Carlos Cruz Mosquera
Jacobin
Em recente reunião ministerial do Fórum CELAC-China, diversas delegações latino-americanas e caribenhas, com destaque para as lideradas pelo colombiano Gustavo Petro, pelo brasileiro Lula da Silva e pelo chileno Gabriel Boric, reuniram-se em Pequim para renovar compromissos de cooperação. Esta foi a quarta reunião do fórum desde seu lançamento, há uma década, com o objetivo de acelerar a integração inter-regional entre a China, a América Latina e o Caribe.
Essas relações são muito menos desenvolvidas do que as entre a China e outras regiões e grandes economias. Brasil e México, por exemplo, ainda não aderiram oficialmente à Iniciativa Cinturão e Rota. Mas a direção da viagem é em direção a uma maior integração, para grande consternação de políticos e especialistas em todo o mundo ocidental.
Diálogo, não competição
Veículos de comunicação ocidentais, como o New York Times, enquadraram a cúpula como uma tentativa da China de "atrair" a América Latina para longe dos Estados Unidos, auxiliada pela guerra tarifária de Donald Trump. Uma reportagem da BBC chegou a descrever a América Latina como o "quintal" dos EUA e sugeriu que o abandono da região abriu as portas para a influência chinesa. Pouca atenção é dada nessas narrativas à atuação política das nações latino-americanas e caribenhas, cujas intenções e motivações são muito mais complexas do que esses relatos sugerem.
É mais preciso atribuir as relações cada vez mais estreitas entre a América Latina e o Caribe à Maré Rosa, à ascensão de governos de esquerda que enfatizaram a soberania e a cooperação Sul-Sul desde a primeira década do século. Um estudo recente publicado pelo Centro de Estudos Latino-Americanos (CEL) sugere que a crescente presença da China na região ajudou a fomentar políticas redistributivas e governança progressista. Liderada pelo falecido Hugo Chávez, a Venezuela foi a primeira nação latino-americana a desenvolver uma parceria estratégica com a China. Essa relação possibilitou investimentos maciços em saúde, habitação, tecnologia e educação. Esses ganhos, obtidos diante da implacável hostilidade ocidental, demonstram que caminhos alternativos de desenvolvimento são possíveis, embora se baseiem em bases frágeis.
Apesar das prolongadas disputas de poder entre governos progressistas e de direita em grande parte da região, as relações entre a América Latina, o Caribe e a China continuam a perturbar o status quo da região. A própria Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), fundada em 2010 durante o auge do movimento Maré Rosa para combater a Organização dos Estados Americanos (OEA), controlada pelos EUA, reuniu-se pela primeira vez com a China em 2015. O fórum recente só faz sentido quando visto no contexto dessa trajetória de décadas de busca por maior autonomia em relação aos Estados Unidos por meio do desenvolvimento de relações com outros Estados.
Em seu discurso no fórum mais recente, o presidente colombiano Gustavo Petro, atualmente presidente pro tempore da CELAC, afirmou que os povos da América Latina e do Caribe deveriam ser vistos como estando no "centro do mundo", e não na periferia. Em vez de essas regiões terem uma relação de subordinação às potências ocidentais, ele defendeu uma relação de iguais que fomentasse o diálogo, em vez de confrontos, entre civilizações. Isso foi apresentado como uma alternativa à abordagem liderada pelos EUA à política global, que promove a competição e a rivalidade entre as nações. Fundamentalmente, o discurso apelou a um novo diálogo para enfrentar as mudanças climáticas e outras questões urgentes.
Carlos Carrillo Arenas, ministro do governo Petro e delegado ao fórum, afirmou que a Colômbia e a região em geral estão "se livrando de sua subordinação, de se comportar essencialmente como um Estado tributário dos Estados Unidos, para se tornarem verdadeiramente um parceiro igual". Para Carrillo, conhecido na Colômbia por reprimir as elites tradicionais do país por desvio de verbas públicas, desenvolver relações mais próximas com a China é "uma oportunidade de cooperar com diferentes polos, com diferentes potências... mas com base em uma estrutura de profundo respeito mútuo".
Embora os laços crescentes entre a China e os países da América Latina e do Caribe (ALC) representem uma ruptura parcial com o domínio dos EUA na região, eles não rompem totalmente com os padrões de dependência que definiam essa relação. Os países da América Latina e do Caribe falharam em grande parte na diversificação de suas economias. Mesmo sob liderança progressista, as receitas estatais continuam a depender das exportações de bens de baixo valor e da volatilidade dos mercados de commodities, esbarrando, em última análise, em vulnerabilidades que as elites de direita sempre exploraram em estreita coordenação com Washington.
Nas últimas duas décadas, muitas nações da ALC de fato obtiveram ganhos tangíveis nas relações com a China. Esses benefícios vieram sem a imposição de condicionalidades neoliberais ou exigências de alinhamento político. No entanto, enquanto o modelo econômico da região permanecer enraizado no atendimento aos interesses de economias globais mais poderosas, o risco de dependência estrutural a longo prazo persiste. Este é um desafio não apenas para governos reformistas como o de Petro, mas também para projetos mais radicais como o da Venezuela, cujas aspirações transformadoras têm sido limitadas tanto por contradições internas quanto pelo cerco externo.
Mas, assim como as relações com a China não são inerentemente emancipatórias, também não são inerentemente beligerantes — o alarme é geralmente infundado. Em um artigo recente, Richard L. Harris, editor coordenador da Latin American Perspectives, aponta que o elefante branco na sala na maioria das discussões sobre as relações ALC-China são as persistentes assimetrias econômicas entre os Estados Unidos e a Europa. Em outras palavras, aqueles que parecem mais alarmados — os mesmos veículos e seus especialistas que veem a crescente presença da China na ALC como uma ameaça — não têm nada de crítico a dizer sobre as relações gritantes e cada vez mais assimétricas entre os EUA e a Europa.
Carrillo Arenas sugere que a América Latina, e especialmente países como a Colômbia, estão hoje se relacionando com nações poderosas como a China em condições mais equitativas do que antes com os Estados Unidos. O ministro colombiano argumenta que, embora exista a possibilidade de subjugação contínua a potências externas, também é importante ter em mente que “nossos países latino-americanos hoje desenvolveram instituições suficientemente sólidas para garantir que, em um processo de cooperação e benefício mútuo, não acabemos com infraestrutura ociosa ou outros ônus semelhantes”. Ele acrescenta que, diferentemente “dos Estados Unidos, que têm mantido uma política consistentemente intervencionista nos países latino-americanos... [a China] exige respeito por seus assuntos internos de outros países, ao mesmo tempo em que demonstra respeito pelos assuntos internos de outros”.
De fato, embora governos progressistas em países como a Colômbia possam alavancar instituições nacionais para garantir relações mais equitativas com potências estrangeiras, a questão mais profunda é se eles conseguirão implementar as mudanças estruturais necessárias para uma transformação mais profunda e duradoura. Esta é uma questão para o governo de Petro, bem como para a Revolução Bolivariana da Venezuela, que tem encontrado uma estabilidade mais permanente. As economias da região permanecem presas a um modelo econômico de exportação de bens primários de baixo valor ou voláteis, com todo o risco de longo prazo da dependência estrutural que isso perpetua.
Em última análise, é somente por meio da mobilização contínua de movimentos de massa e sua articulação dentro do poder estatal que a região pode superar a dependência estrutural. Se a China se mostrará uma parceira genuína nesse processo ou simplesmente o mais recente ator externo a se beneficiar dos recursos da América Latina dependerá menos das intenções de Pequim e mais da vontade política e da capacidade dos próprios governos e povos da região de definir os termos do engajamento.
Colaborador
Carlos Cruz Mosquera é doutor em ciência política e professor associado na Queen Mary University de Londres.
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