27 de novembro de 2020

Boulos merece um voto de confiança

Ser prefeito de uma cidade dividida exige muito mais que capacidade de gestão

Nelson Barbosa



Todo governante tem que praticar responsabilidade fiscal, mas o que é isso? Para nós, economistas, responsabilidade fiscal significa “dívida pública não explosiva”, isto é, uma relação entre dívida e arrecadação estável ao longo do tempo.

Pode ocorrer aumento de dívida em situação de crise, como assistimos em 2014-16 e agora, pois o Estado é o emprestador de última instância durante grandes recessões. Esse tipo de aumento não é problemático se estiver acompanhado de recuperação de receita e controle de gasto mais à frente, restaurando a rolagem não explosiva da dívida pública.

Existem vários caminhos para a responsabilidade fiscal, nem todos compatíveis com responsabilidade social, mas o que é responsabilidade social? Aqui a resposta é mais difícil, pois depende de opinião política.

No sentido mais amplo, responsabilidade social é garantir direitos universais mínimos (por exemplo: saúde, educação e segurança) para todos, com combate à pobreza e redução de desigualdades (tornando renda mínima um direito social).

Como cada um tem sua opinião sobre o nível máximo de desigualdade tolerável em uma sociedade democrática, a definição de responsabilidade social varia no espectro político.

Para a ala mais neoliberal, quase papalva, basta garantir a lei e a ordem e fazer um mínimo de transferência de renda para combater a extrema pobreza. Do resto o mercado cuida. Qualquer semelhança com crenças religiosas não é coincidência.

Para a ala mais desenvolvimentista (na qual me incluo), é preciso ir além da lei, ordem e combate à pobreza. Desenvolvimento também requer acesso a serviços públicos universais de qualidade e emprego.

No mundo atual, o rol de direitos sociais tem sido ampliado para incluir transporte público acessível, moradia digna, inclusão financeira (crédito) e digital, itens básicos para cidadania no século 21.

Ampliar a responsabilidade social implica reforma fiscal, pois é necessário obter espaço orçamentário para nova atuação do Estado. O espaço pode vir de realocação de despesas e/ou aumento de receita.

Do ponto de vista técnico, é perfeitamente possível combinar responsabilidade fiscal com ampliação da responsabilidade social. O desafio é político: convencer a sociedade de que vale a pena ter uma sociedade menos desigual.

Vários estudos mostram que redução de desigualdade traz ganhos econômicos, com aumento de produtividade devido à equalização de oportunidades e redução de perdas de renda devido tensões sociais crescentes (exemplo: a quebradeira do Carrefour na Pamplona).

Os ganhos de redução da desigualdade significam que parte do investimento em uma sociedade mais solidária paga por si mesmo. A outra parte vem de aumento de receita ou redução de outros gastos, o preço de reduzir desigualdades.

Neste domingo (29), a população paulistana voltará às urnas, para escolher seu prefeito. Guilherme Boulos representa a escolha por uma cidade mais solidária.

Alguns analistas criticaram as propostas de Boulos pela ótica da responsabilidade fiscal, apontando incongruência. O candidato reconheceu algumas críticas e sinalizou que pretende governar para todos dentro dos limites orçamentários da prefeitura, que podem ser elevados mediante maior contribuição dos estratos de alta renda.

A tarefa não é fácil. Ser prefeito de uma cidade dividida como São Paulo exige muito mais do que capacidade de gestão.

É preciso ter, também, habilidade para o diálogo e sensibilidade social, o que Boulos tem de sobra. Por esses motivos, Boulos merece um voto de confiança neste domingo.

Sobre o autor

Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research.

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