Anna Virginia Balloussier
Folha de S.Paulo
O ex-presidente Lula e o presidente Jair Bolsonaro - Marlene Bergamo e Zanone Fraissat/Folhapress |
Jair Bolsonaro (PL) tem 50% das intenções de voto dos evangélicos na mais recente pesquisa Datafolha. Oscilou um ponto para cima desde a semana passada. Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ficou com os mesmos 32%.
A imobilidade desse quadro não é música gospel para o ouvido de nenhuma das campanhas. Claro que as duas gostariam de avançar nesses cobiçados 25% do eleitorado. Mas a notícia é pior para o presidente, que não tem medido esforços para atrair o máximo de fiéis possíveis para seu projeto eleitoral.
O bolsonarismo ainda é pulsante no discurso de muitos pastores de projeção nacional. Silas Malafaia ganhou "Parabéns pra Você" do presidente no seu culto de aniversário. Edir Macedo continua mirando sua bazuca midiática contra a esquerda. Em editorial da Folha Universal, jornal da sua igreja, Lula aparece como "transtornado e inconsolável" porque a multidão bolsonarista do 7 de Setembro havia gritado "em um só coro" que não o queria de volta ao poder.
Mas as placas tectônicas começaram a se mexer no segmento. É um movimento sutil, detectado pela Casa Galileia, organização que monitora redes evangélicas. Há, da parte de perfis cristãos mais extremistas, "certa desmobilização na reta final da campanha". E também pastores abaixando a intensidade dos ataques a Lula.
O apoio a Bolsonaro não desapareceu. Os conteúdos que mais repercutem falam sobre um possível atentado contra o presidente e criticam a decisão do rival petista de não ir ao debate do SBT, tida como casa amiga para bolsonaristas. "A ausência de uma agenda comum forte tem chamado a atenção, com exceção de Malafaia e dos evangélicos em disputa por candidaturas que seguem firmes na campanha pró-Bolsonaro", diz o relatório.
A mudança dos ventos se prenuncia por ora como uma leve brisa. No YouTube, onde tem um canal com 1,3 milhão de inscritos, o pastor Lucinho postou uma boa amostra do que estamos falando.
Ele pastoreia na Igreja Batista da Lagoinha, do influente clã Valadão, que já recepcionou Jair e Eduardo Bolsonaro no púlpito. É pop entre jovens crentes, seus "loucos por Jesus".
Na quarta (21), Lucinho divulgou um vídeo para avisar que traria uma "palavra um pouco polêmica". O que fará se Lula ganhar as eleições?
Deixou claro que é "frontalmente oposto" ao petista, "um cara completamente contra os princípios da Bíblia". Mas vai orar por ele se o povo o ungir presidente, como orou por todos os presidentes, inclusive pelo próprio Lula no passado. As Escrituras, afinal, mandam orar por todas as autoridades constituídas.
Antes dele, Rodrigo Mocellin, outro pastor com alta taxa de engajamento nas redes sociais, já havia pregado que, "Se Lula ganhar, Deus continua sendo Deus, acima do bem e do mal". Não se trata de abraçar o PT, mas recalcular a rota narrativa: o ex-presidente pode ganhar, sim, ao contrário da aposta de silhueta messiânica no triunfo bolsonarista.
Já a campanha do PT parece trabalhar no modo redução de danos, para evitar uma hecatombe eleitoral similar à de 2018, quando 7 em cada 10 fiéis preferiram Bolsonaro no segundo turno. Lula fez poucos acenos a evangélicos. Investiu em algumas mensagens cristãs e se reuniu com um punhado de pastores em São Gonçalo (RJ), a maioria já sua aliada progressista de longa data.
Em maio, o Datafolha revelou que Lula (36%) e Bolsonaro (39%) estavam tecnicamente empatados nessa parcela cristã. O presidente ampliou a vantagem desde então.
Há duas semanas, o instituto registrou sua maior dianteira: 23 pontos à frente do adversário. O fosso encolheu e agora é de 18 pontos percentuais, em levantamento feito de terça (20) a quinta (22) com 6.754 pessoas em 343 cidades. A margem de erro, considerando apenas o eleitor dessa religião, é de dois pontos percentuais para mais ou para menos.
Isso porque Bolsonaro nunca esteve em tão alta conta com evangélicos. Em setembro de 2021, amargou sua pior taxa de aprovação com o grupo, 29%. Um ano depois, 46% dos eleitores crentes avaliam seu governo como ótimo e bom.
É um indicativo de que seu tour eleitoral pelas igrejas e por eventos como as Marchas para Jesus deu frutos, assim como o discurso mais ameno que ofertou em espaços cristãos.
No podcast Collab, conduzido na semana passada por influenciadores evangélicos, Bolsonaro disse que vai "passar a faixa" e "se recolher" caso perca, e também que se arrependia de ter dito que não era coveiro no início da pandemia, quando as mortes por Covid-19 começaram a subir.
A versão "Bolsonarinho paz e amor" foi lida como uma tentativa de suavizar a imagem de bruto, que poderia assustar um público religioso refratário à retórica agressiva.
Se o presidente é bem avaliado por evangélicos e inclusive usa sua esposa, fiel de uma igreja batista, como trunfo na campanha, por que seu crescimento no bloco não evoluiu ainda mais?
Talvez porque um crente não é um monólito eleitoral. Ele pode se preocupar com a agenda conservadora, sempre exaltada por bolsonaristas, mas sua identidade é múltipla. A maioria dos evangélicos, por exemplo, é mulher e pobre, grupos que se inclinam a Lula. Não tem Pai-Nosso que garanta a onipotência que Bolsonaro gostaria de ter nos templos.
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