16 de novembro de 2025

Tupac Shakur foi forjado em uma cultura política revolucionária

Tupac Shakur foi um artista profundamente político, moldado pelas tradições radicais de esquerda da comunidade negra americana. Uma nova biografia finalmente faz justiça a esse lado de sua vida e obra.

Hamza Shehryar

Jacobin

Desde sua morte em 1996, Tupac Shakur existe menos como pessoa do que como símbolo, achatado pelo mito, mercantilizado pela nostalgia e reciclado incessantemente por uma indústria que prospera com imagens descontextualizadas de rebeldia. Uma correção disso já deveria ter ocorrido há muito tempo. (Bob Berg / Getty Images)

Resenha do livro Words for My Comrades: A Political History of Tupac Shakur, de Dean Van Nguyen (Doubleday, 2025).

Quem foi Tupac Shakur? Dependendo de quem você perguntar, receberá uma infinidade de respostas. Ele foi o maior ícone do hip-hop. Foi um criminoso violento condenado por abuso sexual. Foi a voz dos oprimidos. Foi uma figura política radical que canalizou suas próprias experiências para denunciar um governo racista e imperialista.

Ou, talvez, ele tenha sido tudo isso ao mesmo tempo. Independentemente da resposta, o que permanece indiscutível entre aqueles que cresceram com a imagem de Tupac é que sua vida se desenrolou como a de um revolucionário.

Mas o que isso significa? Você pode ter se deparado com uma ou duas postagens nas redes sociais sobre Tupac, declarando que sua mãe, Afeni Shakur, era uma figura proeminente do Partido dos Panteras Negras e esteve envolvida no julgamento dos Panteras 21. Ou que a ex-Pantera Negra e militante do Exército de Libertação Negra, Assata Shakur, que faleceu recentemente, era sua madrinha. No entanto, raramente se aprofunda além disso.

É uma pena, porque todas as diferentes facetas da história de Tupac — as circunstâncias em que foi concebido, a família e a sociedade em que nasceu, as experiências que teve em seus anos de formação e suas relações após alcançar a fama — estão enraizadas no mesmo espírito revolucionário. Esse espírito desempenhou um papel indispensável no impacto duradouro dessa figura extraordinária no hip-hop, na cultura pop contemporânea e até mesmo nos protestos revolucionários ao redor do mundo.

Essa lacuna precisava ser preenchida, e é por isso que o jornalista e escritor musical Dean Van Nguyen se dedicou a criar um relato abrangente da história política de Tupac Shakur. Como ele explica:

Com muita frequência, a análise de suas raízes revolucionárias se resumiu a "Tupac era filho de membros dos Panteras Negras, logo, ele tinha o espírito dos Panteras". Eu precisava mostrar ao público o que isso significava exatamente, quem eram os Panteras e como esse espírito se manifestou nele. Ao contar a história do maior radical do hip-hop, descobri que também havia uma oportunidade de apresentar a história do hip-hop a partir de uma perspectiva radical.

Este relato, com quase quatrocentas páginas, faz exatamente isso de forma completa e esclarecedora.

Resgatando Tupac do mito

Por quase três décadas, desde o momento em que morreu após ser atingido várias vezes em um tiroteio em Las Vegas, em 7 de setembro de 1996, Tupac Shakur existiu menos como pessoa do que como símbolo. Ele foi achatado pelo mito, mercantilizado pela nostalgia e reciclado incessantemente por uma indústria que prospera com imagens descontextualizadas de rebeldia.

O olhar desafiador, a caricatura de gangster e a morte aos 25 anos: tudo isso foi reempacotado em uma lenda consumível, na maioria das vezes dissociada do ambiente político que o moldou. "Words for My Comrades" é, em sua essência, uma rejeição a esse esvaziamento. É a tentativa de Nguyen de devolver Tupac ao contexto radical do qual ele emergiu.

Por quase três décadas, Tupac Shakur existiu menos como pessoa do que como símbolo.

Nguyen traça a vida de Tupac não através dos marcadores usuais da fama, mas através do movimento que o moldou: da radicalização de sua mãe, Afeni Shakur, que a levou ao Partido dos Panteras Negras, às correntes anti-imperialistas e socialistas que cercaram sua criação. Ao fazer isso, "Words for My Comrades" situa Tupac como herdeiro de uma linhagem — filho de uma tradição radical forjada na luta contra o império americano, a violência policial e o capitalismo racial.

Essa abordagem fica evidente desde a primeira página do livro. Os primeiros capítulos se assemelham mais a uma biografia política dos Panteras Negras do que do próprio Tupac. Nguyen reconstrói meticulosamente a trajetória de Afeni, de uma jovem politizada pelos discursos de Malcolm X até sua participação como uma dos 21 Panteras Negras, acusados ​​(e absolvidos) de conspirar para bombardear pontos turísticos de Nova York.

Por meio dessa narrativa, ele constrói a base ideológica do mundo de Tupac, um mundo onde a revolução não era mera metáfora, mas uma necessidade concreta. Essas seções fundamentais são densas, por vezes avassaladoras em seu alcance, mas indiscutivelmente necessárias. Elas servem como um lembrete crucial de que a história política de Tupac começou muito antes de seu nascimento, na dialética entre a libertação negra e a repressão estatal que definiu os Estados Unidos do pós-guerra.

Fundamental para isso é a investigação minuciosa que Nguyen faz da vida de Afeni. O foco nela e nos Panteras Negras não é um mero preenchimento biográfico, mas sim o fulcro do livro. Conta a história de uma figura corajosa e espirituosa cuja formação política dentro de um movimento militante não foi incidental nem ornamental. Soa familiar?

Ao dar destaque a Afeni e à história fragmentada dos Panteras Negras — o faccionalismo, o impacto do COINTELPRO, o esgotamento do idealismo — Nguyen constrói o terreno a partir do qual as próprias contradições de Tupac emergem posteriormente. Isso é essencial, porque o radicalismo do artista, sua volatilidade e até mesmo sua autodestruição são ecos do movimento que o concebeu — um movimento esmagado, mas não extinto.

Nesse sentido, "Words for My Comrades", além de reescrever a história de Tupac, também a desmistifica. O Tupac de Nguyen não é o santo trágico da história do hip-hop nem o fora da lei niilista da memória sensacionalista, mas sim o filho político de uma revolução interrompida: um jovem lutando para dar sentido a ideais herdados em um mundo neoliberal que não tinha lugar para eles.

É essa contextualização, à qual Nguyen dedica grandes partes de seu livro, que o diferencia de outras "histórias de Tupac". Não começa com a concepção do rapper, mas retrocede muitos anos, destacando a sociedade e o clima de resistência que o moldaram na estrela-guia política e cultural que ele se tornou.

Um monumento à continuidade radical

Words for My Comrades é uma obra de história conectiva. Ela traça linhas claras entre o projeto revolucionário do Partido dos Panteras Negras, as violentas repressões do Estado e o solo cultural no qual o próprio hip-hop se enraizou. O livro não trata esses elementos como histórias separadas, mas como partes da mesma genealogia política. É por isso que Nguyen transita frequentemente entre Tupac, os Panteras Negras e o hip-hop, em vez de se concentrar apenas em Tupac e Afeni ou seguir uma estrutura cronológica.

A escrita de Nguyen sobre as raízes radicais do hip-hop serve como um corretivo útil para uma história popular que, com muita frequência, isola a forma musical do conteúdo político.

De fato, a escrita de Nguyen sobre as raízes radicais do hip-hop serve como um corretivo útil para uma história popular que, com muita frequência, isola a forma musical do conteúdo político. Ele lembra ao leitor que o gênero emergiu em comunidades moldadas pela violência estatal, pelo abandono econômico e pela resistência organizada.

No centro dessa continuidade, Nguyen traça os anos de formação de Tupac com uma intimidade que evita a hagiografia. Ele demonstra como a política de Tupac foi tanto herdada quanto ativamente buscada: um aprendizado complexo e contraditório entre teoria e sobrevivência. Nguyen não suaviza nem sensacionaliza essas contradições; ele as trata como material a ser compreendido e explicado.

Crucialmente, ele aborda as partes mais problemáticas do legado de Tupac — como sua condenação por abuso sexual em 1995 — com a mesma precisão crítica que aplica à política revolucionária do artista. Nguyen não reduz essas tensões a absolutos morais, nem as justifica. Em vez disso, ele as situa dentro das complexas correntes sociais e políticas do início da década de 1990, um período marcado pelo encarceramento em massa, pela demonização dos homens negros e pelo assassinato de Rodney King.

O livro reconhece que Tupac era capaz de compor hinos feministas como “Keep Ya Head Up” e “Brenda’s Got a Baby”, ao mesmo tempo que participava e era moldado por uma cultura profundamente patriarcal. Nguyen aborda ambas as verdades simultaneamente: a empatia de Tupac pelas mulheres negras era genuína, mas também sua incapacidade de viver sempre de acordo com esses princípios. O resultado não é uma absolvição, mas sim a iluminação do fato de que figuras radicais, especialmente aquelas forjadas nas contradições do império, muitas vezes incorporam tanto a libertação que pregam quanto os males sociais que buscam transcender.

Esse rigor metodológico é o grande trunfo do livro. Leitores que buscam uma biografia pop convencional podem achar que os desvios para o faccionalismo dos Panteras Negras ou para a história militante underground tornam a leitura um pouco lenta. Mas esses desvios são justamente o que permite ao livro traçar com sucesso a trajetória política de Tupac: ampliar a narrativa até que as categorias simplistas deixem de ser relevantes.

É igualmente impressionante que, mantendo esse rigor, Nguyen retorne consistentemente a cada faceta da trajetória de Tupac, buscando relembrar, explicar e contextualizar tudo o que moldou e aconteceu na vida de Tupac até que ela fosse tragicamente interrompida. Isso abrange desde suas experiências com a polícia até seu envolvimento com Madonna, ou mesmo algo tão obscuro quanto a maneira como ele acabou se juntando à Liga da Juventude Comunista em Baltimore (através de Mary Baldridge, uma estudante da Escola de Artes de Baltimore com quem ele namorou e que fundou a filial de Baltimore após uma viagem a Cuba). Essas reveladoras investigações da jornada pessoal e política de Tupac tornam seu livro tão cativante quanto revelador.

Legado, capitalismo e vida após a morte

Se o cerne do livro reconstrói o mundo que criou Tupac, seus capítulos finais confrontam o mundo que o destruiu. Em sua terceira e última parte, Palavras para Meus Camaradas passa das origens às consequências — das condições que moldaram Tupac à máquina que o consumiu. Aqui, Nguyen também traça o conflito incômodo entre a arte revolucionária e a busca pelo lucro; entre as possibilidades radicais do hip-hop e a lógica capitalista brutal que buscava neutralizá-lo. Como ele mesmo afirma, “do potencial, até mesmo da probabilidade, de o poder absoluto corromper absolutamente”.

O gênero que outrora deu voz à luta da classe trabalhadora negra foi gradualmente transformado em uma mercadoria aspiracional.

A percepção política mais perspicaz de Nguyen reside em mostrar como, após a morte de Tupac, o capital foi minando progressivamente a energia insurgente do hip-hop. O gênero que outrora deu voz à luta da classe trabalhadora negra foi gradualmente transformado em uma mercadoria aspiracional, com sua linguagem de resistência cooptada e sua estética explorada para fins lucrativos.

Nguyen demonstra como a virada neoliberal no final da década de 1990 esvaziou o núcleo radical do hip-hop. Sua análise de figuras como Jay-Z ou P Money é atenta às maneiras pelas quais o capitalismo se reproduz através da cultura. Não se trata de nostalgia por um passado mais puro, mas de uma autópsia de como o sentimento político é monetizado e como a arte da recusa se torna uma trilha sonora para a acumulação. Há lições a serem aprendidas aqui.

Apesar de narrar meticulosamente as lutas internas e externas que atormentaram os últimos meses de vida de Tupac até a fatídica noite em que quatro tiros de uma Glock calibre .40 o atingiram, o livro resiste ao fatalismo. Em seu capítulo final, apropriadamente intitulado "Desperte a Mente que Mudará o Mundo", Tupac ressurge, não como um holograma ou uma lenda, mas como um eco.

Nguyen relata exemplos de como a voz de Tupac ressurge em protestos, rabiscada em cartazes, sampleada em canções de resistência. Ela ressoou com milhões sob o jugo de uma sociedade racista e neoliberal, da Costa Oeste à Costa Leste; atraiu artistas da Irlanda à Palestina; inspirou militantes das Ilhas Salomão à Serra Leoa.

Esses momentos não são curiosidades sentimentais, mas sim evidências da resistência política de Tupac em todo o mundo. As mesmas letras que a indústria musical tentou higienizar continuam a ressurgir como ferramentas vivas de dissidência, articulando raiva, solidariedade e a crença de que a cultura ainda pode nomear as condições de sua própria opressão.

Apropriadamente, o livro termina onde começou: com Afeni Shakur. Ao retornar a ela não como pano de fundo, mas como uma âncora ideológica, Nguyen insiste que não podemos compreender a história de Tupac sem a mãe revolucionária que o deu à luz pouco depois de, corajosamente, representar a si mesma no julgamento dos Panteras Negras 21, aos 22 anos. Não podemos compreender as histórias de Afeni e Tupac sem traçar a tradição nacionalista negra que os moldou.

Ao fazer isso, Nguyen entrega uma obra abrangente que oferece um relato definitivo da política de Tupac. Ela o coloca não no panteão dos gênios trágicos, mas de volta ao mundo que o produziu: entre os Panteras Negras, os poetas e o proletariado; entre os organizadores, as mães e os mártires da libertação negra. Ao resgatar Tupac do mito, Nguyen o devolve à história — aos camaradas para quem suas palavras sempre foram destinadas.

Colaborador

Hamza Shehryar é escritor e jornalista. Ele cobre a indústria do entretenimento, cultura e política global, com foco em perspectivas interseccionais e do Sul Global.

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