Nelson Barbosa
Folha de S.Paulo
Começou o ano da vacina. Em um processo recorde de investimento e inovação, já há várias alternativas de imunização sendo aplicadas contra a Covid-19, e isso tende a dominar o debate político e econômico no início de 2021.
Alguns colegas colunistas têm feito um trabalho incrível na tradução de informações do mundo da vacina, comentando "RNA mensageiro" e "betapropriolactona" com a mesma desenvoltura que nós, economistas, falamos de renda e emprego. Não me aventuro em questões técnicas de imunologia, mas creio que um pouco de bom senso e economia pode nos ajudar a navegar 2021.
Em primeiro lugar, recomendo evitar a torcida por tipo de vacina. Como há várias alternativas, já despontou o debate sobre qual é a melhor opção. Isso é natural, mas já tem político nacional querendo se apropriar de inovação estrangeira, como se a vacina A fosse do governador X e a vacina B fosse do presidente Y.
Na era das redes antissociais, é preciso repetir o óbvio: o sucesso de uma vacina não impede que as outras também funcionem! O processo de inovação tecnológica se caracteriza por tentativa e erro, com adaptação e aprendizado ao longo do caminho. Se é para ter torcida de vacina, que seja para que vacinas funcionem, qualquer uma delas.
Segundo, evite o complexo de neoliberal papalvo, aquele que acha que o Brasil deveria comprar tudo de fora em vez de desenvolver produção no país. No caso da vacina, uma coisa não exclui a outra, sobretudo quando todos os governos do mundo já deixaram claro que restrição orçamentária não é desculpa para gastar pouco contra a pandemia.
É possível comprar vacinas do exterior ao mesmo tempo que participamos do desenvolvimento e da produção de algumas das opções. Meus colegas neoliberais estão corretos em dizer que nosso governo deveria ter investido em várias alternativas de imunização. O problema está na sua insistência papalva em dizer que é um erro tentar produzir algo neste país.
Em terceiro lugar e no polo oposto do debate econômico, evite o complexo de desenvolvimentista paranoico, segundo o qual vacina boa é nacional. Vacina boa é vacina que funciona, seja ela inventada por chineses ou europeus, russos, norte-americanos ou nós mesmos.
Em ciência, quase todas as grandes descobertas foram fruto de colaboração internacional entre pesquisadores, uma vez que é preciso checar os resultados uns dos outros e, nesse processo, muitas vezes se descobre mais alguma coisa.
Meu quarto ponto é o "vira-latismo", aquela tendência de algumas pessoas em dizer que no Brasil nada funciona, que somos cronicamente inviáveis, algo que Nelson Rodrigues identificou há mais de 50 anos.
Eu sei que o atual governo não ajuda muito a combater complexo de inferioridade em relação ao resto do mundo, mas quem nunca teve problemas? Os EUA, por exemplo, acabaram de resolver um, se livrando de Trump.
Enquanto 2022 não chega, em vez de entrar em espiral negativa de críticas sem soluções, desejo que os bons exemplos de imunização no exterior nos façam cobrar mais agilidade do governo. Já tivemos sucesso em campanhas de vacinação nacional no passado. Podemos e devemos fazer de novo. Cabe ao governo federal liderar esse processo, o que me leva ao último ponto.
Quanto mais rápida e eficiente for a vacinação, mais rápido a economia voltará ao normal. Se o presidente ainda não se convenceu de que vacinação vale a pena por questões éticas e científicas, apelemos, então, ao seu instinto de sobrevivência política. Para salvar vidas, vale até desenhar a solução para Bolsonaro.
Sobre o autor
Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research.
Alguns colegas colunistas têm feito um trabalho incrível na tradução de informações do mundo da vacina, comentando "RNA mensageiro" e "betapropriolactona" com a mesma desenvoltura que nós, economistas, falamos de renda e emprego. Não me aventuro em questões técnicas de imunologia, mas creio que um pouco de bom senso e economia pode nos ajudar a navegar 2021.
Em primeiro lugar, recomendo evitar a torcida por tipo de vacina. Como há várias alternativas, já despontou o debate sobre qual é a melhor opção. Isso é natural, mas já tem político nacional querendo se apropriar de inovação estrangeira, como se a vacina A fosse do governador X e a vacina B fosse do presidente Y.
Na era das redes antissociais, é preciso repetir o óbvio: o sucesso de uma vacina não impede que as outras também funcionem! O processo de inovação tecnológica se caracteriza por tentativa e erro, com adaptação e aprendizado ao longo do caminho. Se é para ter torcida de vacina, que seja para que vacinas funcionem, qualquer uma delas.
Segundo, evite o complexo de neoliberal papalvo, aquele que acha que o Brasil deveria comprar tudo de fora em vez de desenvolver produção no país. No caso da vacina, uma coisa não exclui a outra, sobretudo quando todos os governos do mundo já deixaram claro que restrição orçamentária não é desculpa para gastar pouco contra a pandemia.
É possível comprar vacinas do exterior ao mesmo tempo que participamos do desenvolvimento e da produção de algumas das opções. Meus colegas neoliberais estão corretos em dizer que nosso governo deveria ter investido em várias alternativas de imunização. O problema está na sua insistência papalva em dizer que é um erro tentar produzir algo neste país.
Em terceiro lugar e no polo oposto do debate econômico, evite o complexo de desenvolvimentista paranoico, segundo o qual vacina boa é nacional. Vacina boa é vacina que funciona, seja ela inventada por chineses ou europeus, russos, norte-americanos ou nós mesmos.
Em ciência, quase todas as grandes descobertas foram fruto de colaboração internacional entre pesquisadores, uma vez que é preciso checar os resultados uns dos outros e, nesse processo, muitas vezes se descobre mais alguma coisa.
Meu quarto ponto é o "vira-latismo", aquela tendência de algumas pessoas em dizer que no Brasil nada funciona, que somos cronicamente inviáveis, algo que Nelson Rodrigues identificou há mais de 50 anos.
Eu sei que o atual governo não ajuda muito a combater complexo de inferioridade em relação ao resto do mundo, mas quem nunca teve problemas? Os EUA, por exemplo, acabaram de resolver um, se livrando de Trump.
Enquanto 2022 não chega, em vez de entrar em espiral negativa de críticas sem soluções, desejo que os bons exemplos de imunização no exterior nos façam cobrar mais agilidade do governo. Já tivemos sucesso em campanhas de vacinação nacional no passado. Podemos e devemos fazer de novo. Cabe ao governo federal liderar esse processo, o que me leva ao último ponto.
Quanto mais rápida e eficiente for a vacinação, mais rápido a economia voltará ao normal. Se o presidente ainda não se convenceu de que vacinação vale a pena por questões éticas e científicas, apelemos, então, ao seu instinto de sobrevivência política. Para salvar vidas, vale até desenhar a solução para Bolsonaro.
Sobre o autor
Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research.
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