Artur Banaszewski
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| Zygmunt Bauman discursando na re:publica 2015 em 5 de julho de 2015, em Berlim. (re:publica / Jan Zappner / Wikimedia) |
Zygmunt Bauman é mundialmente reconhecido como um teórico da “modernidade líquida”. O termo, que sugere que a principal característica da atual fase da era moderna é a crescente incerteza individual e coletiva, ganhou ampla popularidade devido ao seu livro homônimo publicado em 2000. Poucos se lembram de que ele iniciou sua carreira acadêmica de forma muito mais humilde, como pesquisador do movimento operário britânico.
Na virada da década de 1950, nos primeiros anos da República Popular da Polônia, as universidades tornaram-se alvo de uma campanha governamental para estabelecer o marxismo-leninismo, ideologia oficial do Bloco Oriental, como abordagem hegemônica no ensino superior e na pesquisa. A sociologia foi condenada como disciplina “burguesa”. Seguindo o princípio do partidarismo na filosofia, todo o ensino superior era obrigado a apoiar a ordem política vigente.
Navegar por esse cenário acadêmico altamente restritivo tornou-se a experiência definidora de uma geração de intelectuais poloneses. Bauman não foi exceção. Ele foi treinado para ser um adversário dos cientistas sociais ocidentais, expondo como o trabalho deles não se conformava à ortodoxia marxista-leninista. Sua formação ocorreu na linha de frente da Guerra Fria ideológica.
Não demorou muito para que ficasse claro que esse método ideológico de investigação acadêmica revelava mais sobre suas próprias deficiências do que sobre os erros de seus supostos oponentes. Uma das coisas que incomodava Bauman na ortodoxia marxista-leninista era a completa ausência da sociedade na visão de mundo de um Estado nominalmente socialista.
A academia oficial sustentava que as “massas” deviam seguir a direção decidida pela liderança do partido comunista. Não havia necessidade de consultar o público sobre decisões políticas; contanto que sua passividade fosse garantida, um futuro comunista brilhante se seguiria.
Em contraste, Bauman acreditava que nenhuma mudança progressista jamais poderia ter sucesso sem, simultaneamente, fomentar a autonomia e a capacidade de ação do povo. Essa posição política foi inspirada por sua pesquisa; em sua visão, a principal razão por trás do sucesso histórico do movimento operário na Grã-Bretanha era sua capacidade de mobilizar uma ampla coalizão de diversas forças sociais. Assim, ao negligenciarem suas promessas democráticas, as lideranças comunistas da Europa Oriental condenaram-se a uma crescente estagnação política e intelectual.
Sua posterior queda comprovou a veracidade de muitas de suas previsões. O interesse inicial de Bauman pelos movimentos sociais foi, portanto, um ato de desafio contra uma ideologia distante e autorreferencial que se recusava a reconhecer suas falhas.
Em última análise, essa postura crítica o levaria a ser rotulado como "revisionista" e exilado de sua Polônia natal. Mas mesmo do outro lado das fronteiras da Guerra Fria, Bauman continuou sendo um forasteiro. Ao contrário de muitos de seus compatriotas emigrados, vivenciar a violência, o antissemitismo e o desespero do regime comunista polonês reforçou sua convicção de que até mesmo as atrocidades mereciam uma análise estrutural séria.
Bauman reconheceu que a versão de socialismo de Vladimir Lenin acabou se revelando uma "sentença de morte para a liberdade humana". Contudo, admitir isso era diferente de ignorar os motivos históricos por trás do surgimento de ideias e movimentos radicais. Talvez em parte devido à sua formação, ele compreendeu que o anticomunismo nunca se resumiu à oposição ao Bloco Oriental.
Para Bauman, a sociologia foi uma escolha política. Em vez de se conformar às ortodoxias intelectuais de sua época, ele buscou expor como essas ortodoxias falhavam em captar a realidade moderna. Tal foi o resultado de sua trajetória dramática, mas também de sua decisão consciente de permanecer um acadêmico crítico. A combinação de sua recusa em aceitar o consenso vigente e sua curiosidade pela experiência humana contemporânea tornou-se uma característica permanente de seu pensamento, contribuindo para grande parte da originalidade de sua obra posterior.
Em busca de uma alternativa
Embora Bauman tenha saudado o fim da Guerra Fria, ele não compartilhava do otimismo generalizado na virada do milênio. O projeto comunista, em sua visão, era parte integrante do que ele chamava de fase “sólida” da modernidade, na qual alcançar o progresso coletivo era sinônimo de preservar a estabilidade social. Seu colapso representou não apenas o fracasso de uma ideia política, mas também o fim de um mundo que buscava segurança, certeza e racionalidade para todos. A crise do socialismo foi também uma crise da modernidade, e suas consequências se estenderam muito além da Europa Oriental recém-pós-comunista.
Segundo Bauman, a nova fase “líquida” da modernidade substituiu essas promessas anteriores. Em vez da rigidez anterior, os indivíduos agora podem buscar livremente suas identidades e aspirações. Bauman reconheceu que esse não era um fenômeno unilateral: visto que as promessas da modernidade “sólida” muitas vezes assumiram formas opressivas, sua nova fase oferecia uma liberdade inédita em relação às normas e restrições sociais tradicionais. Ao mesmo tempo, gerou também uma instabilidade sem precedentes, que acabou por agravar as injustiças conhecidas dos séculos anteriores.
Em vez de se concentrar exclusivamente nas esperanças ou ansiedades do novo episódio histórico, Bauman encontrou uma forma de reconciliar ambas — reconhecendo a singularidade do período pós-Guerra Fria, ao mesmo tempo que expunha as suas contradições mais marcantes.
Costuma-se dizer que grande parte da obra tardia de Bauman girou em torno dos temas recorrentes da modernidade, da globalização, do consumismo e da incerteza. Pode-se debater até que ponto esse tipo de sociologia resistiu ao teste do tempo. Embora a sua ambição de captar a realidade social na sua totalidade tenha cativado os leitores, também antagonizou a maioria dos seus colegas académicos e cientistas sociais. Não sendo filósofo nem historiador, continuou a dialogar com teóricos de todas as épocas, recusando-se a conformar-se com a linguagem da sua própria disciplina.
Ao mesmo tempo, como poucos outros autores acadêmicos, Bauman soube relacionar-se com as experiências quotidianas da vida numa sociedade “pós-moderna”. Os temas que ele abordou, como a crescente insegurança e solidão, encontraram eco em milhares de leitores ao redor do mundo. Sua teorização social caracterizou-se pela convicção de que a participação coletiva consciente na cultura e na política é indispensável para a construção de uma sociedade melhor.
Esse compromisso democrático foi um fator crucial para o sucesso internacional de seus livros. Como argumenta Izabela Wagner, biógrafa de Bauman, abandonar o estilo acadêmico rígido foi uma decisão consciente para alcançar um público amplo e global. Elaborar propostas políticas nunca foi a intenção de Bauman. Mas as narrativas sobre mudanças históricas também têm suas consequências.
O que tornou a tese da “modernidade líquida” tão convincente foi a perspicácia com que captou as contradições do neoliberalismo nascente. Os livros de Bauman evitaram consistentemente o termo “neoliberalismo”; contudo, sua importância como pensador é inseparável dele.
Numa época de fé exacerbada na globalização liberal e no capitalismo de livre mercado, Bauman ofereceu uma poderosa refutação ao que considerava a promessa central dos tempos da “modernidade líquida”: a de que soluções individuais podem resolver problemas gerados socialmente. Ele nos lembrou que a perda dos laços sociais não pode ser compensada por mecanismos de mercado — e que qualquer visão política que ignore a capacidade de ação da sociedade está fadada ao fracasso.
Diante de uma ideologia hegemônica que afirmava que “não há alternativa”, Bauman mais uma vez assumiu o papel de dissidente, examinando criticamente as tendências intelectuais predominantes de sua época. O sucesso repentino de seus livros nas décadas de 1990 e 2000 comprova a necessidade de uma perspectiva de esquerda, inspirada pelo socialismo. Um dos legados mais duradouros de Bauman, portanto, é nos oferecer uma alternativa para pensar o atual episódio histórico, para além das narrativas liberais sobre o “fim da história”.
Não há democracia sem o povo
A vida proporcionou a Bauman inúmeras razões para temer abusos por parte de outros. Em 1939, aos treze anos, ele testemunhou a invasão nazista da Polônia. Seu mundo desmoronou novamente em 1968, quando se tornou vítima de uma perseguição antissemita e foi exilado pelo regime comunista polonês. Ninguém compreendia melhor do que Bauman a possibilidade tangível de uma catástrofe política. Mesmo assim, ele não permitiu que isso abalasse sua crença na democracia e nas pessoas que a constroem.
Em um de seus últimos artigos, Bauman ofereceu o que poderia ser chamado de alerta contra o “populismo”, ou pelo menos contra os atalhos propostos pelos aspirantes a “homens e mulheres fortes” da política contemporânea. Ao mesmo tempo, ele admitiu que o apoio a suas propostas fraudulentas não resulta de ideias errôneas ou engano, mas de uma genuína perda de segurança e controle sentida por um número crescente de pessoas em todo o mundo. Ignorar essa realidade era um sinal de estagnação política e intelectual, do tipo que Bauman já havia presenciado.
Condenar o “populismo” sem reconhecer a crescente impotência da política democrática não era solução. Pelo contrário, Bauman via todas as narrativas sobre “erros e deformações” de ordens políticas, que de outra forma seriam perfeitas, como uma fonte de falso conforto, que nos distraía de enfrentar as raízes dos problemas reais.
Uma característica definidora do pensamento de Bauman era a convicção de que não era a história, as elites ou os mercados, mas sim o próprio povo que, em última análise, decidia o rumo da mudança. Por essa razão, apesar de ter testemunhado alguns dos capítulos mais sombrios do século XX, ele jamais perdeu a fé na ideia democrática. Ele era um pensador de seu tempo: sempre curioso sobre a evolução da experiência humana, na esperança de torná-la melhor para os outros do que fora para ele.
Cem anos após seu nascimento, Zygmunt Bauman nos lembra que a única maneira de evitar que o passado se repita é melhorando o presente — e que o futuro está em nossas mãos.
Colaborador
Artur Banaszewski é doutorando em história intelectual no Instituto Universitário Europeu em Florença, Itália.

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