Nelson Barbosa
Folha de S.Paulo
Na década de 1950, William Arthur Lewis propôs analisar o desenvolvimento econômico como se a economia fosse constituída por dois setores: moderno e atrasado.
Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research.
Na década de 1950, William Arthur Lewis propôs analisar o desenvolvimento econômico como se a economia fosse constituída por dois setores: moderno e atrasado.
O setor moderno tem produtividade elevada e cresce de acordo com a lógica tradicional da economia clássica, reinvestindo seus lucros na acumulação de capital. Já o setor atrasado funciona como um empregador de última instância, absorvendo trabalhadores que não conseguem emprego no setor moderno.
Como o setor atrasado tem entrada livre, mas a demanda por seu produto depende da atividade no setor moderno, a remuneração por trabalhador no setor atrasado é a variável de ajuste no mercado de trabalho.
Traduzindo do economês, dada a demanda por produtos modernos, se aumentar o volume de pessoas no setor atrasado, haverá mais trabalhadores disputando a mesma demanda (pense no número de viagens do Uber ou entregas do iFood). O resultado é uma queda da produtividade e remuneração no setor atrasado.
No sentido inverso, quando o setor moderno cresce, ele contrata trabalhadores do setor atrasado, elevando a produtividade média da economia. Mais importante, enquanto houver trabalhadores em excesso no setor atrasado, o setor moderno pode contratar pessoas sem elevação substancial do salário.
No modelo de Lewis, a dualidade tendia a acabar com o tempo, à medida que o setor moderno crescesse e eliminasse o “excedente de trabalhadores” no setor atrasado. Porém, e se o setor moderno não crescer como o esperado?
O modelo de Lewis foi recuperado recentemente, diante do desenvolvimento econômico em duas velocidades. Isso ocorre quando o setor moderno cresce, mas não rápido o suficiente para absorver o aumento da força de trabalho.
O resultado é uma enxurrada de trabalhadores no setor atrasado, pois as pessoas têm que se virar.
Na realidade dos anos 1950, o principal setor atrasado era a agricultura de subsistência. Hoje esse papel é desempenhado por serviços urbanos, sobretudo atividades informais ou por conta própria de serviços pessoais.
Dados divulgados recentemente pelo IBGE confirmam a dualidade persistente no Brasil. De um lado, como previu Lewis, nosso setor agropecuário conseguiu crescer contratando relativamente menos, e o mesmo aconteceu com serviços domésticos. De 2000 a 2018, a participação desses setores no total de ocupações da economia caiu 9,6 pontos percentuais.
Para onde foram os trabalhadores dispensados pela agropecuária e serviços domésticos? Para serviços não domésticos. A participação da indústria (incluindo construção civil) ficou relativamente estável, enquanto o peso do emprego nos demais serviços subiu 9,5 pontos.
A dualidade aparece quando analisamos a produtividade nos serviços não domésticos. O aumento do emprego ocorreu com queda do valor adicionado por ocupação na maioria das atividades.
Por exemplo, a participação da educação e saúde privada no total de ocupações passou de 3,5%, em 2000, para 6,1%, em 2018. Em paralelo, houve redução de aproximadamente 30% do valor adicionado por ocupação, um claro sinal de emprego de última instância.
O mesmo padrão se verifica nos serviços diversos prestados a empresas, cuja participação no total de emprego subiu de 3,8% para 6% entre 2000 e 2018, com queda de 25% da produtividade por ocupação.
Os dados mostram que, bem antes da Covid-19, a economia brasileira já funcionava a duas velocidades, com aumento de emprego de última instância em serviços de baixa produtividade. Sair dessa situação não é simples, mas deixo isso para outra coluna.
Sobre o autor
Traduzindo do economês, dada a demanda por produtos modernos, se aumentar o volume de pessoas no setor atrasado, haverá mais trabalhadores disputando a mesma demanda (pense no número de viagens do Uber ou entregas do iFood). O resultado é uma queda da produtividade e remuneração no setor atrasado.
No sentido inverso, quando o setor moderno cresce, ele contrata trabalhadores do setor atrasado, elevando a produtividade média da economia. Mais importante, enquanto houver trabalhadores em excesso no setor atrasado, o setor moderno pode contratar pessoas sem elevação substancial do salário.
No modelo de Lewis, a dualidade tendia a acabar com o tempo, à medida que o setor moderno crescesse e eliminasse o “excedente de trabalhadores” no setor atrasado. Porém, e se o setor moderno não crescer como o esperado?
O modelo de Lewis foi recuperado recentemente, diante do desenvolvimento econômico em duas velocidades. Isso ocorre quando o setor moderno cresce, mas não rápido o suficiente para absorver o aumento da força de trabalho.
O resultado é uma enxurrada de trabalhadores no setor atrasado, pois as pessoas têm que se virar.
Na realidade dos anos 1950, o principal setor atrasado era a agricultura de subsistência. Hoje esse papel é desempenhado por serviços urbanos, sobretudo atividades informais ou por conta própria de serviços pessoais.
Dados divulgados recentemente pelo IBGE confirmam a dualidade persistente no Brasil. De um lado, como previu Lewis, nosso setor agropecuário conseguiu crescer contratando relativamente menos, e o mesmo aconteceu com serviços domésticos. De 2000 a 2018, a participação desses setores no total de ocupações da economia caiu 9,6 pontos percentuais.
Para onde foram os trabalhadores dispensados pela agropecuária e serviços domésticos? Para serviços não domésticos. A participação da indústria (incluindo construção civil) ficou relativamente estável, enquanto o peso do emprego nos demais serviços subiu 9,5 pontos.
A dualidade aparece quando analisamos a produtividade nos serviços não domésticos. O aumento do emprego ocorreu com queda do valor adicionado por ocupação na maioria das atividades.
Por exemplo, a participação da educação e saúde privada no total de ocupações passou de 3,5%, em 2000, para 6,1%, em 2018. Em paralelo, houve redução de aproximadamente 30% do valor adicionado por ocupação, um claro sinal de emprego de última instância.
O mesmo padrão se verifica nos serviços diversos prestados a empresas, cuja participação no total de emprego subiu de 3,8% para 6% entre 2000 e 2018, com queda de 25% da produtividade por ocupação.
Os dados mostram que, bem antes da Covid-19, a economia brasileira já funcionava a duas velocidades, com aumento de emprego de última instância em serviços de baixa produtividade. Sair dessa situação não é simples, mas deixo isso para outra coluna.
Sobre o autor
Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research.
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