13 de novembro de 2020

Festival de viés de confirmação

Haverá opinião para todos os gostos a partir do resultado das eleições municipais

Nelson Barbosa

Folha de S.Paulo

O presidente eleito dos EUA, Joe Biden. (Kevin Lamarque / Reuters)

A multiplicidade de explicações para a vitória de Biden nos EUA é um bom exemplo do que a economia comportamental chama de “viés de confirmação”: a tendência de dar mais peso ao que confirma suas expectativas e desprezar qualquer coisa que as contrarie.

Para alguns, Biden ganhou porque apostou na agenda de identidade (direitos civis, respeito às minorias etc.) em vez de na agenda de classe (emprego, renda, saúde pública etc.).

Para outros, foi exatamente o contrário, Biden quase perdeu porque enfatizou muito a agenda de identidade e acabou indiretamente ligado à proposta de “cortar o financiamento da polícia” (“defund the police”), que ganhou força após o assassinato de George Floyd por um policial.

Outra interpretação é que Biden ganhou por ser moderado, por não ser um “socialista” no sentido norte-americano do termo, isto é, pessoa favorável a sistema público de saúde e tributação progressiva (coisas comuns na Europa capitalista).

Em contraste, também há quem diga que Biden quase perdeu por ser muito moderado, por não enfatizar suficientemente questões econômicas como geração de emprego e renda para a classe média americana, ainda majoritariamente composta por pessoas brancas. Essa lacuna teria explicado a derrota de Hillary em 2016, dado que ela era muito associada ao “neoliberalismo globalista” de Clinton e Obama, enquanto Trump fez campanha a favor da produção e empregos nacionais.

Ainda haverá muitos livros e análises sobre a eleição de Biden, sobretudo a partir do seu desempenho na Presidência. Enquanto não chegamos lá, vale apontar um fato: desde 1992, os democratas ganharam sete das últimas oito eleições presidenciais no voto popular.

Em outras palavras, apesar dos defeitos do neoliberalismo com compaixão de Clinton e Obama, a maioria da população norte-americana preferiu a agenda democrata nas últimas décadas, e isso só não prevaleceu mais vezes devido ao sistema eleitoral dos EUA, que dá mais peso político a estados com menor população.

Talvez, diante da ameaça de perder os votos da classe média norte-americana, os democratas finalmente resolvam adotar um programa que combine identidade e classe, respeito aos direitos das minorias e segurança econômica para todos. As duas agendas são compatíveis e reforçam uma a outra.

Do lado de cá, também já começaram os paralelos entre EUA e Brasil, com vários apoiadores do golpe de 2016 se candidatando a ser o “nosso Biden” (antes queriam ser o “nosso Macron”), aquele em nome de quem todos os opositores de Bolsonaro devem abrir mão de candidatura para criar uma “frente ampla sem PT” (sic) contra o terraplanismo que nos governa.

Nunca é tarde para mudar de opinião, mas o fato de vários de nossos “neomoderados” continuarem a apoiar a agenda econômica de Guedes e a perseguição política ao PT não inspira muita confiança em suas intenções políticas.

Assim, para que a guinada dos lava-jatistas seja sincera, faço uma sugestão: percam o medo de eleição! Restaurem os direitos políticos de Lula, apresentem suas propostas e deixem que a população decida o que é melhor para si mesma.

Se é para se inspirar nos EUA, lembrem que Biden derrotou Bernie no voto, não nos tribunais. O primeiro passo para sair do buraco em que o lava-jatismo nos meteu desde 2016 é, portanto, restaurar eleições livres no Brasil. O resto é consequência.

No mais, preparem-se para outro festival de viés de confirmação a partir de segunda-feira (16), desta vez sobre o resultado de nossas eleições municipais. Haverá opinião para todos os gostos.

Sobre o autor

Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research.

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