Jorge M. Farinacci-Fernós
Jacobin
Movimiento Victoria Ciudadana (MVC). |
Tradução / Desde 1968, Porto Rico tem um sistema bipartidário estável, dividido no que diz respeito à chamada questão de status, em vez da tradicional divisão esquerda-direita. O outrora dominante Partido Popular Democrático (PPD) apóia a manutenção do atual arranjo com os EUA, enquanto o Partido Novo Progressivo (PNP) defende a criação de um Estado. Os dois partidos adotam políticas neoliberais, embora o PPD seja geralmente mais liberal em questões sociais, como direitos LGBT.
Durante décadas, o PNP e o PPD alternam-se no poder, normalmente obtendo 95% dos votos. O Partido da Independência de Porto Rico (PIP), com tendência social-democrata, mas priorizando a questão da independência, geralmente se mantém na retaguarda. A esquerda não-nacionalista, embora relativamente bem enraizada nos movimentos trabalhistas e estudantis, nunca conseguiu se destacar com o eleitorado.
Até agora. Nas eleições gerais de 3 de novembro, enquanto muitos olhos estavam focados na eleição presidencial dos EUA, os progressistas em Porto Rico desferiram um sério golpe no sistema bipartidário. O total de votos combinados do PNP-PPD despencou, o PIP e um novo partido de esquerda atraíram amplo apoio e o neoliberalismo foi colocado em alerta.
O consenso neoliberal começa a romper
Obipartidarismo da ilha começou a dar sinais de ruptura em 2016. O total de votos do PNP-PPD caiu de 96% para 80%; e enquanto o candidato a governador derrotado em 2008 recebeu 42% dos votos e o vencedor em 2016 recebeu 41%. Dois candidatos independentes, com posições moderadas mas vagamente “contra o sistema”, conseguiram tirar proveito da crescente frustração dos trabalhadores após décadas de corrupção e austeridade, somada à recessão prolongada. Ainda assim, os partidos explicitamente de esquerda se saíram relativamente mal, levando a análises divergentes na época. Enquanto o apoio aos dois partidos neoliberais caiu drasticamente, as forças de esquerda não conseguiram aproveitar totalmente a brecha.
Então, veio o histórico verão de 2019. Depois do vazamento de uma conversa entre o governador do PNP, Ricardo Rosselló, e seus principais assessores, revelando seu racismo, misoginia, corrupção e desprezo pelos pobres, a ilha irrompeu nas maiores mobilizações populares de sua história. Centenas de milhares de pessoas foram às ruas exigindo a renúncia do governador. O slogan “Ricky Renuncia” tornou-se um fenômeno social instantâneo liderado por jovens, em especial, mulheres. Rosselló renunciou em poucas semanas, sendo o primeiro governador na história constitucional de Porto Rico a fazê-lo. A ilha de Porto Rico não tem sido a mesma desde então.
Após as eleições de 2016, várias forças progressistas discutiram a criação de um amplo partido anti-neoliberal, que acolheria todas as opiniões sobre a questão do status, além de um repúdio geral ao colonialismo. O objetivo: desenraizar o cenário político, realinhando-o ao longo do eixo esquerda-direita, em vez da questão nacional.
Essas conversas culminaram na formação do Movimiento Victoria Ciudadana (MVC) em 2019. A nova “agenda urgente” do partido enfatizou a luta contra a corrupção, a restauração dos direitos trabalhistas e o salvamento de espaços e instituições públicas da privatização. Enquanto isso, o PIP, embora fosse contrário à adesão ao novo projeto devido à sua insistência de que a independência precisa fazer parte de qualquer programa político, também pareceu mudar de rumo, concentrando-se em questões socioeconômicas em vez da questão nacional.
O resultado: veio novembro e os porto-riquenhos tiveram duas alternativas progressistas na eleição.
A esquerda avança
As eleições deste mês abalaram o sistema bipartidário e seu consenso neoliberal ainda mais do que em 2016. Os candidatos a governador do MVC e do PIP obtiveram 14% dos votos cada, enquanto o candidato vencedor, do PNP, mal obteve 33%. Ou seja, a diferença entre o candidato vencedor e o voto combinado dos partidos progressistas foi de apenas 5%. O terremoto eleitoral de 2016, ao que parece, não foi mero acaso. Na verdade, parece que o abalo secundário foi ainda mais poderoso do que o original.
E o avanço do MVC-PIP não foi apenas um fenômeno na eleição para governador. Eles também obtiveram bons resultados no Legislativo.
Historicamente, os partidos fora do bipartidarismo do PNP-PPD só conseguiu eleger um único membro em cada Assembleia Legislativa. O sistema de Porto Rico combina assentos eleitos por maioria simples em distritos legislativos individuais com assentos eleitos por votação geral. Cada Câmara tem onze assentos gerais, e nenhum partido político pode preencher mais de seis. Isso normalmente significa que o partido vencedor elege toda sua chapa de seis legisladores, o segundo colocado elege quatro e o terceiro partido só pode eleger um.
Na eleição deste mês, o PNP e o PPD juntos só conseguiram eleger seis dos onze assentos gerais no Senado e sete dos onze na Câmara dos Deputados. O PIP manteve seu único membro histórico em cada casa, enquanto o MVC conseguiu eleger dois senadores e dois deputados. No Senado, um candidato independente muito progressista conseguiu ser reeleito, um fato inédito na política eleitoral porto-riquenha.
Mas a insurgência progressista pode não ter acabado ainda. O candidato do MVC para a prefeitura de San Juan está em uma batalha acirrada com o PNP pelo primeiro lugar. Embora pareça que o PNP conseguirá se sair vitorioso sob uma nuvem de irregularidades, o candidato do MVC, Manuel Natal — membro da Câmara dos Deputados e ex-membro do PPD, tendo rompido com o partido por causa de suas tendências neoliberais — conseguiu angariar mais de 30% dos votos, um resultado impressionante para um novo projeto eleitoral progressista.
O mesmo pode ser dito sobre Eva Prados, candidata do MVC para a Câmara em um dos distritos de assento único de San Juan. Atualmente, ela está lutando contra o candidato do PNP depois de deixar o PPD em terceiro lugar. Ela seria a primeira deputada de distrito fora do duopólio do PNP-PPD.
Os novos membros do MVC em assentos gerais no Legislativo têm fortes raízes na esquerda. Primeiramente, a Câmara: Mariana Nogales Molinelli foi presidente do Partido Popular Trabalhador (PPT) e candidata a comissária residente em 2016. Ativista incansável, ela é uma presença permanente nos movimentos sociais de Porto Rico, e recebeu mais de 80 mil votos, a maior contagem de todos os candidatos do MVC em geral; José Bernardo Márquez, jovem progressista e filho de um conhecido prefeito do PNP, ilustra a ruptura de sua geração com os partidos tradicionais.
No Senado: Ana Irma Rivera Lassén, ativista de longa data em lutas antiracistas e LGBT; Rafael Bernabe, ex-candidato a governador pelo PPT com um sólido histórico socialista.
Olhando para o futuro
Embora o MVC não tenha vencido as eleições em termos de votos, ele transformou o mapa político, fazendo um impressionante avanço no Legislativo e mobilizando setores importantes da sociedade (particularmente jovens). Agora tem um caminho viável para a vitória em 2024.
Muitos estão propondo uma aliança MVC-PIP. E embora a esquerda porto-riquenha tenha uma história infeliz de sectarismo (e mesmo que a questão nacional sirva como um ponto de fratura aparentemente permanente), alguma forma de unidade eleitoral parece possível.
Os próximos quatro anos serão críticos para ver se a esquerda pode aumentar ainda mais seu sucesso inicial. O PPD conseguiu reunir uma maioria absoluta no Legislativo, o que significa que haverá um governo dividido com o Executivo liderado pelo PNP.
A posição da esquerda ainda é incipiente, mas, pela primeira vez em décadas, ela se tornou uma grande força na política eleitoral porto-riquenha.
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