11 de outubro de 2020

O processo de paz de Israel sempre foi um caminho para lugar nenhum

Duas décadas após o processo de paz expirar entre as cúpulas de Camp David e Taba, muitos olham para trás com nostalgia para os Acordos de Oslo entre Israel e a OLP. Mas o historiador Ilan Pappe argumenta que o fracasso de Oslo em entregar a soberania palestina foi incorporado ao processo desde o início.

Ilan Pappe


Duas mulheres durante a quarentena no telhado de sua casa no campo de refugiados de Jabalia em 28 de agosto de 2020 na Cidade de Gaza. (Fátima Shbair / Getty Images)

Tradução / Duas décadas depois de expirado o processo de paz entre as reuniões de cúpula de Camp David e Taba, muitos olham para trás com nostalgia dos Acordos de Oslo entre Israel e a OLP. Mas o historiador Ilan Pappe argumenta que o fracasso de Oslo em entregar a soberania palestina foi incorporado ao processo desde o início.

Em 13 de setembro de 1993, a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) e o governo israelense assinaram os Acordos de Oslo com grande alarde. O acordo foi idealizado por um grupo de israelenses que faziam parte do think tank Mashov, liderado pelo então vice-ministro das Relações Exteriores, Yossi Beilin.

Sua suposição era que uma convergência de fatores proporcionava um momento histórico oportuno para impor uma solução ao lado palestino: o sucesso do Partido Trabalhista mais pacifista nas eleições de Israel em 1992, por um lado, a erosão drástica na posição internacional da OLP por causa do apoio de Yasser Arafat à invasão do Kuwait por Saddam Hussein, por outro.

Os arquitetos dos acordos assumiram que os palestinos não estavam em posição de resistir a um diktat israelense que representava o máximo que o Estado judeu estava disposto a conceder naquele momento. O melhor que esses representantes do “campo de paz israelense” poderiam oferecer eram dois bantustões – uma Cisjordânia reduzida e uma Faixa de Gaza enclavada – que desfrutariam de parte do simbolismo do Estado ao passo que, na prática, permaneceriam sob controle israelense.

Além disso, esse arranjo teria que ser declarado como o fim do conflito. Quaisquer outras exigências, como o direito de regresso dos refugiados palestinos ou alterações no estatuto da minoria palestina dentro de Israel, foram retiradas da agenda da “paz”.
Receita para o desastre

Este diktat era uma nova versão das antigas ideias israelenses que formavam o chamado processo de paz desde 1967. A primeira foi a chamada opção jordaniana, que significaria dividir — geográfica ou funcionalmente — o controle sobre os territórios ocupados entre Israel e Jordânia. O movimento trabalhista israelense endossou essa política. A segunda foi a ideia de autonomia palestina limitada nesses territórios, que esteve no centro das negociações de paz com o Egito no final da década de 1970.

Essas várias ideias – a opção jordaniana, a autonomia palestina e a fórmula de Oslo – tinham uma coisa em comum: todas sugeriam a divisão da Cisjordânia entre áreas judaicas e palestinas, com a intenção futura de integrar a parte judaica em Israel, mantendo a Faixa de Gaza como um enclave conectado à Cisjordânia por uma ponte terrestre que Israel controlaria.

Oslo diferiu das iniciativas anteriores em vários aspectos. O mais importante foi que a OLP foi parceira de Israel nessa receita para o desastre. Deve-se dizer, no entanto, que a organização palestina, o que fala a favor dela, não aceitou – até hoje – os Acordos de Oslo como um processo concluído.

Sua participação, e o reconhecimento internacional que recebeu, foi o único aspecto positivo (ou pelo menos potencialmente positivo) de Oslo. O aspecto negativo da participação da OLP foi o fato de que uma política israelense unilateral de anexação e divisão paulatina dos territórios ocupados agora recebia legitimidade de um acordo que a liderança da OLP havia assinado.

Outra diferença foi o envolvimento de uma equipe acadêmica supostamente profissional e neutra na facilitação dos acordos. A Fundação de Pesquisa Fafo da Noruega se encarregou dos esforços de mediação. Adoptou uma metodologia muito vantajosa para os israelenses e desastrosa para os palestinos.

Em essência, era uma busca pelo melhor que a parte mais forte estava disposta a oferecer, seguida de uma tentativa de coagir o partido mais fraco a aceitá-lo. Não havia influência do lado definido como o mais fraco. Todo o processo passou a ser de imposição.

Uma pílula amarga

Já tínhamos estado lá antes. O Comitê Especial das Nações Unidas sobre a Palestina (UNSCOP, em sua sigla em inglês) em 1947-48 adotou uma abordagem semelhante. O resultado foi catastrófico. Os palestinos, que eram a população indígena e a maioria na Palestina Histórica, não tiveram impacto na solução proposta. Quando a rejeitaram, a ONU ignorou sua posição. O movimento sionista e seus aliados impuseram a divisão pela força.

Quando Oslo I, o primeiro conjunto de acordos maioritariamente simbólicos, foi assinado, a desastrosa falta de qualquer contribuição palestina não veio imediatamente à luz. Esses acordos incluíam não apenas o reconhecimento mútuo entre Israel e a OLP, mas também o retorno de Yasser Arafat e da liderança mais ampla da OLP à Palestina. Esta parte do acordo criou uma euforia compreensível entre alguns palestinos, pois escondia bem o verdadeiro propósito de Oslo.

Essa camada adocicada de uma pílula amarga logo foi removida com o próximo conjunto de acordos, conhecido como Acordo de Oslo II, em 1995. Mesmo o fraco Arafat achou difícil aceitá-los, e o presidente egípcio Hosni Mubarak literalmente o forçou a assinar o pacto em frente às câmeras do mundo.

Mais uma vez, como em 1947, a comunidade internacional avançou com uma “solução” que atendia às necessidades e visões ideológicas de Israel, ignorando completamente os direitos e aspirações palestinas. E, mais uma vez, o princípio subjacente da “solução” foi a partilha.

Em 1947, o movimento de colonos sionistas recebeu 56% da Palestina e passou a tomar 78% à força. O Acordo de Oslo II ofereceu a Israel mais 12% da Palestina histórica, consolidando o status da grande Israel sobre 90% do país e criando dois bantustões no resto da área.

Em 1947, a proposta era dividir a Palestina entre um Estado judaico e um árabe. A narrativa criada por Israel, Fafo e os atores internacionais envolvidos na mediação de Oslo era a de que os palestinos haviam perdido uma oportunidade para tal Estado devido à posição irresponsável e de rejeição que haviam adotado em 1947. Assim, didaticamente, foi-lhes oferecido desta vez um espaço muito menor e uma entidade política rebaixada – definitivamente não um estado por qualquer trecho da imaginação.

Geografia do desastre

Oslo II criou uma geografia do desastre que permitiu a Israel se estender por partes adicionais da Palestina histórica enquanto cercava os palestinos dentro de dois bantustões; ou, dito de outra forma, dividindo a Cisjordânia e a Faixa de Gaza em áreas judaicas e palestinas.

A Área A estava sob o domínio direto da Autoridade Palestina (AP — com aparência de Estado, mas nenhum de seus poderes); A Área B era governada conjuntamente por Israel e pela AP (mas efetivamente por Israel); e a Área C era governada exclusivamente por Israel. Recentemente, progressivamente, esta zona foi de facto anexada a Israel.

Os meios para conseguir essa anexação incluíram o assédio militar e dos colonos aos aldeões palestinos (alguns dos quais já haviam deixado suas casas), a declaração de vastas áreas como campos de treinamento para o exército ou “pulmões verdes” ecológicos dos quais os palestinos são barrados e, finalmente, as constantes transformações do regime fundiário para se apossar de mais terras para novos assentamentos ou a expansão dos antigos.

Quando Arafat chegou a Camp David, em 2000, o mapa de Oslo tinha se revelado claramente e, de muitas maneiras, criado fatos irreversíveis no terreno. A principal característica da cartografia pós-Oslo foi a bantustanização da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, a anexação oficial da grande área de Jerusalém e a separação física do norte e do sul da Cisjordânia.

Outros não foram menos importantes: o desaparecimento do direito de retorno da agenda da “paz” e a contínua judaização da vida palestina dentro de Israel (por expropriação de terras, estrangulamento espacial de aldeias e cidades, manutenção de assentamentos e cidades exclusivas para judeus e a aprovação de uma série de leis institucionalizando Israel como um Estado de apartheid).

Mais tarde, quando se revelou muito caro manter uma presença de colonos no meio da Faixa de Gaza, os líderes de Israel revisaram o mapa e a lógica de Oslo para incluir um novo método de sustentá-lo: impor um cerco terrestre e bloqueio marítimo de Gaza por sua recusa em ser outra Área A sob o domínio da AP.
Depois de Rabin

A geografia do desastre, assim como em 1948, foi o resultado de um plano de paz. Desde 1995 e a assinatura do acordo de Oslo II, mais de seiscentos postos de controle roubaram à população dos territórios ocupados a sua liberdade de circulação entre localidades e cidades (e entre a Faixa de Gaza e a Cisjordânia). A vida era administrada nas Áreas A e B pela Administração Civil, um grupo quase militar disposto a fornecer licenças apenas em troca da plena colaboração com os serviços de segurança.

Os colonos continuaram seus ataques do tipo de facção criminosa contra os palestinos e a expropriação de suas terras. O exército israelense com suas unidades especiais entra na Área A e na Faixa de Gaza à vontade, prendendo, ferindo e matando palestinos. A punição coletiva de demolições de casas e longos toques de recolher e fechamentos também continuaram sob o “acordo de paz”.

Pouco depois da assinatura de Oslo II, o primeiro-ministro de Israel, Yitzhak Rabin, foi assassinado em novembro de 1995. Nunca saberemos se ele teria querido — ou sido capaz — influenciar os desenvolvimentos de uma forma mais positiva. Aqueles que o sucederam até 2000, Shimon Peres, Benjamin Netanyahu e Ehud Barak, apoiaram totalmente a transformação da Cisjordânia e da Faixa de Gaza em duas megaprisões, onde o movimento de entrada e saída, a atividade econômica, a vida cotidiana e a sobrevivência dependiam da boa vontade de Israel – uma mercadoria rara na melhor das hipóteses.

A liderança palestina sob Yasser Arafat engoliu essas pílulas amargas por várias razões. Era difícil renunciar à aparência de poder presidencial, de um sentimento de independência em alguns aspectos da vida e, acima de tudo, de uma crença ingênua de que se tratava de um estado de coisas temporário, a ser substituído por um acordo final que levasse à soberania palestina. (Vale ressaltar que essa liderança assinou um acordo que não menciona em nenhum lugar de sua papelada oficial o estabelecimento de um Estado palestino independente.)

A miragem em Camp David

Por um breve momento, em 1999, parecia haver uma base para tal otimismo. O governo de direita de Benjamin Netanyahu deu lugar a um liderado pelo líder trabalhista, Ehud Barak. Retoricamente, Barak declarou seu compromisso com o acordo e sua implementação final. No entanto, devido a uma rápida perda de sua maioria no Knesset, ele e o presidente dos EUA, Bill Clinton – envolvido na época no caso Monica Lewinsky – apressaram Yasser Arafat para realizar uma cúpula mal preparada e aleatória no verão de 2000.

O governo israelense recrutou um grande número de especialistas e preparou montanhas de documentos com um propósito em mente: impor a interpretação israelense de um acordo final a Arafat. Segundo seus especialistas, o fim do conflito envolveria a anexação de grandes blocos de assentamentos a Israel, uma capital palestina na vila de Abu Dis (1), e um Estado desmilitarizado, sujeito ao controle econômico israelense e ao domínio da segurança. O acordo final não incluía qualquer referência séria ao direito de retorno e, naturalmente, tal como acontece com os próprios Acordos de Oslo, ignorava totalmente os palestinos em Israel.

O lado palestino recrutou o Instituto Adam Smith, em Londres, para ajudá-los em seus preparativos para a cúpula apressada. Eles produziram alguns curtos documentos, que, de qualquer forma, não foram considerados relevantes por Barak e Clinton. Esses dois senhores tinham pressa em concluir o processo em de duas semanas, puramente para sua própria sobrevivência doméstica.

Ambos precisavam de uma conquista rápida para se gabar (semelhanças aqui da gestão catastrófica de Donald Trump da crise da COVID-19 e da paz de Israel com os Emirados Árabes Unidos e o Bahrein, vendida como um grande triunfo para seu governo). Como o tempo era essencial, eles dedicaram as duas semanas a exercer enorme pressão sobre Arafat para assinar um acordo pronto, preparado de antemão em Israel.

Arafat implorou aos dois que precisava de uma conquista tangível para exibir em seu retorno a Ramallah. Ele esperava poder pelo menos anunciar um congelamento dos assentamentos e/ou o reconhecimento do direito da OLP a Jerusalém, bem como algum tipo de compreensão de princípios sobre a importância do direito de retorno para o lado palestino. Barak e Clinton ignoraram totalmente sua situação. Antes de Arafat partir para a Palestina, os dois líderes acusaram-no de ser belicista.

A Segunda Intifada

Após seu retorno, Arafat – como o senador George Mitchell relatou mais tarde – foi bastante passivo e não planejou nenhuma medida drástica, como uma revolta. Os serviços de segurança de Israel informaram aos seus chefes políticos que Arafat estava fazendo tudo o que podia para pacificar os membros mais militantes do Fatah, e ainda esperava encontrar uma nova solução diplomática.

Os que rodeavam Arafat sentiram-se traídos. Havia um clima de desamparo até a visita provocadora a Haram al-Sharif do líder da oposição israelense, Ariel Sharon. O exercício provocativo de Sharon desencadeou uma onda de manifestações às quais o exército israelense respondeu com particular brutalidade. Eles haviam sofrido uma humilhação recente nas mãos do movimento libanês Hezbollah, que forçou as Forças de Defesa de Israel a se retirarem do sul do Líbano e, assim, supostamente corroeu o poder de dissuasão de Israel.

Os policiais palestinos decidiram que não poderiam ficar parados, e o levante se tornou mais militarizado. Respingou em Israel, onde a polícia racista e agressiva estava muito satisfeita em mostrar com que facilidade poderia matar manifestantes palestinos que eram cidadãos do Estado israelense.

A tentativa de alguns grupos palestinos, como Fatah e Hamas, de responder com ataques suicidas saiu pela culatra, já que as operações de retaliação israelenses – culminando na infame operação “Escudo Defensivo” de 2002 – levaram à destruição de cidades e vilarejos e à expropriação de terras por Israel. Outra resposta foi a construção do muro do apartheid que separou os palestinos de seus negócios, terras e centros de vida.

Israel efetivamente reocupou a Cisjordânia e a Faixa de Gaza. Em 2007, o mapa A, B e C da Cisjordânia foi restaurado. Após a retirada israelense de Gaza, o Hamas assumiu o controle e o território foi submetido a um cerco que continua até hoje.

Das cinzas

Muitos políticos e estratégias israelenses estão confiantes de que quebraram o espírito palestino. Precisamente vinte e sete anos após a assinatura dos Acordos de Oslo, o gramado da Casa Branca sediou uma nova cerimônia para os Acordos de Abraão, um acordo de paz e normalização entre Israel e dois países árabes, Emirados Árabes Unidos e Bahrein.

A grande mídia americana e israelense nos garante que este é o último prego no caixão da obstinação palestina. Eles argumentam que a AP terá que aceitar o que Israel oferecer, pois não há mais ninguém para ajudá-los se rejeitarem suas propostas.

Mas a sociedade palestina é uma das mais jovens e educadas do mundo. O movimento nacional palestino ressuscitou das cinzas da Nakba na década de 1950 e pôde fazê-lo novamente. Não importa quão poderosos sejam os militares israelenses, e não importa quantos outros Estados árabes concluam tratados de paz com Israel, o Estado judeu continuará existindo com milhões de palestinos sob seu controle dentro de um regime de apartheid.

O fracasso de Camp David em 2000 não foi o fim de um verdadeiro processo de paz. Nunca houve tal processo, desde que o movimento sionista chegou à Palestina, no final do século XIX; em vez disso, foi o estabelecimento oficial da república do apartheid de Israel. Resta saber por quanto tempo o mundo a aceitará como legítima e viável, ou se aceitará que a dessionização de Israel, com a criação de um Estado democrático que abranja toda a Palestina histórica, seja a única solução justa para este problema.

Colaborador

Ilan Pappe é um historiador israelense e ativista socialista. É professor da Faculdade de Ciências Sociais e Estudos Internacionais da Universidade de Exeter, diretor do Centro Europeu de Estudos da Palestina da universidade e codiretor do Centro Exeter de Estudos Etnopolíticos. Mais recentemente, é autor de Os dez mitos sobre Israel.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Guia essencial para a Jacobin

A Jacobin tem divulgado conteúdo socialista em ritmo acelerado desde 2010. Eis aqui um guia prático para algumas das obras mais importantes ...