16 de novembro de 2020

Em todos os rincões do mundo

No verão de 1917, um jovem bengali conhecido como M. N. Roy cruzou a fronteira com os Estados Unidos e entrou em território mexicano, inaugurando um ciclo de trocas entre mexicanos e indianos. Com a crise das velhas formas de dominação imperialista em segundo plano, este capítulo constitui uma das origens da tradição de solidariedade internacional que alimentaria o terceiro-mundismo da segunda metade do século.

Daniel Kent Carrasco


M. N. Roy

- Quem és tu? De onde vens? - Vim de todos os cantos do mundo; Eu trago o futuro justo; Eu sou o alento da revolução. ("Sopla", Práxedis Guerrero, Regeneración, Nº 3 de 17 de setembro de 1910)

No verão do ano axial de 1917, um jovem bengali conhecido como M. N. Roy cruzou a fronteira com os Estados Unidos e entrou em território mexicano. Ele estava fugindo das autoridades americanas após ser preso por envolvimento em uma rede transnacional de atividades e conspirações contra o Império Britânico.

Em suas Memórias, Roy lembra que naquela época o México, o imenso e desconhecido país ao sul da fronteira, estava "imerso em um estado de revolução permanente" e se desdobrava diante de seus olhos como uma "terra prometida". O México apareceu para Roy não apenas como uma rota de fuga das redes de vigilância coloniais, mas também como uma aventura emocionante. Mesmo que fosse impossível para ele sair de lá novamente, no México pelo menos ele teria a oportunidade de "participar ativamente de uma revolução".

Nascido em 1887 na aldeia de Arbelia, Roy - cujo nome original era Narendra Nath Bhattacharya (1887) - desde muito jovem passou a fazer parte do grupo Yugantar, um dos núcleos mais radicais da luta contra o imperialismo britânico na Índia no início do século 20.

Já tendo completado uma longa carreira de ativismo anticolonial em Calcutá, em abril de 1915 o jovem partiu para a ilha de Java na Batávia holandesa com a missão de receber um carregamento de armas enviado dos Estados Unidos por membros da diáspora indiana anticolonial naquele país. As armas, compradas com fundos alemães, serviriam para iniciar uma insurreição em Bengala e iniciar a luta armada contra o imperialismo no subcontinente. O plano insurrecional barroco fracassou e Narendra, incapaz de retornar à Índia devido à vigilância das autoridades coloniais, foi forçado a iniciar uma jornada que o levaria literalmente ao redor do mundo.

Depois de passar por vários portos do Pacífico Asiático, em junho de 1916 o jovem Bhattacharya desembarcou em São Francisco, Califórnia. Os meses seguintes foram passados ​​em Palo Alto, convidado do professor de Stanford e colega antiimperialista Dhanagopal Mukherjee, onde fez contato com os circuitos de esquerda radical da região. Durante seus primeiros meses nos Estados Unidos, período em que adotou o pseudônimo de Manabendra Nath Roy, o fugitivo fez amizade com figuras como David Starr Jordan, reitor da Universidade de Stanford e vice-presidente da Liga Anti-Imperialista Americana, General Salvador Alvarado, governador socialista do estado de Yucatán e famoso opositor dos latifundiários daquela região mexicana, e Evelyn Trent, sua futura esposa, militante comunista e pioneira do ativismo feminista nas décadas seguintes.

No início de 1917, o casal viajou para Nova York, de onde esperava embarcar para a Europa e retornar por terra à Índia britânica. No entanto, depois de ser preso por envolvimento com as redes do antiimperialismo indiano nos Estados Unidos, o casal foi forçado a fugir para o sul, cruzando o Rio Grande e se fixando na Cidade do México em junho de 1917.

Durante sua estada no México (entre junho de 1917 e dezembro de 1919), Roy experimentou uma mutação ideológica na qual fez a transição do nacionalismo anticolonial para o universo internacionalista do marxismo revolucionário. Em suas memórias afirma a esse respeito que durante esses meses aprendeu que "a independência nacional não era a cura para todos os males de um país" e se alimentava do horizonte de otimismo ideológico e de flexibilidade intelectual desenvolvido no México no início do século XX para se tornar parte de uma revolução internacional.

Logo após sua chegada, Roy começou a publicar artigos na imprensa nacional e textos mais longos sobre a situação colonial na Índia. Seus escritos se destacam como os primeiros que o público mexicano pôde ler sobre os excessos do colonialismo britânico na Índia e os postulados ideológicos do nacionalismo anticolonial indiano, que mais tarde seriam defendidos por personalidades como M. K. Gandhi e Jawaharlal Nehru.

Buscando um ambiente para dar continuidade ao seu ativismo político, Roy ingressou no Partido Obrero Socialista (POS), fundado em 1911 pelo socialista alemão e afinador de piano Paul Zierold e chefiado por Adolfo Santibáñez. Sua incorporação contribuiu para a ampliação dos círculos de esquerda na Cidade do México, que durante esses anos foram alimentados pela presença de um grupo de exilados norte-americanos contrários à guerra (entre os quais se destacam figuras como Charles Shipman e Frank Seaman). Essas figuras colaboraram com membros do POS, o enviado soviético Mikhail Borodin e o próprio Roy para liderar a criação do Partido Comunista Mexicano (PCM) em novembro de 1919.

Primeiro partido comunista nacional criado após a Revolução de Outubro, o PCM é o resultado de um período inspirado e extraordinariamente revolucionário no cenário global, alimentado pela desintegração das estruturas imperialistas e capitalistas desenvolvidas durante a segunda metade do século XIX. A rebelião dos Boxers na China de 1899-1901, a vitória japonesa contra a Rússia czarista de 1905, o movimento Swadeshi na Índia de 1905-1912 e a própria Revolução Mexicana, iniciada em 1910, fazem parte dessa onda e enquadram o momento de sua fundação. Neste sentido, a criação do PCM surge como um momento crucial do antiimperialismo no início do século XX e uma etapa fundamental no processo de domesticação do comunismo em contextos não europeus, processo através do qual este se alimentou de símbolos, desejos e diversas interpretações que contribuíram para sua efetiva globalização.

Menos de um ano depois, em junho de 1920, o bengali M. N. Roy estava presente no Segundo Congresso da Internacional Comunista em Moscou como delegado do Partido Comunista Mexicano. Nesse encontro, Roy apresentou uma série de teses sobre a questão colonial que foram discutidas em contrapartida aos argumentos apresentados por Lenin. Essas teses representaram um esforço para unificar a luta anticolonial com o cânone do marxismo e para ligar o internacionalismo soviético à luta contra o imperialismo europeu na Ásia. Naquela época, os universos do socialismo revolucionário mexicano, do radicalismo nacionalista indiano e do impulso bolchevique encontraram um ponto de encontro, inaugurando caminhos de solidariedade e troca que marcariam a história do século XX.

Além de seu impacto na história internacional da esquerda comunista no século passado, é importante notar que a estada de Roy no México não foi um mero acidente histórico. Sua presença no país foi precedida por uma série de vínculos -materiais, ideológicos, raciais e simbólicos- que nos anos anteriores a 1917 reuniram trabalhadores e ativistas indianos e mexicanos nos Estados Unidos e lhes abriram um horizonte revolucionário que lhes parecia ao mesmo tempo alhieo e estranhamente familiar.

Dentre esses grupos, destaca-se o legendário partido Ghadar, grupo de inclinações socialistas, anti-imperialistas e anarco-sindicalistas lideradas por figuras como Lala Har Dayal, Tarak Nath Das e Pandurang Khankhoje. As fileiras do Ghadar foram alimentadas pela organização de trabalhadores rurais indianos em regiões como Califórnia, Oregon, Washington e British Columbia, abrindo caminho para a criação de uma ampla rede de ativismo radical que cultivou laços com grupos revolucionários e figuras próximas à International Workers of the World (os famosos wobblies).

No ambiente multiétnico anarco-sindicalista da época - que incluía, entre outros, trabalhadores chineses, poloneses, italianos, japoneses, indianos, mexicanos, turcos, sírios e russos - o processo revolucionário em curso no México foi uma importante fonte de inspiração.

Como a primeira revolução social do século 20, a revolta no México foi interpretada pelos círculos de trabalhadores e ativistas que receberam Roy ao norte da fronteira como resultado de uma mobilização contra o capitalismo e em defesa da solidariedade de classe. Por meio de publicações como o jornal Regeneración - que tinha seções em inglês e italiano e ampla circulação por redes próximas aos Wobblies - e de escritos de jornalistas como Ethel Duffy e John Kenneth Turner, o levante no México apareceu diante desta comunidade multiétnica de trabalhadores como um horizonte próximo e uma perspectiva estimulante.

As greves de Cananea (1906) e Río Blanco (1907), a tomada da cidade de Mexicali por forças anarco-sindicalistas em 1911, e a ascensão da liderança de figuras como Emiliano Zapata e Francisco Villa acenderam a imaginação dos leitores, fazendo com que, anos antes da eclosão bolchevique de 1917, a tempestade mexicana que começou em 1910 aparecesse diante dos trabalhadores da América do Norte como a imagem mais eloquente da Revolução.

Para ativistas ligados ao partido Ghadar, o trabalho da Regeneración e de seus editores, os irmãos Ricardo e Enrique Flores Magón, foram um modelo a seguir. Os magonistas foram os dirigentes sindicais mais importantes entre os setores de trabalhadores não brancos e serviram de exemplo para diferentes comunidades migrantes perante as quais sua liderança apareceu como o exemplo que invalidava os degradantes estereótipos raciais que ligavam índios, chineses e mexicanos a vícios como os ignorância, preguiça e a corrupção.

Para muitos organizadores indianos, o apelo da luta revolucionária no México foi complementado pela proximidade que experimentaram com os trabalhadores mexicanos no campo. Em suas memórias, Pandurang Khankhoje conta como no Oregon e na Califórnia ele era constantemente agrupado em tripulações mexicanas por capatazes americanos e lembra sua surpresa ao perceber que, apesar de ser classificado como "asiático", seu rosto e corpo se pareciam muito com os de seus camaradas do sul. Essas semelhanças físicas permitiram abordagens além do ativismo.

Nas primeiras duas décadas do século XX, uma nova comunidade de punjabi-mexicanos nasceu na Califórnia, composta principalmente de homens indianos e mulheres trabalhadoras mexicanas que criaram famílias em lugares como Yuba, El Centro e Stockton. Nos anos anteriores à chegada de M.N. Roy, indianos e mexicanos se reuniram nos Estados Unidos trabalhando e se organizando juntos, mas também como resultado de uma exclusão comum das categorias raciais da época, com base em rótulos como "negros", "asiáticos" e "brancos".

As redes colaborativas norte-americanas estabelecidas pelo Ghadar não apenas facilitaram a jornada de Roy, mas também o encorajaram desde o início. Em 1915, o Ghadar começou a traçar, junto com as autoridades alemãs, um plano para enviar uma remessa de armas de San Diego, Califórnia, para a ilha de Java. O plano previa que, uma vez lá, um emissário do grupo irmão Yugantar iria escoltar as armas até Calcutá para iniciar um levante.

Auxiliados por navegadores e revolucionários mexicanos, os conspiradores tentaram transportar a carga pelo Pacífico parando na Ilha Socorro, território mexicano localizado a mais de 600 quilômetros da costa de Colima. No entanto, o carregamento foi interceptado pelas autoridades dos EUA e nunca chegou às costas de Java.

Do outro lado do mundo, o jovem Narendra Nath Bhattacharya - que nos Estados Unidos adotaria o pseudônimo de M.N. Roy - esperava ansiosamente, sem saber que o fracasso de seus camaradas indianos e mexicanos na América encerraria a possibilidade de um levante armado na Índia, mas abriria as portas para uma peregrinação transcontinental marcada pela colaboração, aprendizado e rebelião.

Esses contatos entre ativistas, trabalhadores e ideólogos fazem parte do momento revolucionário global das primeiras décadas do século XX. Naqueles anos - anteriores às lutas ideológicas transcontinentais que emergiram no rescaldo da crise europeia do pós-guerra - se multiplicaram os espaços de troca e solidariedade entre povos de territórios não europeus, que começaram a pensar - talvez pela primeira vez - em suas lutas contra as formas ocidentais de dominação econômica e simbólica como parte de um esforço global.

As trocas entre mexicanos e indianos ocorridas nas primeiras décadas do século ilustram não apenas a história do encerramento de antigas formas de dominação imperialista, mas também um dos pontos de origem do impulso de solidariedade internacional que alimentaria o projeto do Terceiro Mundo na segunda metade do século XX. Naqueles anos, surgiram correntes em todos os cantos do mundo que alimentaram o fluxo da revolução.

Sobre o autor

Professor e pesquisador da División de Historia del Centro de Investigación y Docencia Económicas (CIDE) e membro do conselho editorial da Revista Común.

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