta pela Constituição de 1988, que até hoje possui artigos sem regulação, abrindo margem para enormes zonas de insegurança jurídica.
Para a segurança pública, o efeito dessa postura pode ser constatado na não regulamentação do artigo 23, que trata das atribuições concorrentes entre os entes, ou do parágrafo sétimo do artigo 144, que dispõe sobre as atribuições das instituições encarregadas em prover segurança e ordem pública.
Ou seja, há uma enorme dificuldade de se assumir segurança pública como um tema prioritário. Ao contrário do jogo de empurra que tem sido travado, com União, Estados e municípios brigando para saber quem paga a conta e/ou quem manda em quem, segurança pública exige superarmos antagonismos e corporativismos e pactuarmos um projeto de uma nova polícia.
Isso significa que resultados de longo prazo só poderão ser obtidos mediante reformas estruturais que enfrentem temas sensíveis como a distribuição e a articulação de competências e a criação de mecanismos efetivos de cooperação, a reforma do modelo policial determinado pela Constituição e o estabelecimento de requisitos mínimos para as instituições no que diz respeito à formação dos profissionais, transparência e prestação de contas, uso da força e controle externo.
CLAUDIO BEATO, 56, é professor titular de sociologia da Universidade Federal de Minas Gerais
Martin Kovensky |
Segurança pública ainda é um tema tabu no Brasil. Avançamos na construção de discursos baseados em princípios de direitos humanos e de cidadania, mas ainda convivemos com um modelo em que a ausência de reformas estruturais obstrui --em termos práticos e políticos-- a garantia da segurança pública verdadeiramente para todos.
Os dados publicados na edição 2013 do Anuário Brasileiro de Segurança Pública reforçam a sensação de que vivemos em uma sociedade fraturada e com medo; aflita diante da possibilidade cotidiana de ser vítima e refém do crime e da violência.
Não bastasse isso, nosso sistema de Justiça e segurança é ineficiente, paga mal aos policiais e convive com padrões operacionais inaceitáveis de letalidade e vitimização policial, com baixa taxa de esclarecimento de delitos. Sem falar nas precárias condições de encarceramento.
Não conseguimos oferecer serviços de qualidade, reduzir a insegurança e aumentar a confiança nas instituições, nem conseguimos mediar conflitos e conter atos violentos.
No plano da gestão, paradoxalmente, várias iniciativas têm sido tentadas: sistemas de informação, integração das polícias estaduais, modernização tecnológica, mudança no currículo de ensino policial.
Porém, são mudanças incompletas. Ganhos como a reversão do medo provocada pela implantação das UPPs, no Rio, tendem a perder força, na medida em que não são capazes, sozinhos, de modificar culturas organizacionais anacrônicas.
As instituições policiais não experimentaram reformas significativas nas suas estruturas. O Congresso, há 25 anos, tem dificuldades para fazer avançar uma agenda de reformas imposta pela Constituição de 1988, que até hoje possui artigos sem regulação, abrindo margem para enormes zonas de insegurança jurídica.
Para a segurança pública, o efeito dessa postura pode ser constatado na não regulamentação do artigo 23, que trata das atribuições concorrentes entre os entes, ou do parágrafo sétimo do artigo 144, que dispõe sobre as atribuições das instituições encarregadas em prover segurança e ordem pública.
Ou seja, há uma enorme dificuldade de se assumir segurança pública como um tema prioritário. Ao contrário do jogo de empurra que tem sido travado, com União, Estados e municípios brigando para saber quem paga a conta e/ou quem manda em quem, segurança pública exige superarmos antagonismos e corporativismos e pactuarmos um projeto de uma nova polícia.
Isso significa que resultados de longo prazo só poderão ser obtidos mediante reformas estruturais que enfrentem temas sensíveis como a distribuição e a articulação de competências e a criação de mecanismos efetivos de cooperação, a reforma do modelo policial determinado pela Constituição e o estabelecimento de requisitos mínimos para as instituições no que diz respeito à formação dos profissionais, transparência e prestação de contas, uso da força e controle externo.
Tais iniciativas devem conduzir a discussão sobre o significado da necessária desmilitarização das estruturas policiais, com a adoção do ciclo completo de policiamento e a instituição de uma carreira única de polícia, que valorize o policial.
É necessário, também, consolidar o sistema de garantias processuais e oferecer adequadas condições de cumprimento de penas. Até porque não podemos deixar brechas para o crime organizado.
Estamos aqui propondo um pacto suprapartidário em defesa da democracia e da cidadania. Os autores deste artigo reconhecem que se encontram em diferentes posições do quadro político brasileiro. A nossa união objetiva reiterar que a reforma do modelo de segurança pública não pode ser mais adiada.
Se conseguirmos fazer isso, quem ganha são os policiais brasileiros e, sobretudo, ganha a sociedade.
É necessário, também, consolidar o sistema de garantias processuais e oferecer adequadas condições de cumprimento de penas. Até porque não podemos deixar brechas para o crime organizado.
Estamos aqui propondo um pacto suprapartidário em defesa da democracia e da cidadania. Os autores deste artigo reconhecem que se encontram em diferentes posições do quadro político brasileiro. A nossa união objetiva reiterar que a reforma do modelo de segurança pública não pode ser mais adiada.
Se conseguirmos fazer isso, quem ganha são os policiais brasileiros e, sobretudo, ganha a sociedade.
Sobre os autores
RENATO SÉRGIO DE LIMA, 43, é membro do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
RENATO SÉRGIO DE LIMA, 43, é membro do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
CLAUDIO BEATO, 56, é professor titular de sociologia da Universidade Federal de Minas Gerais
Também subscrevem este texto:
JOSÉ LUIZ RATTON, 46, é professor de sociologia e pesquisador da Universidade Federal de Pernambuco
LUIZ EDUARDO SOARES, 59, foi secretário nacional de Segurança Pública (governo Lula)
RODRIGO GHIRINGHELLI DE AZEVEDO, 45, é professor de ciências criminais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
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