16 de novembro de 2020

O movimento climático deve estar pronto para desafiar o crescente ambientalismo de direita

As forças de direita negaram a existência da mudança climática por décadas, mas estamos começando a ver uma mudança da negação crua para um ecofascismo aterrorizante. Temos que nos opor a qualquer tentativa de usar a crise climática para justificar políticas racistas, reacionárias e autoritárias.

Sam Knights

Um protesto pela justiça climática. (Flickr)

Tradução / Duas crises principais caracterizam cada vez mais o século XXI. A primeira é a crise climática, que está nos levando a um mundo perigoso e desestabilizado. A segunda é a crise da democracia, que está impulsionando a ascensão da extrema direita autoritária. A maneira como essas duas crises se cruzam terá profundas implicações para o futuro de nossa espécie. Para nós da esquerda, isso levanta questões incômodas que devem ser levadas muito a sério.

De Donald Trump a Jair Bolsonaro, políticos de direita rejeitaram repetidamente o consenso científico sobre a mudança climática, espalharam desinformação deliberada e se opuseram a políticas de redução de emissões. Esse padrão de negação e atraso cria um ciclo de retroalimentação negativo entre essas duas crises: à medida que a confiança na democracia é corroída, a emergência ecológica e climática torna-se cada vez mais perigosa.

A negação do clima pode ter começado como uma teoria da conspiração de extrema direita, mas hoje é um projeto político dominante, promovido por think tanks conservadores de financiamento duvidoso, disseminado online por grandes empresas de tecnologia e transformado em lei por lobistas pagos da indústria de petróleo e gás. Os capitalistas se amarraram a esse projeto de extrema direita porque seus objetivos de curto prazo se alinham cada vez mais com os da extrema direita. Ambos os grupos querem proteger os lucros das grandes empresas e levar a culpa para longe dos ricos e poderosos.

Ambientalismo de direita

Enquanto a direita tenta bloquear a ação sobre a mudança climática, é tentador pensar nas questões ambientais como uma preocupação exclusivamente da esquerda. Sabemos que, para enfrentar de forma significativa a emergência climática e ecológica, devemos democratizar a economia, redistribuir a riqueza e garantir padrões de vida decentes para todas as pessoas. Certamente, então, segue-se que qualquer tentativa real de combater a mudança climática terá muito mais em comum com o socialismo internacional do que com o capitalismo neoliberal — ou mesmo com o fascismo moderno.

No entanto, também há uma longa história de ambientalismo de direita, que ignoramos por nossa conta e risco. Ativistas de direita estão agora cultivando suas próprias filosofias ecológicas. Conservar o meio ambiente, eles argumentam, é uma ideia naturalmente conservadora. Portanto, é bem possível que surja um movimento de direita nos próximos anos que não apenas reconheça a gravidade da crise, mas também use a realidade das mudanças climáticas para justificar uma resposta cada vez mais autoritária e reacionária.

A mudança climática é uma oportunidade tanto quanto um desafio, e a direita autoritária sempre considerou isso útil para fabricar uma crise. Dessa forma, é tão difícil imaginar que a mudança climática, a ameaça final à civilização, seja um dia usada para justificar políticas conservadoras? Quando os recursos forem limitados e grandes porções do globo se tornarem inabitáveis, achamos realmente que o capitalismo vai simplesmente desistir e admitir a derrota?

Não é difícil ver como as preocupações ambientais podem ser incorporadas a uma ideologia de direita. Ao longo da história, os capitalistas apontaram para o mundo natural, que afirmam ser baseado na competição e sobrevivência, para justificar os sistemas que nós, humanos, criamos. Essa tradição também tende a enfatizar a hierarquia natural de qualquer sociedade, argumentando que o forte sempre vencerá o fraco.

Assim, a imaginação de direita vê o mundo natural como uma parte fundamental de nossa identidade nacional que nós, como patriotas, somos chamados para proteger. Nessa visão de mundo, a degradação do mundo vivo está indissociavelmente ligada à degradação da sociedade moderna. Ela percebe tudo o que é considerado estrangeiro ou estranho como antinatural e desnecessário. Essa filosofia racista, também usada para explicar a eugenia, está atualmente experimentando um ressurgimento mortal.
Sangue e Solo

No ano passado [2019], um supremacista branco realizou um ataque terrorista em Christchurch, Nova Zelândia. Ele matou 51 pessoas em um tiroteio bárbaro que teve como alvo duas mesquitas próximas. Antes de realizar este ataque, o assassino publicou um manifesto online orgulhosamente referindo-se a si mesmo como um “eco-fascista”. Seu manifesto protestava contra a poluição da água, resíduos plásticos e uma sociedade que está “criando um grande fardo para as gerações futuras”.

Essa visão apocalíptica de colapso pretendia ganhar o máximo de atenção online e, portanto, deve ser considerada com algum ceticismo. A “direita alternativa” [alt-right, uma fração da extrema direita]” memeificou o fascismo moderno, e este assim chamado manifesto está repleto de referências a videogames, mídias sociais e cultura popular. É possível que as referências às mudanças climáticas sejam outra distração deliberada, mas não é assim que seus apoiadores as interpretam.

Meses depois, outro tiroteio aconteceu em El Paso, Texas, diretamente inspirado no primeiro tiroteio em Christchurch. O assassino fez referência a temas ecológicos semelhantes em seu próprio manifesto e se declarou um “apoiador do atirador de Christchurch”. Apenas uma semana depois, outro supremacista branco tentou um ataque fracassado a uma mesquita na Noruega. Ele descreveu o atirador de Christchurch como um “santo” e convocou outros a imitar os ataques.

Por enquanto, os defensores do “ecofascismo” estão se organizando principalmente online. No entanto, houveram tentativas conjuntas de tirar esse movimento da internet e colocá-lo nas ruas. Richard Spencer, o homem que popularizou o termo “alt-right”, não nega a existência de mudanças climáticas antropogênicas. Na verdade, ele vê isso como uma parte importante de sua política.

Spencer uma vez twittou que o controle populacional era “a solução óbvia para os estragos da mudança climática” e escreveu um manifesto para o comício “Unite The Right” em Charlottesville, argumentando que “os países europeus deveriam investir em parques nacionais, reservas naturais e refúgios de vida selvagem, bem como fazendas produtivas e sustentáveis.” Os manifestantes em Charlottesville adotaram esse tema, marchando pelas ruas entoando um antigo slogan nazista, “sangue e solo”.

O fascismo não é uma ideologia nova, é claro — e nem, por falar nisso, é o “ecofascismo”. O slogan “sangue e solo” foi originalmente cunhado por Richard Walter Darré, um alto funcionário do Partido Nazista, para criar um elo místico entre o povo alemão e sua pátria sagrada. Essa ideologia enfatizava que a identidade étnica era baseada no sangue e, com isso, buscava retratar os judeus, a quem Darré chamava de “ervas daninhas”, como uma raça sem raízes, incapaz de estabelecer uma relação verdadeira com a terra.

Os fascistas foram, no passado, capazes de sintetizar a ideologia de extrema direita com uma espécie de ambientalismo básico e indiferenciado. Na verdade, muitas pessoas no Partido Nazista se consideravam ambientalistas. Em seu livro Ecofascism: Lessons from the German Experience [Ecofascismo: Lições da experiência alemã, em tradução livre], Janet Biehl e Peter Staudenmaier rejeitam a noção de que a “ala verde” do Partido Nazista fosse “um grupo de idealistas inocentes, confusos e manipulados, ou reformadores de dentro”:

Eles foram conscientes promotores e executores de um programa vil explicitamente dedicado à violência racista desumana, repressão política massiva e dominação militar mundial.

A “ala verde” nazista teve, em um ponto, uma influência significativa sobre o movimento. Hitler era capaz de exaltar as virtudes da energia renovável em detalhes, uma vez declarando que “água, ventos e marés” eram o caminho da energia do futuro. O movimento jovem também foi uma importante ferramenta de recrutamento: ao sintetizar seu amor pela natureza e a violenta doutrina da supremacia branca, os nazistas foram capazes de doutrinar uma nova geração de jovens fascistas patrióticos.
Interpretando o “Ecofascismo”

O termo “eco-fascista” é agora usado com tanta frequência que quase perdeu o sentido. É, por exemplo, frequentemente usado por negacionistas do clima de direita na tentativa de difamar todos os ambientalistas como fanáticos autoritários. Na Grã-Bretanha, James Delingpole é o autor de The Little Green Book of Eco-Fascism [O pequeno livro verde do ecofascismo, em tradução livre], que enquadra as preocupações ambientais como uma trama de esquerda “para assustar seus filhos, aumentar os custos de energia e elevar seus impostos”.

Delingpole já havia descrito a ativista climática Greta Thunberg como “uma criança autista de 16 anos” e afirmou que “o enforcamento é bom demais” para cientistas do clima. De acordo com Delingpole, os ativistas climáticos querem inaugurar “a Nova Ordem Mundial eco-fascista”, enquanto os fascistas reais — como o atirador de El Paso — não são “bem os nacionalistas brancos de direita, eleitores de Trump, que foram exibidos na mídia.”

Do outro lado do espectro político, muitos comentaristas de esquerda agora veem o “ecofascismo” como uma das duas únicas opções que enfrentamos. Rosa Luxemburgo certa vez popularizou o slogan “socialismo ou barbárie”. Hoje, muitos ecossocialistas falam de uma escolha entre “ecossocialismo ou eco-barbárie”. Há, portanto, uma tendência inútil na esquerda de categorizar qualquer resposta da direita à crise climática como um produto direto do “ecofascismo”. Frequentemente, aquilo a que eles estão realmente se referindo é um produto natural do capitalismo. Afinal, o racismo ambiental não é privilégio dos fascistas.

No entanto, não devemos nos permitir ser desestabilizados por um debate terminológico fútil sobre o que constitui “ecofascismo”. A extrema direita contemporânea não é uma entidade homogênea. Ela é uma aliança complexa de indivíduos, grupos e partidos com uma ampla gama de crenças. Sua ideologia está em constante mudança e o fascismo é apenas uma parte de uma ecologia política mais ampla, que tem uma maneira de se vincular a outros movimentos.

Hoje, a preocupação mais urgente não é uma pequena subcultura de “ecofascistas” online. São as várias maneiras pelas quais as ideias “ecofascistas” estão se enraizando na política de direita dominante.
Uma virada oportunista

No ano passado, os partidos populistas de direita conquistaram quase um quarto das cadeiras no Parlamento Europeu. Esses partidos estão geralmente unidos nas questões de imigração, defesa e segurança internacional, mas divergem cada vez mais na questão das mudanças climáticas.

Marine Le Pen em 1 de maio de 2012 em Paris, França. (Pascal Le Segretain / Getty Images)

Enquanto muitos partidos ainda se engajam no projeto de direita de negação do clima, outros começaram a adotar uma abordagem totalmente diferente. Na França, Marine Le Pen afirma acreditar nas mudanças climáticas. Na verdade, ela diz que quer transformar a França na “principal civilização ecológica do mundo”.

Esta é uma mudança muito repentina na política da extrema direita, que deve ser abordada com grande cautela. Le Pen apoia a energia nuclear como a fonte de energia do futuro e fala sobre o mundo natural em um tom distintamente nacionalista. Ela se recusa a se envolver com outros países em questões de diplomacia internacional e não tem nada de substancial a dizer sobre as maiores questões de nossa época. Quando seu pai, Jean-Marie Le Pen, liderou o partido, a Frente Nacional negou que mudanças climáticas antropogênicas sequer existissem. Hoje, sua filha está desesperada para desintoxicar o partido.

Um padrão semelhante está surgindo na Grã-Bretanha. Embora os partidos de extrema direita no Reino Unido tendam a minimizar o consenso científico sobre a mudança climática, eles costumam falar com segurança sobre a proteção do interior da Inglaterra. O Partido da Independência do Reino Unido tem uma visão da Inglaterra enraizada na visão pastoral da velha Albion. O Partido Nacional Britânico defende uma linha semelhante, mas a esclarece de forma mais explícita, afirmando ser “o único partido a reconhecer que a superpopulação — cujo principal motor é a imigração, conforme revelado pelos próprios números do governo — é a causa da destruição de nosso ambiente.”

Os partidos de direita frequentemente apresentam uma série de crenças contraditórias sobre o meio ambiente. A geração mais velha muitas vezes ainda apoia o projeto de negação do clima, enquanto os ativistas mais jovens são muito mais propensos a aceitar que a mudança climática antropogênica é real, ansiosos para usá-la em seu benefício. De maneira semelhante, o movimento alt-right é composto tanto por “negacionistas climáticos” quanto por “ecofascistas”, dois grupos aparentemente díspares que coexistem alegremente online. Quando chega a hora, eles são fascistas em primeiro lugar, com qualquer sensibilidade ambiental sendo distintamente secundária.

Os líderes de direita também entendem que o mundo em que vivemos está cada vez mais dividido. Mensagens diferentes funcionam em pessoas diferentes e podem ser personalizadas individualmente para subculturas distintas, em parte graças à Internet. É uma vantagem estratégica se sua ideologia for adaptável e ambígua o suficiente para acomodar o maior número possível de pessoas.

Recentemente, a teoria da conspiração “QAnon” passou por um ressurgimento mortal. Ativistas de direita mobilizaram suas redes para espalhar desinformação sobre a pandemia do coronavírus, visando grupos que não se associariam naturalmente à extrema direita. Uma pesquisa recente concluiu que um em cada quatro britânicos agora acredita na teoria da conspiração “QAnon”.

Há temores de que esse tipo de conspiração tenha se tornado particularmente difundido entre a comunidade do bem-estar, uma subcultura da qual se esperaria uma inclinação para as políticas de esquerda do movimento verde. Poderia a mesma coisa acontecer com os ativistas do clima? Ou já está acontecendo?

“Uma solução necessária”

Em março, um perfil que dizia representar uma filial local da Extinction Rebellion postou a fotografia de um adesivo com um slogan perigoso: “corona é a cura — os humanos são a doença”. Um grupo supremacista branco conhecido como Hundred-Handers produziu os adesivos e os divulgou. No entanto, muitas pessoas presumiram que era trabalho de verdadeiros ativistas do clima. O fato de que parecia verossímil é uma parte enorme do problema. Na Grã-Bretanha, o movimento climático tem estado em aberta disputa quanto a questões de justiça racial e econômica.


De fato, o movimento ambiental sempre teve uma relação confusa com a extrema-direita. Muitas das primeiras pessoas que se autodenominaram “conservacionistas” também eram supremacistas brancos. Madison Grant, por exemplo, era um zoólogo americano que também era um defensor ferrenho da ciência racial. Em 1916, ele publicou The Passing of the Great Race [A morte da grande raça], um trabalho pseudocientífico que lamentava a perda do povo “nórdico”. Este panfleto racista inspirou Anders Breivik, o terrorista de extrema-direita.

O co-fundador da Earth First!, Dave Foreman.

Décadas depois, Dave Foreman se tornou uma figura controversa no movimento climático estadunidense. Foreman disse uma vez que “a pior coisa que poderíamos fazer na Etiópia é dar ajuda — a melhor coisa seria apenas deixar a natureza buscar o seu próprio equilíbrio, deixar as pessoas de lá simplesmente morrerem de fome”. Seu colega Christopher Manes saudou a epidemia de AIDS como “uma solução necessária” para o “problema populacional”.

O livro mais recente de Foreman, Man Swarm, [Enxame Humano, em tradução livre] argumenta que a superpopulação humana é a principal causa da emergência climática e ecológica. Ele descreve os Estados Unidos “como uma lagoa de transbordamento para a superprodução imprudente na América Central e no México.”.

Felizmente, a grande maioria dos ambientalistas consideraria essas opiniões abomináveis. No entanto, as preocupações com o crescimento populacional e a imigração costumam ser fundamentais para o movimento verde moderno. Ignorar essa história seria um erro perigoso.

Na Grã-Bretanha, por exemplo, o moderno Partido Verde, originalmente conhecido como Partido PEOPLE, foi fundado por um vereador de direita, Tony Whittaker, e sua esposa Lesley depois de lerem uma entrevista na Playboy com Paul Ehrlich, autor de The Population Bomb [Bomba Populacional, em tradução livre]. O livro de Ehrlich soou o alarme sobre o crescimento populacional do Sul Global e apresentou o controle populacional como o componente mais importante da ação climática.

Ehrlich relata sua experiência de compreender “emocionalmente” o conceito de superpopulação enquanto olhava para uma favela de Delhi pela janela de um táxi e via “pessoas, pessoas, pessoas, pessoas” que estavam “implorando” e “defecando” a cada esquina.

Fantasias autoritárias

O movimento climático europeu sempre teve problemas com o racismo. Na década de 1970, Herbert Gruhl foi um dos primeiros protagonistas dos Verdes alemães, o partido ecológico de maior sucesso na Europa. Gruhl já havia se envolvido com grupos de extrema direita e pediu “o fim da imigração por razões ecológicas”. Ele acabou deixando o partido, alegando que os verdes haviam desistido de sua “preocupação com a ecologia em favor de uma ideologia de esquerda de emancipação” e foi estabelecer um partido de direita, mas suas opiniões permaneceram influentes no movimento climático europeu.

O dissidente marxista da Alemanha Oriental Rudolf Bahro expressou preocupações semelhantes. Em seu livro de 1987, The Logic of Salvation [A lógica da Salvação, em tradução livre] ele escreveu: “O movimento de ecologia e paz é o primeiro movimento popular alemão desde o movimento nazista. Ele deve co-redimir Hitler.” A oportunidade, segundo Bahro, era que hoje, “há um chamado nas profundezas da população por um Adolf Verde”.

Há algo na enormidade da mudança climática que pode mudar as pessoas. Apenas dez anos antes, Bahro havia se identificado como um ecossocialista, dizendo “vermelho e verde, verde e vermelho, combinam bem”. Em Socialism and Survival [Socialismo e Sobrevivência, em tradução livre], um livro escrito há quase quarenta anos com um toque muito contemporâneo, Bahro apresentou um argumento convincente sobre a necessidade de combinar socialismo e ambientalismo.

Murray Bookchin debateu publicamente Bahro e Dave Foreman, censurando os dois por sua abordagem autoritária em relação à mudança climática. Bookchin argumentou que o ambientalismo sem socialismo certamente terminaria em desastre. Quando Bahro o acusou de ignorar o “lado negro” da humanidade, Bookchin respondeu que o “lado negro” da natureza humana emerge de uma base social que escolhemos favorecer. Uma suposta ditadura ecológica, Bookchin disse a Bahro, “não seria ecológica — ela finalmente acabaria com o planeta por completo”.

Hoje, ainda existem alguns ambientalistas que se voltam para o autoritarismo como uma solução para o colapso ecológico. James Lovelock, o cientista que desenvolveu a teoria de Gaia, argumentou que a democracia deve ser suspensa para lidar com as mudanças climáticas:

Mesmo as melhores democracias concordam que, quando uma grande guerra se aproxima, a democracia deve ser colocada em espera por algum tempo. Tenho a sensação de que a mudança climática pode ser um problema tão grave quanto uma guerra.

Outro cientista, Mayer Hillman concorda:

Você consegue ver todo mundo em uma democracia se oferecendo voluntariamente para parar de voar? Você pode ver a maioria da população se tornando vegana? Você pode ver a maioria concordando em restringir o tamanho de suas famílias?

Essa tendência preocupante de pensamento parece estar crescendo. Ela é, deve-se observar, particularmente prevalente entre homens brancos idosos que vivem em países ocidentais ricos.

Ética do barco salva-vidas

Isso é o que acontece quando o ambientalismo desiste. Nos próximos anos, a direita oferecerá soluções mais “pragmáticas” e “realistas” para as mudanças climáticas, com base em mudanças graduais e soluções fantasiosas. Eles vão demonizar os refugiados do clima e nos dizer que os ambientalistas de esquerda querem que os cidadãos dos países ricos e desenvolvidos abram mão de tudo o que agora possuem.

Uma das soluções terríveis que eles oferecerão certamente será “controle populacional”. No momento, é algo que eles apenas ousam sussurrar, mas essa ideia inevitavelmente se espalhará para a esfera pública em um futuro não muito distante. Ao contrário de outras soluções para a mudança climática, esta tem feito parte da política ecológica de extrema direita desde o início.

Qualquer história moderna do controle populacional poderia começar com Pentti Linkola, outro defensor do “ecofascismo”. Pentti Linkola pediu uma redução severa na população humana para o enfrentamento das mudanças climáticas. Ele desenvolveu sua própria estrutura ética, a qual apelidou de “ética do barco salva-vidas”:

Quando o bote salva-vidas estiver cheio, aqueles que odeiam a vida tentarão carregá-lo com mais pessoas e afundar tudo. Aqueles que amam e respeitam a vida pegarão o machado do navio e cortarão as mãos extras que se agarram às laterais.

A demografia é obviamente um fator no cálculo da mudança climática, mas não é de forma alguma o mais importante. O crescimento populacional está agora se achatando, enquanto outras partes mais importantes do cálculo estão crescendo exponencialmente. O consumo e a desigualdade são preocupações muito mais urgentes. Mesmo levando em consideração a tendência atual de crescimento populacional, temos riqueza e recursos suficientes para fornecer um padrão de vida decente para todas as pessoas na Terra e, ao mesmo tempo, reduzir as emissões em alinhamento com o Acordo de Paris.

Pentti Linkola. (Wikimedia Commons)

A direita conseguiu despolitizar com sucesso a crise climática. Foi Herbert Gruhl quem cunhou o slogan “não somos nem esquerda nem direita — estamos à frente”. Movimentos ambientalistas em outros lugares adotaram este slogan; Andrew Yang até o usou em sua candidatura para se tornar o candidato democrata à presidência. Por muito tempo, o movimento ambientalista dominante pensou nas mudanças climáticas como algo “além da política”. A história mostra que essa abordagem pode levar a consequências devastadoras e bárbaras.

Janet Biehl e Peter Staudenmaier nos apresentam uma comparação gritante com o movimento jovem na Alemanha nazista:

As várias vertentes do movimento jovem compartilhavam uma autoconcepção comum: eram uma resposta supostamente “apolítica” a uma profunda crise cultural, enfatizando a primazia da experiência emocional direta sobre crítica e ação social. Essa postura se prestou muito facilmente a um tipo muito diferente de mobilização política: o fanatismo “apolítico” do fascismo. Suas energias contraculturais e seus sonhos de harmonia com a natureza deram os frutos mais amargos. Esta é, talvez, a trajetória inevitável de qualquer movimento que reconhece e se opõe aos problemas sociais e ecológicos, mas não reconhece suas raízes sistêmicas ou resiste ativamente às estruturas políticas e econômicas que os geram. Evitando a transformação social em favor da mudança pessoal, um descontentamento ostensivamente apolítico pode, em tempos de crise, produzir resultados bárbaros.

A perigosa e violenta filosofia do ambientalismo de extrema direita está lentamente sendo normalizada. Após o massacre de El Paso, Jeet Heer observou “quão banal” muito do manifesto do assassino agora parecia, “ecoando muitas das paixões nativistas do trumpismo dominante”.

Um sistema em decadência

O fascismo costuma ser descrito como o capitalismo em decadência. A emergência ecológica é certamente a prova mais clara disso. Nossas elites políticas e econômicas ou não entendem as ramificações de suas ações, que impulsionaram a crise climática, ou simplesmente não se importam o suficiente para detê-la.

Veja o Partido Conservador na Grã-Bretanha. Há apenas cinco anos, Boris Johnson se engajou abertamente na negação do clima. Hoje, Johnson é o primeiro-ministro e, como muitos líderes de direita em toda a Europa, foi forçado a aceitar o consenso científico sobre a mudança climática. O político conservador agora afirma que deseja que o Reino Unido se torne a “Arábia Saudita da energia eólica” e se autodenomina um “evangelista completo” de tecnologias ainda não comprovadas, como captura e armazenamento de carbono.

O governo britânico aposta em soluções tecnológicas para resolver a crise climática. Assim, uma forma de indústria extrativa será simplesmente substituída por outra. Continuaremos a extrair minerais do Sul Global e fecharemos os olhos aos abusos dos direitos humanos na cadeia de fornecimento global, buscando um crescimento infinito em um planeta finito. Ao mesmo tempo, continuaremos nos movendo cada vez mais para a direita.

No ano passado, os conservadores intensificaram sua retórica racista sobre a imigração, demonizando refugiados e ameaçando enviar navios de guerra ao Canal da Mancha. Eles consideraram o envio de requerentes de asilo para centros de detenção em alto mar enquanto impulsionavam uma legislação no parlamento para limitar os processos contra soldados britânicos por crimes de guerra, permitindo que agentes estatais cometam crimes como assassinato e tortura. As autoridades britânicas classificaram os manifestantes climáticos como “extremistas domésticos” e proibiram livros que criticavam o capitalismo nas escolas.

Essas políticas violentas e bárbaras, nutridas pelas forças políticas dominantes em toda a Europa e América do Norte, acabarão por levar à morte ou ao deslocamento de centenas de milhões de pessoas. Portanto, a luta por justiça climática também deve ser uma luta pela emancipação econômica e racial.

As duas grandes crises de nossa época — a emergência climática e o declínio da democracia — derivam de uma crise muito maior: a crise contínua do capitalismo. Para resolver isso, precisamos nos opor ao ambientalismo de extrema direita e construir um movimento climático que seja tanto antifascista quanto anticapitalista. Temos que estar sempre vigilantes contra a ameaça do “ecofascismo” e garantir que o movimento climático não seja suscetível às soluções violentas e perigosas da direita.

Sobre o autor

Sam Knights é escritor, ator e ativista climático. Ele é o coeditor de This Is Not a Drill: An Extinction Rebellion Handbook.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Guia essencial para a Jacobin

A Jacobin tem divulgado conteúdo socialista em ritmo acelerado desde 2010. Eis aqui um guia prático para algumas das obras mais importantes ...