Eileen Jones
A família Park (Choi Woo-sik, Song Kang-ho, Jang Hye-jin, and Park So-dam) em Parasita, do diretor Bong Joon-ho. |
Ainda sinto um incomodo considerável por ter assistido Parasita. É um filme bom nesse nível. Até o que ele tem de comédia é perturbado, e então a verdadeira angústia se instala.
Não dê bola para a reação negativa que você pode encontrar nas redes sociais. Qualquer filme que deixe um impacto tão grande certamente será desprezado por retardatários enlouquecidos pelo consenso das primeiras ondas de elogios. E Parasita era um candidato perfeito a receber um amor inicial e um subsequente desprezo pela esquerda, porque agora as pessoas vão assistir já preparadas para lê-lo como uma alegoria política. Elas começam a montar uma análise do filme nesses termos assim que as luzes se apagam. Francamente, elas poderiam fazê-lo ainda mais cedo, com base na reputação do escritor e diretor Bong Joon-ho (O Hospedeiro, Expresso do Amanhã, Okja), além de talvez o trailer.
Se Parasita for considerado como um filme que se resume a uma moral, uma mensagem ou uma alegoria socialista, ele falhará, porque parecerá muito simples, direto demais. Já tenho lido declarações de reação negativa socialista online e, inevitavelmente, a queixa é sobre como a mensagem do filme é muito óbvia e fácil de se ler, que é martelada em todas as cenas. Vou citar um exemplo conciso, pescado do meu feed do Facebook:
A moral é basicamente que não há luta de classes sem consciência de classe, e não há consciência de classe quando a classe trabalhadora busca nada mais do que substituir a classe dominante.
Bem, com certeza. Mas o poder do filme não está aí. Não é sobre a moral, a mensagem, a alegoria, a metáfora, nada disso. É por isso que no filme, o filho, Ki-woo (Choi Woo-sik), segue exclamando “é tão metafórico”, de uma maneira comicamente sem sentido. É claramente uma piada bem sacada de Bong, antecipando os tipos de reação que o filme teria.
Parasita na verdade cristaliza a experiência de ser uma família de classe baixa se aproveitando da chance de “chegar lá”, e a retrata de maneira a te machucar. O diretor quer que você sinta a faca entrando em você repetidamente no final e – por causa da dor – quer que você a lembre. Como E. Alex Jung citou Bong em uma entrevista, o objetivo emocional da conclusão do filme, especialmente a última cena, é mortal: “é pra matar, infalível”.
“Chegar lá”, como eu dificilmente precisaria explicar, significa alcançar aquele lugar preferido, reservado a apenas alguns poucos em nossa sociedade, onde você não tem mais preocupações reais sobre dinheiro. Você vive no luxo, passeia por vistas panorâmicas suaves, imensos espaços e linhas limpas e discretas literalmente incorporadas à arquitetura, para que nada impeça seu movimento à medida que você flui daqui para lá. No filme, “chegar lá” assume a forma de uma grande casa ultra moderna projetada por um famoso arquiteto, um daqueles arquitetos que prosperaram no início dos anos 1960 e que misturavam em ambientes internos e externos, de modo que a enorme sala de estar, em suas caras linhas puras, pareça continuar de maneira suave através de uma enorme parede de vidro para se tornar um vasto gramado, perfeitamente conservado. No filme, “chegar lá” significa deslizar por esse maravilhoso espaço interno-externo, murmurando como “o brilho do sol é tão bom”
Isso é dolorosamente correto como uma maneira de representar a experiência da classe baixa ao descobrir como os ricos vivem. Lembro-me, quando criança, de visitar as casas dos amigos da escola e hesitar no limiar da porta, maravilhada com os imensos espaços, e tudo tão organizado! Como eles mantinham tudo tão limpo? Ficava nervosa sobre entrar – e se eu trouxesse sujeira ou derramasse alguma coisa naqueles pisos imaculados? Eu sabia, seria muito pior do que se um membro da família ou um amigo rico derramasse algo no chão.
A limpeza tem grande importância no filme. A família Kim, lutando para se manter em quartos apertados em uma favela de Seul, está sempre à mercê da sujeira, travando uma batalha contínua contra bêbados urinando diretamente no canto de seu meio-apartamento de porão, no nível de suas cabeças enquanto comem o jantar e assistem os malfeitores pela janela suja. Eles abrem suas janelas para receber o inseticida quando o bairro está sendo pulverizado, a fim de se livrar de suas infestações de insetos. No final do filme, quando o plano da família para melhorar sua situação dá errado, a merda literalmente flui ladeira abaixo com uma série de inundações que rompem os esgotos e destroem sua casa e seus bens escassos.
Tudo começa quando Ki-woo, um aspirante a estudante universitário (se ele conseguir economizar dinheiro suficiente para isso), recebe uma dica sobre um trabalho como tutor da filha da rica família Park, Da-hye (Jung Ziso). Ele sabe o quanto é importante parecer limpo e apresentável para a entrevista. Rapidamente ele se estabelece como um favorito na casa, lisonjeando Yeon-kyo (Jo Yeo-jeong), a ingênua e mimada mulher da casa, e flertando com Da-hye.
Em pouco tempo ele consegue conquistar empregos para toda a família. A irmã durona e impassível Ki-jung (Park So-dam) faz uma rápida pesquisa no Google e se apresenta como “Jessica”, uma “terapeuta de arte” do tipo guru para o filho rico e malcriado da casa de Park, Da-song (Jung Hyun- jun). O doce e infeliz pai Ki-taek (Song Kang-ho) tem um jeito tranquilizador como motorista, e a feroz mãe Chung-sook (Jang Hye-jin) toma o lugar dignificado da governanta Moon-gwang (Lee Jeong- eun) depois de brutalmente a tirarem de seu emprego.
Não há solidariedade entre os trabalhadores aqui, obviamente – é uma briga de cães entre os trabalhadores pobres, lutando pelos restos que caem das mesas ricas. E a família Kim sabe, por instinto e amarga experiência, como se mostrar aceitável para os ricos – como se vestir, pentear os cabelos,falar, andar, se mover – tudo em silêncio, de maneira suave e limpa. E, no entanto, correm o risco de serem descobertos porque, de acordo com a família Park, eles têm um cheiro distinto – e presumivelmente desagradável.
O malcriado Da-song anuncia isso primeiro, correndo para cheirar cada um dos quatro supostos estranhos antes de anunciar: “eles têm o mesmo cheiro!”
A família Kim fica confusa e alarmada com esse misterioso identificador que não conheciam: “o que poderia ser?” Eles concordam rapidamente entre si de começar a se lavar com diferentes tipos de sabão. Mas isso não resolve o problema. O pai, Ki-taek, em especial, corre o risco de perder o emprego de motorista, porque, embora “nunca ultrapasse os limites” enquanto conduz o carro de seu empregador, para Dong-ik (Lee Sun -kyun), o monstruosamente rico e elegante patrão, “o cheiro dele ultrapassa os limites.”
Este é o momento quase insuportavelmente doloroso do filme, quando a família Kim aparentemente alcançou o milagre de se infiltrar nos luxuosos arredores dos ricos, mas sabemos que isso não pode durar. É apenas uma questão do que os derrubará.
“Não passar no teste da cheirada” é um horror familiar de qualquer pessoa da classe trabalhadora que tenta subir no mundo – uma sensação de que há uma parte essencial de você que sempre o denunciará, não importa o quão elegantemente você se vista ou com quanta astúcia você imite as maneiras e atitudes dos privilegiados e poderosos. Esse medo é bem fundamentado, porque há muito está incorporado nas crenças da alta classe que há algo inerentemente e fisicamente inferior nas classes mais baixas, que justifica a estratificação em classes.
George Orwell escreveu sobre isso em O Caminho para Wigan Pier, quando foi designado para estudar as condições de vida de mineiros pobres no norte da Inglaterra. Ele trapaceou e expandiu seu projeto para torná-lo uma confissão pública daquilo que sabia sobre as atitudes da classe alta em relação aos pobres, para horror do seu editor Victor Gollancz. A crença de que as classes mais baixas fedem e são fundamentalmente sujas, de uma forma que nenhuma quantidade de lavagem jamais poderá erradicar, era um valor fundamental com o qual ele havia sido criado, mesmo como uma mera pessoa da “classe média alta-baixa” na insanamente obsessiva hierarquia de classes inglesa. (De acordo com Orwell, esse status de classe significava que ele havia sido treinado sobre como tratar os criados que provavelmente nunca seria capaz de pagar para tê-los.).
O outro aspecto mais devastador do filme, para mim, também dizia respeito ao desafortunado pai Ki-taek. Em um ponto especialmente baixo, quando sua família está esperando para ouvir qual é o seu plano para tirá-los de sua situação, ele confessa ao filho Ki-woo que “o melhor plano é não ter um plano”. Dessa forma, veja só, você não se sentirá ainda pior quando as coisas inevitavelmente não derem certo.
A ideia de que nada dá certo quando você é uma pessoa de classe baixa é uma percepção que você combate pelo máximo de tempo que for possível. O que o faz continuar é provavelmente a determinação de que você sempre pode tentar outra coisa, tentar melhor e, não importa quantas vezes falhe, pode tentar novamente subir de algum jeito. Bong Joon-ho termina o filme representando essa fantasia cruel, que reconhecemos como uma fantasia, enquanto Ki-woo promete salvar o que resta de sua família, ir à universidade, ganhar muito dinheiro e “chegar lá”, de algum jeito. Então ele comprará a casa da família Park, onde os Kims poderão viver ao sol.
É um grande presente do socialismo que você finalmente possa ver como é uma loucura o sonho de “chegar lá” sozinho ou com sua pequena unidade familiar sitiada, em um sistema capitalista todo configurado contra você. Antes de sacar isso, eu olhava para trás compulsivamente e cheia de arrependimento, pensando que minha família poderia ter chegado lá se tivéssemos sido mais espertos, mais duros ou mais agressivos. Considerando tudo, a gente foi bem. Mas éramos tão talentosos – certamente deveríamos ter sido capazes de escalar às alturas. Por que não conseguimos? O que nos impediu? Como falhamos?
Bong Joon-ho conhece essa síndrome bem o bastante para tornar sua família em dificuldades inteligente, durona e agressiva, para que não haja espaço para pensar que eles poderiam ter se saído melhor. Somos forçados a contemplar a armadilha desse tipo de pensamento. E se você já passou por alguma versão desse processo, não sei como vai evitar estremecer com feridas antigas enquanto assiste Parasita. Como E. Alex Jung argumenta: “A esperança é o parasita emocional do filme: aquilo que nos mantém em movimento, mas que suga a nossa medula até secar”.
O título é a única coisa sobre o filme que vale a pena interpretar da maneira simbólica que aflige as críticas: “é tão metafórico!”
Sobre o autor
Eileen Jones é crítica de cinema na Jacobin e autora de Filmsuck, EUA. Ela também hospeda um podcast chamado Filmsuck.
Não dê bola para a reação negativa que você pode encontrar nas redes sociais. Qualquer filme que deixe um impacto tão grande certamente será desprezado por retardatários enlouquecidos pelo consenso das primeiras ondas de elogios. E Parasita era um candidato perfeito a receber um amor inicial e um subsequente desprezo pela esquerda, porque agora as pessoas vão assistir já preparadas para lê-lo como uma alegoria política. Elas começam a montar uma análise do filme nesses termos assim que as luzes se apagam. Francamente, elas poderiam fazê-lo ainda mais cedo, com base na reputação do escritor e diretor Bong Joon-ho (O Hospedeiro, Expresso do Amanhã, Okja), além de talvez o trailer.
Se Parasita for considerado como um filme que se resume a uma moral, uma mensagem ou uma alegoria socialista, ele falhará, porque parecerá muito simples, direto demais. Já tenho lido declarações de reação negativa socialista online e, inevitavelmente, a queixa é sobre como a mensagem do filme é muito óbvia e fácil de se ler, que é martelada em todas as cenas. Vou citar um exemplo conciso, pescado do meu feed do Facebook:
A moral é basicamente que não há luta de classes sem consciência de classe, e não há consciência de classe quando a classe trabalhadora busca nada mais do que substituir a classe dominante.
Bem, com certeza. Mas o poder do filme não está aí. Não é sobre a moral, a mensagem, a alegoria, a metáfora, nada disso. É por isso que no filme, o filho, Ki-woo (Choi Woo-sik), segue exclamando “é tão metafórico”, de uma maneira comicamente sem sentido. É claramente uma piada bem sacada de Bong, antecipando os tipos de reação que o filme teria.
Parasita na verdade cristaliza a experiência de ser uma família de classe baixa se aproveitando da chance de “chegar lá”, e a retrata de maneira a te machucar. O diretor quer que você sinta a faca entrando em você repetidamente no final e – por causa da dor – quer que você a lembre. Como E. Alex Jung citou Bong em uma entrevista, o objetivo emocional da conclusão do filme, especialmente a última cena, é mortal: “é pra matar, infalível”.
“Chegar lá”, como eu dificilmente precisaria explicar, significa alcançar aquele lugar preferido, reservado a apenas alguns poucos em nossa sociedade, onde você não tem mais preocupações reais sobre dinheiro. Você vive no luxo, passeia por vistas panorâmicas suaves, imensos espaços e linhas limpas e discretas literalmente incorporadas à arquitetura, para que nada impeça seu movimento à medida que você flui daqui para lá. No filme, “chegar lá” assume a forma de uma grande casa ultra moderna projetada por um famoso arquiteto, um daqueles arquitetos que prosperaram no início dos anos 1960 e que misturavam em ambientes internos e externos, de modo que a enorme sala de estar, em suas caras linhas puras, pareça continuar de maneira suave através de uma enorme parede de vidro para se tornar um vasto gramado, perfeitamente conservado. No filme, “chegar lá” significa deslizar por esse maravilhoso espaço interno-externo, murmurando como “o brilho do sol é tão bom”
Isso é dolorosamente correto como uma maneira de representar a experiência da classe baixa ao descobrir como os ricos vivem. Lembro-me, quando criança, de visitar as casas dos amigos da escola e hesitar no limiar da porta, maravilhada com os imensos espaços, e tudo tão organizado! Como eles mantinham tudo tão limpo? Ficava nervosa sobre entrar – e se eu trouxesse sujeira ou derramasse alguma coisa naqueles pisos imaculados? Eu sabia, seria muito pior do que se um membro da família ou um amigo rico derramasse algo no chão.
A limpeza tem grande importância no filme. A família Kim, lutando para se manter em quartos apertados em uma favela de Seul, está sempre à mercê da sujeira, travando uma batalha contínua contra bêbados urinando diretamente no canto de seu meio-apartamento de porão, no nível de suas cabeças enquanto comem o jantar e assistem os malfeitores pela janela suja. Eles abrem suas janelas para receber o inseticida quando o bairro está sendo pulverizado, a fim de se livrar de suas infestações de insetos. No final do filme, quando o plano da família para melhorar sua situação dá errado, a merda literalmente flui ladeira abaixo com uma série de inundações que rompem os esgotos e destroem sua casa e seus bens escassos.
Tudo começa quando Ki-woo, um aspirante a estudante universitário (se ele conseguir economizar dinheiro suficiente para isso), recebe uma dica sobre um trabalho como tutor da filha da rica família Park, Da-hye (Jung Ziso). Ele sabe o quanto é importante parecer limpo e apresentável para a entrevista. Rapidamente ele se estabelece como um favorito na casa, lisonjeando Yeon-kyo (Jo Yeo-jeong), a ingênua e mimada mulher da casa, e flertando com Da-hye.
Em pouco tempo ele consegue conquistar empregos para toda a família. A irmã durona e impassível Ki-jung (Park So-dam) faz uma rápida pesquisa no Google e se apresenta como “Jessica”, uma “terapeuta de arte” do tipo guru para o filho rico e malcriado da casa de Park, Da-song (Jung Hyun- jun). O doce e infeliz pai Ki-taek (Song Kang-ho) tem um jeito tranquilizador como motorista, e a feroz mãe Chung-sook (Jang Hye-jin) toma o lugar dignificado da governanta Moon-gwang (Lee Jeong- eun) depois de brutalmente a tirarem de seu emprego.
Não há solidariedade entre os trabalhadores aqui, obviamente – é uma briga de cães entre os trabalhadores pobres, lutando pelos restos que caem das mesas ricas. E a família Kim sabe, por instinto e amarga experiência, como se mostrar aceitável para os ricos – como se vestir, pentear os cabelos,falar, andar, se mover – tudo em silêncio, de maneira suave e limpa. E, no entanto, correm o risco de serem descobertos porque, de acordo com a família Park, eles têm um cheiro distinto – e presumivelmente desagradável.
O malcriado Da-song anuncia isso primeiro, correndo para cheirar cada um dos quatro supostos estranhos antes de anunciar: “eles têm o mesmo cheiro!”
A família Kim fica confusa e alarmada com esse misterioso identificador que não conheciam: “o que poderia ser?” Eles concordam rapidamente entre si de começar a se lavar com diferentes tipos de sabão. Mas isso não resolve o problema. O pai, Ki-taek, em especial, corre o risco de perder o emprego de motorista, porque, embora “nunca ultrapasse os limites” enquanto conduz o carro de seu empregador, para Dong-ik (Lee Sun -kyun), o monstruosamente rico e elegante patrão, “o cheiro dele ultrapassa os limites.”
Este é o momento quase insuportavelmente doloroso do filme, quando a família Kim aparentemente alcançou o milagre de se infiltrar nos luxuosos arredores dos ricos, mas sabemos que isso não pode durar. É apenas uma questão do que os derrubará.
“Não passar no teste da cheirada” é um horror familiar de qualquer pessoa da classe trabalhadora que tenta subir no mundo – uma sensação de que há uma parte essencial de você que sempre o denunciará, não importa o quão elegantemente você se vista ou com quanta astúcia você imite as maneiras e atitudes dos privilegiados e poderosos. Esse medo é bem fundamentado, porque há muito está incorporado nas crenças da alta classe que há algo inerentemente e fisicamente inferior nas classes mais baixas, que justifica a estratificação em classes.
George Orwell escreveu sobre isso em O Caminho para Wigan Pier, quando foi designado para estudar as condições de vida de mineiros pobres no norte da Inglaterra. Ele trapaceou e expandiu seu projeto para torná-lo uma confissão pública daquilo que sabia sobre as atitudes da classe alta em relação aos pobres, para horror do seu editor Victor Gollancz. A crença de que as classes mais baixas fedem e são fundamentalmente sujas, de uma forma que nenhuma quantidade de lavagem jamais poderá erradicar, era um valor fundamental com o qual ele havia sido criado, mesmo como uma mera pessoa da “classe média alta-baixa” na insanamente obsessiva hierarquia de classes inglesa. (De acordo com Orwell, esse status de classe significava que ele havia sido treinado sobre como tratar os criados que provavelmente nunca seria capaz de pagar para tê-los.).
O outro aspecto mais devastador do filme, para mim, também dizia respeito ao desafortunado pai Ki-taek. Em um ponto especialmente baixo, quando sua família está esperando para ouvir qual é o seu plano para tirá-los de sua situação, ele confessa ao filho Ki-woo que “o melhor plano é não ter um plano”. Dessa forma, veja só, você não se sentirá ainda pior quando as coisas inevitavelmente não derem certo.
A ideia de que nada dá certo quando você é uma pessoa de classe baixa é uma percepção que você combate pelo máximo de tempo que for possível. O que o faz continuar é provavelmente a determinação de que você sempre pode tentar outra coisa, tentar melhor e, não importa quantas vezes falhe, pode tentar novamente subir de algum jeito. Bong Joon-ho termina o filme representando essa fantasia cruel, que reconhecemos como uma fantasia, enquanto Ki-woo promete salvar o que resta de sua família, ir à universidade, ganhar muito dinheiro e “chegar lá”, de algum jeito. Então ele comprará a casa da família Park, onde os Kims poderão viver ao sol.
É um grande presente do socialismo que você finalmente possa ver como é uma loucura o sonho de “chegar lá” sozinho ou com sua pequena unidade familiar sitiada, em um sistema capitalista todo configurado contra você. Antes de sacar isso, eu olhava para trás compulsivamente e cheia de arrependimento, pensando que minha família poderia ter chegado lá se tivéssemos sido mais espertos, mais duros ou mais agressivos. Considerando tudo, a gente foi bem. Mas éramos tão talentosos – certamente deveríamos ter sido capazes de escalar às alturas. Por que não conseguimos? O que nos impediu? Como falhamos?
Bong Joon-ho conhece essa síndrome bem o bastante para tornar sua família em dificuldades inteligente, durona e agressiva, para que não haja espaço para pensar que eles poderiam ter se saído melhor. Somos forçados a contemplar a armadilha desse tipo de pensamento. E se você já passou por alguma versão desse processo, não sei como vai evitar estremecer com feridas antigas enquanto assiste Parasita. Como E. Alex Jung argumenta: “A esperança é o parasita emocional do filme: aquilo que nos mantém em movimento, mas que suga a nossa medula até secar”.
O título é a única coisa sobre o filme que vale a pena interpretar da maneira simbólica que aflige as críticas: “é tão metafórico!”
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Eileen Jones é crítica de cinema na Jacobin e autora de Filmsuck, EUA. Ela também hospeda um podcast chamado Filmsuck.
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