MARIA REPNIKOVA
MARIA REPNIKOVA é a titular da Cátedra William C. Pate de Comunicação Estratégica na Universidade Estadual da Geórgia e autora do livro a ser lançado, Competindo pelo Soft Power: A Construção da Imagem da China na África.
Foreign Affairs
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| Segurando uma bandeira chinesa em Roma, maio de 2025. Aleksandra Szmigiel / Reuters |
Desde o início de seu segundo mandato, o presidente dos EUA, Donald Trump, vem desmantelando os canais tradicionais do soft power americano. A Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) deixou de operar, e a Voz da América está envolvida em batalhas legislativas e judiciais. O Departamento de Estado reduziu significativamente seu quadro de funcionários e seus programas. Novas políticas restritivas de vistos e imigração tornaram os Estados Unidos menos acessíveis e menos atraentes para potenciais visitantes, e as negociações coercitivas e transacionais de Washington com os aliados dos EUA prejudicaram a confiança internacional. No The New York Times, Jamie Shea, ex-funcionário da OTAN, referiu-se a essas mudanças drásticas como o “suicídio do soft power” dos Estados Unidos.
Muitos especialistas e comentaristas interpretaram a perda dos Estados Unidos como um ganho para a China. O falecido cientista político Joseph Nye, que desenvolveu o conceito de soft power, alertou no início deste ano que a China “está pronta para preencher o vácuo que Trump está criando”. Yanzhong Huang, pesquisador do Conselho de Relações Exteriores, argumentou de forma semelhante que as ações do governo Trump “impulsionaram a ofensiva de charme da China”.
Mas, como argumentei em 2022 na revista Foreign Affairs, a competição de soft power entre os EUA e a China não é uma busca de influência de soma zero. Os dois países adotam abordagens distintas para construir soft power: a China tende a se basear em atrair outros países com benefícios pragmáticos, enquanto os Estados Unidos colocam ideais e valores no centro de sua estratégia. Os países receptores, especialmente aqueles no chamado Sul global, percebem as ofertas chinesas e americanas como complementares, aceitando ambas em vez de sentirem a necessidade de escolher uma em detrimento da outra.
Nos últimos três anos, e especialmente desde a reeleição de Trump, a posição relativa da China inegavelmente melhorou. Com o recuo dos Estados Unidos, a China se apresenta ao mundo como o parceiro mais acessível e confiável. Mas isso não transformou a China em uma líder global em soft power. Embora Pequim ainda enfatize suas ofertas pragmáticas em sua diplomacia, reduziu, em vez de expandir, sua assistência internacional a países de baixa renda e demonstrou poucos sinais de que pretende substituir a USAID. A China também não está se posicionando para ocupar o antigo papel dos Estados Unidos de promover um modelo específico de governança para o mundo. Pequim é geralmente vista com mais bons olhos do que antes, mas essa mudança de atitude varia significativamente de região para região, e mesmo os países que têm as visões mais positivas da China encaram suas ações com uma mistura de apreço e ressentimento. A China pode estar ganhando estatura passivamente com a retirada dos Estados Unidos do soft power, mas isso não é suficiente para garantir uma maior influência global nos próximos anos.
MANTENDO O RUMO
As interpretações chinesas de soft power diferem da definição original de Nye, que enfatiza a cultura, os valores e a política externa como os principais ingredientes da capacidade de um país influenciar outros sem coerção. Nos escritos chineses, o poder cultural está intrinsecamente ligado ao poder material: Pequim considera seu modelo de desenvolvimento econômico, a inovação tecnológica e a assistência material aos países em desenvolvimento, e não apenas sua cultura e princípios tradicionais, como vetores de soft power.
Quando os líderes chineses tentam atrair os países em desenvolvimento, eles consistentemente enfatizam a busca da China por benefícios econômicos mútuos e sua compreensão dos direitos humanos como um conceito enraizado em direitos econômicos e bem-estar material, em vez de liberdade individual e política. A diplomacia consiste em oferecer algo prático a outros países, sejam acordos comerciais (frequentemente anunciados com algum tipo de espetáculo cultural), projetos de infraestrutura ou programas de treinamento e educação que trazem milhares de autoridades, formuladores de políticas, jornalistas e estudantes à China.
E com a chegada do governo Trump, os países em desenvolvimento têm poucas alternativas ao que a China oferece. Segundo o Lowy Institute, um think tank australiano, os cortes do governo Trump na USAID fizeram com que os compromissos bilaterais de assistência ao desenvolvimento da China se tornassem os maiores do mundo. As elevadas tarifas americanas garantiram que a China, que ainda valoriza o comércio (mesmo que seja criticada por suas práticas desleais), seja o país economicamente mais acessível entre os dois. A abertura da China a visitantes internacionais — que agora permite a entrada sem visto por 30 dias para cidadãos de mais de 70 países — também contrasta fortemente com a postura cada vez mais restritiva dos Estados Unidos.
A competição de soft power entre EUA e China não é uma busca de influência de soma zero.
No entanto, a China não parece estar aumentando sua assistência ao desenvolvimento, embora as políticas de Trump lhe ofereçam uma oportunidade. As promessas recentes de Pequim de conceder assistência a países em desenvolvimento têm sido menores do que no passado, e há poucos indícios, até o momento, de que essa tendência vá mudar. Em uma cúpula realizada em maio entre a China e a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), composta por 33 países, Pequim prometeu aos membros do bloco US$ 9,2 bilhões em crédito — menos da metade do que havia prometido na mesma cúpula em 2015. Em setembro, a China prometeu US$ 1,4 bilhão em empréstimos aos membros da Organização de Cooperação de Xangai (OCX), uma associação econômica e de segurança formada por dez países, valor inferior aos US$ 5 bilhões prometidos em 2014. Essas reduções refletem o esforço de Pequim para "revisar" sua Iniciativa Cinturão e Rota, concentrando-se em projetos "pequenos e belos" — uma redução, na prática —, o que provavelmente é uma resposta tanto às pressões econômicas internas da China quanto à dívida crescente acumulada por muitos países participantes da iniciativa. Embora a China ainda ofereça empréstimos a muitos países vizinhos ricos em recursos naturais, bem como a países de renda mais alta, como os Estados Unidos e a Rússia, ela está cada vez mais cautelosa em relação ao excesso de empréstimos para países em desenvolvimento. Em alguns casos, como na Etiópia, suspendeu completamente a concessão de novos empréstimos.
Há poucos indícios de que a China pretenda preencher outras lacunas deixadas pela USAID. Antes de 2025, o orçamento chinês para ajuda externa (separado dos seus fundos de financiamento para o desenvolvimento) representava uma fração do orçamento dos Estados Unidos antes de 2025, e grande parte dele era desembolsada na forma de empréstimos concessionais, em vez de doações. Este ano, apenas em alguns casos isolados — como o aumento das suas contribuições para a maior organização de desminagem do Camboja e a oferta de garantias informais de que fornecerá ajuda humanitária ao Nepal — Pequim interveio para atender às necessidades dos países afetados pelos cortes da USAID. Esses exemplos isolados não configuram uma reorientação generalizada da diplomacia chinesa.
A China não está a recuar economicamente em todos os setores. Nos últimos anos, o comércio chinês e o investimento privado em países da América Latina, do Médio Oriente e do Sudeste Asiático aumentaram. Os principais motores dessa expansão, contudo, têm sido os agentes comerciais, e não o Estado (embora as linhas que separam os dois possam ser ténues).
O MODELO CHINÊS?
Os Estados Unidos também reduziram a promoção de valores democráticos e direitos humanos no exterior, deixando de se esforçar para se posicionar como uma democracia exemplar. Isso cria um vácuo que a China poderia, em teoria, preencher com sua própria agenda ideológica — mas Pequim pode não estar disposta ou ser capaz de fazê-lo. A abordagem da China em relação ao soft power tem se concentrado, em geral, menos na promoção de ideais e valores políticos do que a dos Estados Unidos. Isso pode estar mudando lentamente, principalmente porque autoridades chinesas falam sobre princípios como a não interferência e promovem um caminho alternativo para a modernização e a democracia em cúpulas diplomáticas e em treinamentos para formuladores de política externa. Mas a mensagem da China não oferece, como a dos Estados Unidos oferecia antigamente, uma visão clara do papel do país na ordem global, nem um modelo coerente para “exportar”. Isso pode ser intencional, pois dá à China flexibilidade e a ajuda a se apresentar como uma potência global menos imponente do que os Estados Unidos.
Um dos principais temas da promoção ideológica de Pequim hoje é diferenciar a China do Ocidente. Em discursos e comentários públicos, autoridades chinesas frequentemente denunciam a hegemonia ocidental e retratam a China como uma grande potência responsável e estável. Em um comentário na mídia russa em julho, por exemplo, o embaixador da China na Rússia criticou os Estados Unidos por abandonarem a ordem global do pós-guerra e descreveu a China, em comparação, como um país capaz de cumprir suas promessas. Em setembro, na cúpula da OCS em Tianjin, o líder chinês Xi Jinping defendeu uma ordem mundial “mais justa” e lançou a Iniciativa de Governança Global para demonstrar seu compromisso com o avanço da multipolaridade.
Em discussões com líderes e formuladores de políticas africanos, acadêmicos e diplomatas chineses tendem a contrastar a China, não intrusiva e benevolente, com os Estados Unidos, mais intervencionistas e impulsivos. A abordagem da China para a modernização, por exemplo, é apresentada como inclusiva das diferenças nacionais, em vez de ditar um conjunto de regras ocidentais. Destacar a injustiça das políticas americanas, tanto reais quanto percebidas, pode fomentar uma unidade baseada em ressentimentos que pode aproximar alguns países da China. A Organização de Cooperação de Xangai (OCX), liderada pela China, por exemplo, expandiu sua agenda da segurança de fronteiras para a diplomacia global e cresceu de um grupo de seis países em 2001 para um com dez membros plenos, 14 parceiros de diálogo e dois observadores atualmente, com mais países aguardando adesão. No entanto, a mensagem da China não vai muito além de criticar a dominância dos Estados Unidos e exigir maior participação em instituições internacionais e mecanismos de governança. Ela não chega a delinear e inspirar uma ordem mundial alternativa.
De forma semelhante, a recente turbulência na democracia americana parece oferecer à China uma oportunidade de promover seu modelo de governança para um público internacional mais receptivo. O que constitui esse modelo, contudo, não é totalmente claro. Como constatei em um estudo sobre seminários de treinamento para formuladores de políticas africanos, educadores e autoridades chinesas não tentam vender o sistema político chinês como algo completamente diferente, mas sim adotam e invertem conceitos ocidentais para promovê-lo. A China é apresentada como apenas mais uma versão da democracia, porém mais eficiente e adaptável ao feedback público. Além disso, os líderes chineses dessas sessões de treinamento raramente fornecem um roteiro de como imitar a China, mesmo quando se trata de tópicos como o combate à pobreza, área em que a China é amplamente considerada bem-sucedida. Em uma cena marcante durante um seminário em Adis Abeba, um funcionário etíope pediu ao palestrante chinês que ao menos desse algumas dicas específicas sobre como a Etiópia poderia replicar as conquistas da China. Outro especialista chinês interveio, dizendo: "Não estamos aqui para dar conselhos", encerrando a discussão. Treinamentos técnicos relacionados à agricultura ou à transferência de tecnologia chinesa provavelmente oferecem lições mais específicas, mas autoridades e jornalistas africanos me disseram que as sugestões concretas sobre a experiência política e de desenvolvimento mais ampla da China são limitadas. Sem elas, Pequim pode apresentar seu próprio exemplo como algo a ser almejado, mas não como um modelo a ser seguido por outros países.
Isso não significa que a China não esteja conquistando novos territórios. Nos últimos meses, a crescente popularidade de produtos da cultura pop chinesa, como as bonecas Labubu, o filme de animação Ne Zha 2 e diversos videogames populares, juntamente com tecnologias chinesas, incluindo a plataforma de inteligência artificial DeepSeek, inspiraram manchetes como "Como a China se tornou legal". Esse tipo de influência cultural pode se traduzir em maior afinidade com os valores e princípios de governança da China, especialmente quando o público estrangeiro se interessa por filmes e videogames que glorificam a história, as tradições e a tecnologia futurista chinesas. Exportações como as bonecas Labubu e o DeepSeek se relacionam mais claramente à perspicácia comercial e tecnológica — algo que pode fortalecer o poder brando material da China, mas não necessariamente disseminará sua visão.
GANHOS RELATIVOS
O poder brando é sempre difícil de medir com precisão. Uma aproximação são as pesquisas de opinião pública, que mostraram que a China recebeu pelo menos um aumento passivo de popularidade desde a reeleição de Trump. Uma pesquisa do Pew Research Center, realizada em julho em 24 países, constatou que mais pessoas ainda têm uma visão favorável dos Estados Unidos do que da China, mas a diferença está diminuindo. Os Estados Unidos sofreram um grande declínio na percepção positiva desde a primavera de 2024 — a visão favorável do país caiu 20 pontos percentuais no Canadá, por exemplo —, enquanto a China obteve ganhos marginais. Em outra pesquisa recente, realizada em cinco grandes países da América Latina, mais pessoas preferiram a China aos Estados Unidos como parceiro econômico em todos os países pesquisados.
Mas esses sinais positivos vêm com ressalvas. As percepções sobre a China ainda variam significativamente. Ao contrário da África e da América Latina, onde a opinião em relação à China é geralmente favorável, a reputação da China é extremamente negativa na região Ásia-Pacífico e na Europa. Nessas regiões, a preocupação com a ameaça à segurança representada por Pequim provavelmente supera a atração pelas oportunidades econômicas que o país oferece, mesmo com a retirada de Washington.
Além disso, a valorização da China como parceira econômica não se traduz em confiança em sua liderança global. Na pesquisa do Pew Research Center, realizada em julho, uma mediana de 66% dos entrevistados em 25 países não tinha confiança em Xi Jinping para "fazer a coisa certa em relação aos assuntos mundiais". Essas visões contrastantes sobre a China, tanto no âmbito econômico quanto ideológico, também surgem em conversas com formuladores de políticas. Autoridades etíopes que participaram de programas de treinamento diplomático na China me disseram que admiravam o poderio econômico da China e apreciavam suas ofertas materiais, mas permaneciam céticas quanto às promessas de Pequim de que a cooperação traria benefícios mútuos, questionando: "É uma situação em que todos ganham ou só a China ganha?". Muitos tiveram dificuldade em articular a perspectiva da China sobre os assuntos globais além da busca por interesses próprios.
A China não oferece uma visão clara de seu papel na ordem global.
Ressentimentos e temores sutis em relação ao poder econômico da China raramente são captados em pesquisas, mas se manifestam de outras maneiras. Mesmo em um país como a Etiópia, que tem uma visão mais favorável à China, estudantes universitários de todo o país expressaram para mim uma mistura de aprovação e apreensão sobre as implicações de longo prazo dos projetos da Iniciativa Cinturão e Rota. Muitos mencionaram a alta dívida com a China (a Etiópia é o segundo maior receptor de empréstimos chineses na África) e a possibilidade de a China acabar assumindo projetos e setores críticos caso a Etiópia não consiga pagar seus empréstimos. Na Ásia Central, onde muitos países também são relativamente pró-China, protestos organizados contra projetos chineses de infraestrutura e energia, entre outras questões, tornaram-se mais comuns na última década. Entre os países que preferem manter uma postura neutra entre as grandes potências ou evitar alinhamentos, a retirada dos Estados Unidos gera ainda mais inquietação, pois deixa a presença da China incontestada.
Seria prematuro declarar a relativa melhora na posição de soft power da China como uma vitória definitiva para o país. Por ora, Pequim parece estar se contendo em vez de aproveitar plenamente o declínio dos Estados Unidos. Apresenta-se como um parceiro de desenvolvimento confiável e acessível, como fazia antes do segundo mandato de Trump, mas também tem sido cautelosa quanto ao investimento de mais recursos no exterior. A mensagem ideológica da China ainda se baseia amplamente no ressentimento em relação ao Ocidente, em vez de apresentar uma visão internacional alternativa convincente ou oferecer lições políticas concretas e replicáveis. Muitos países estrangeiros permanecem desconfiados da China, especialmente quando se trata de liderança global.
Contudo, a abordagem conservadora de Pequim pode ser estratégica, em vez de um sinal de fraqueza ou desrespeito ao soft power. A China está evitando compromissos excessivos e se expondo a um maior escrutínio sobre sua política interna e visão global, enquanto ainda desfruta de ganhos indiretos com a retirada dos EUA. Ao contrário do Washington do passado, Pequim está mais interessada em legitimar seu caminho singular do que em convencer outros a seguirem seus passos. Destacar os fortes contrastes entre a China e os Estados Unidos pode ser suficiente por ora.

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