20 de novembro de 2020

A Revolução Mexicana não morreu

A Revolução Mexicana eclodiu há 110 anos atrás, quando mexicanos comuns se rebelaram contra o despotismo e a desigualdade. Antes que tudo acabasse, a oligarquia agrária do país havia sido destruída.

Claudio Lomnitz

Uma foto da Revolução Mexicana, por volta de 1915, apresentando Pancho Villa (terceira da direita). (Wikimedia Commons)

Tradução / A Revolução Mexicana começou há 110 anos, em resposta a um convite formal que se desdobrou lentamente em uma confusão incontrolável. Seu líder, o abastado Francisco Madero, emitiu a convocação em seu Plano de San Luis: “Em 20 de novembro, a partir das 18 horas, todos os cidadãos da República pegarão em armas para derrubar as autoridades que nos governam”.

Poderia muito bem ter dito: “O Sr. e a Sra. Madero solicitam gentilmente sua distinta presença para o início da Revolução Mexicana; por favor, RSVP ao Comitê Anti-Reeleição local”.

Porém, em vez de convocar uma sociedade civil tão comportadinha, o chamado de Madero foi respondido por um elenco de personagens que contribuiu para diversificar aquela cena hollywoodiana: bandidos-heróis como Pancho Villa; um vilão embaixador gringo golpista; e o próprio Francisco Madero, que recebeu suas ordens de marcha em sessões espiritas. Houve também o arquitraidor, alcoólatra e segundo presidente indígena do México, o general Victoriano Huerta, que mandou matar seu chefe, o gentil Madero; e o velho general patriarca Porfirio Díaz, que teve o desatino de tentar a reeleição pela oitava vez. A lista é quase interminável: líderes camponeses como Emiliano Zapata; manipuladores espertos como Venustiano Carranza... todos entrando em uma luta pela sobrevivência, ou para acabar uns com os outros — como Chronos, a Revolução Mexicana devorou todos os seus filhos.

A Revolução colocou as contradições do México em evidência. Era uma guerra moderna, mas ao contrário da Primeira Guerra Mundial, sua contemporânea, a modernidade da Revolução Mexicana às vezes deixava escapar um cheiro de algo barato, de segunda mão. No lugar das impressionantes “Grandes Berthas” da Krupp, as armas mais importantes da Revolução Mexicana eram as “carabinas .30-30” das antigas, provenientes das sobras da Guerra Hispano-Americana de 1898 do Exército estadunidense.

A despeito dessas quinquilharias, porém, a Revolução Mexicana foi uma guerra moderna, servindo para retocar a imagem cuidadosamente cultivada de modernidade durante trinta anos de ditadura (o “Porfiriato”). O sonho positivista da evolução mexicana foi despedaçado por multidões de camponeses de sombreiro e soldaderas, pegando carona em cima de trens de transporte com seus rebozos [um tipo de xale tradicional], batendo tortilhas e dormindo ou lutando com soldados. De um ponto de vista simbólico, a Revolução Mexicana foi o maior levante camponês do Ocidente.

Também havia jacobinos nessa mistura. Foi uma revolução de fato, não um mero motim; nenhum jacobinismo dura décadas, e nenhuma revolta espontânea é tão longa como a Revolução Mexicana. Na verdade, muito antes de Francisco Madero emitir seu convite à revolta, em 1892, um movimento estudantil da Cidade do México contra a quarta reeleição de Porfirio Díaz já estava fervilhando de jovens aspirantes a revolucionários. Relembrando seus primeiros dias de atividade política, o revolucionário anarquista Ricardo Flores Magón traçou um quadro evocativo do famoso comentário de Karl Marx sobre a história que se repete: “A Marselhesa”, lembrou ele, “era cantada nos alojamentos estudantis, enquanto nas ruas e praças, podia-se ver militantes vestidos como um Marat, um Robespierre, ou um Saint Just”. Vinte anos depois, muitos desses Marats de outrora se juntaram às fileiras da revolução. Com uma parte do levante camponês, e outra parte do movimento de vanguarda, a Revolução Mexicana transformou a ideologia e o imediatismo em uma avalanche que era apropriadamente chamada de “la bola“.

Mas será que a Revolução valeu a pena?

Muitas das pessoas que morreram durante a Revolução foram vítimas involuntárias e não podem ser chamadas de “mártires” por esse motivo. É impossível calcular quantas pessoas morreram; os demógrafos calculam a perda populacional durante a década entre 1910 e 1920 em mais de 2 milhões de pessoas, mas o número inclui mortes em decorrência de guerras, fome e doenças, assim como fluxos de refugiados que fugiram para os EUA, e o consequente decrescimento das taxas de fertilidade. Essa foi uma enorme perda em um país de cerca de 10 milhões de pessoas. Não sendo exatamente um jacobino, acho inaceitável justificar esse tipo de sofrimento involuntário maciço com alguma racionalização post-hoc.

E há ainda a questão do não tão atraente partido político que emergiu do processo revolucionário, cujo próprio nome é um exemplo de ambiguidade orwelliana: o Partido da Revolução Institucionalizada (PRI), uma organização autoritária que não fez um trabalho especialmente brilhante no que tange a diminuição da desigualdade econômica no país.

Por outro lado, graças à ampla reforma agrária, a Revolução Mexicana destruiu com sucesso a oligarquia agrária do México e foi o primeiro país a nacionalizar sua indústria petrolífera. A Revolução também destruiu o antigo Exército Federal, e assim o México tornou-se um dos raros países latino-americanos a não ter golpes militares no século XX. Essas e outras grandes conquistas são motivo de hesitação em relação ao que deveria ser o veredicto da história sobre a primeira revolução social do século XX.

Mesmo assim, nos anos 1960, muitos intelectuais afirmavam que a revolução estava morta. Bom, isso é o que parecia, porque as reformas neoliberais dos anos 1980 a ressuscitaram. A privatização, a reforma democrática e a retração do Estado permitiram que a revolução migrasse do Estado para a oposição, um processo que culminou em 1988, com a saudação de Cuauhtémoc Cárdenas, filho de Lázaro Cárdenas, e ex-governador do PRI como seu candidato à presidência. Junto a Cárdenas, Zapata, Villa e o resto do panteão revolucionário migraram para alguma forma de oposição. Então, em 1994, uma rebelião indígena abalou o Estado sulista de Chiapas, e retomou o nome e a causa de Zapata. Os Zapatistas também reavivaram a topografia simbólica da revolução, fazendo dela sua própria topografia.

Mais recentemente, o Movimiento de Renovación Nacional (“MORENA”, que agora é um partido político) de Andrés Manuel López Obrador (AMLO) deu o nome de Regeneración a seu jornal, em homenagem ao famoso jornal de Flores Magón, enquanto AMLO tem tentado associar o neoliberalismo a Porfiriato, e a si próprio a Francisco Madero.

Logo, a Revolução Mexicana não está morta. Mas será que está viva? Isso já é mais difícil de responder, pois, ela já morreu e foi ressuscitada diversas vezes, muitas delas perdurando como um fantasma. Talvez isso se deve ao fato de, apesar de seus muitos elementos sinistros e ridículos, a Revolução Mexicana ter sido, no fim, trágica: uma concatenação de eventos maiores até do que seus heróis e vilões. É por isso que ela ainda oferece ocasionalmente modelos de contestação e de auto-fabricação, assim como a Revolução Francesa também já fez.

Sobre o autor

Claudio Lomnitz is the Campbell Family Professor of Anthropology at Columbia University.

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