2 de outubro de 2022

Fracasso de Rodrigo em SP finaliza o enterro do PSDB

Espólio nacional da sigla será disputado por Leite e Aécio; Tarcísio pode ocupar vácuo estadual

Igor Gielow

Folha de S.Paulo

O governador Rodrigo Garcia (PSDB) durante debate entre candidatos ao Palácio dos Bandeirantes - Ronny Santos - 17.set.2022/Folhapress

O fracasso do governador Rodrigo Garcia em chegar ao segundo turno da eleição em São Paulo não marca apenas o fim de uma era de 27 anos de governos tucanos no estado de forma melancólica.

Ele significa a última nota do réquiem público pelo PSDB, partido que dominou com o PT a política nacional por duas décadas e governou o país por oito anos.

A música fúnebre já tocava desde 2018, quando o hoje sorridente vice de Luiz Inácio Lula da Silva, Geraldo Alckmin, amargava o quarto lugar na disputa vencida pelo obscuro Jair Bolsonaro (PL). Governador de São Paulo em quatro ocasiões, o ex-tucano saiu humilhado com pouco menos de 5% do pleito, reinventando-se como amuleto conservador a ser exibido pelo petista neste ano.

O processo de desintegração tucana tem como marco a quase vitória de Aécio Neves (MG) sobre Dilma Rousseff (PT) em 2014, a última demonstração de coesão partidária de uma sigla marcada pelo fratricídio. A partir daí, João Doria emergiu com uma eleição fulminante em primeiro turno na capital paulista em 2016, batendo de frente com o mineiro e outros caciques do partido.

Com a queda em desgraça de Aécio, abatido na esteira do escândalo da JBS que quase derrubou o governo pós-impeachment de Michel Temer (MDB), de quem foi fiador, Doria buscou viabilizar sua candidatura presidencial em 2018.

No processo, ficou marcado como traidor de Alckmin, que nunca lhe deu vida fácil, apesar de ter sido o padrinho público de sua candidatura, uma acusação da qual nunca se livrou e que, somada ao voluntarismo empresarial antipolítico que o caracterizava, ao fim ajudou a sepultar suas pretensões neste ano.

Mais importante, acentuou a divisão do partido entre os novos nomes, a velha guarda e o time de Aécio, que mesmo recolhido operava nos bastidores —só voltou a respirar acima da linha d'água com o prócer do centrão Arthur Lira (PP-AL) à frente da Câmara. Doria acabou ficando para disputar e vencer a corrida paulista, assegurando a continuidade nominal do poder tucano, e viu o ex-governador fracassar.

O partido, contudo, viu a classe média de corte mais conservador que sempre o acompanhou migrar em nível nacional para Bolsonaro em 2018, e Doria nunca conseguiu alcançá-la. As explicações são várias, inclusive o fato de que houve uma volta por cima da velha política de lá para cá, mas mesmo aliados colocam no estilo do tucano o principal peso para isso.

Sem apoio, enfrentando Bolsonaro e tomando medidas impopulares na pandemia, Doria ainda se indispôs dentro da própria sigla, que sempre o viu como um estranho no ninho. Ensaiou um plano de voo em 2020, mas o desgastante processo de prévias internas revelou uma liderança emergente, o jovem governador gaúcho Eduardo Leite, apadrinhado por Aécio.

Doria prevaleceu então, só para ver a sigla trabalhar contra sua candidatura. Sem decolar nas pesquisas, num pleito que desde o começo estava desenhado para ser o embate final entre Lula e Bolsonaro, tentou sem sucesso uma última jogada para ficar no cargo —no que gerou a fúria de Rodrigo, um quadro histórico do DEM paulista trazido ao PSDB quando seu partido entrou em convulsão interna em 2021.

Ao fim, sobrou ao implodido PSDB virar sócio júnior na campanha nanica de Simone Tebet (MDB).

Tudo isso confluiu para o exílio político de Doria e o voo tíbio de Rodrigo como governador e candidato. Se tivesse passado para o segundo turno, teria perspectiva positiva para derrotar Fernando Haddad (PT), mas não contava com o fator Tarcísio de Freitas (Republicanos).

Candidato de Bolsonaro no estado, o ex-ministro é um neófito na política, mas não na acomodação: trabalhou nos governos Dilma, Temer e no do chefe. Ele surfou os votos do presidente no estado e, de alguma forma, parece ter conseguido se descolar de sua rejeição.

Instrumental em sua construção como político foi um antigo aliado justamente de Rodrigo, Gilberto Kassab. O criador e gerente do PSD rompeu politicamente com o atual governador e nunca perdoou Doria por tê-lo jogado aos leões quando foi acusado de caixa 2 e corrupção. O tucano o manteve numa geladeira por quase dois anos, licenciado da Casa Civil que nunca chegou a ocupar.

O plano de Kassab, adversário de Bolsonaro e próximo de Lula, é transformar Tarcísio no herdeiro do voto tucano conservador paulista, assim como o PSDB foi depositário de correntes como o malufismo antes. Se der certo e ele bater Haddad, um novo eixo da centro-direita estará em formação no principal estado do país.

A poderosa máquina tucana no interior, assim como a do então PMDB antes, tenderá a acomodar-se à nova realidade se Tarcísio triunfar. Já a velha-guarda tucana, de plumagem de centro-esquerda, tenderá a aproximar-se do PT em nível federal se Lula confirmar seu favoritismo.

Já nacionalmente, a vitória de Leite para um novo mandato o cacifa como líder das ruínas do antigo PSDB. Sem a fortaleza paulista, caberá ao governador reorganizar a sigla, que já está em federação com o Cidadania. Será difícil, justamente pela provável atração que novos polos de poder terá sobre quem ainda tiver mandato.

Doria segue sendo uma incógnita. Está cuidando de sua vida empresarial e em novembro fará uma reestreia no palco público ao receber, à frente do grupo Lide, nomes políticos e econômicos de peso em uma conferência em Nova York. Não ter um mandato, contudo, retira púlpito para agir e reformular sua projeção.

Com tudo isso, a sigla que liderou o Plano Real e ocupou o Planalto de 1995 a 2002 com Fernando Henrique Cardoso completou seu caminho ao oblívio.

Como todo império caído, tem estruturas ainda grandiosas para mostrar: detém a quarta maior força municipal do país, com três capitais em sua mão, e agora fará uma bancada modesta, mas ainda com poder de barganha, o que de resto favorece o estilo Aécio de negociar.

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