4 de março de 2021

Corremos risco de mergulhar de novo no abismo devido à fanfarronice do governo

Aprovem logo o novo estímulo, comprem mais vacina e não criem inimigos imaginários

Nelson Barbosa



Logo após o primeiro impacto da pandemia, em abril de 2020, a maioria dos economistas estimou que o PIB cairia de 6% a 8% no ano passado. O número do IBGE saiu nesta semana: queda de 4,1%. O desempenho foi melhor do que o esperado por três motivos.

Primeiro: devido à pressão do Congresso sobre o Executivo, houve grande expansão fiscal em 2020, de R$ 524 bilhões, ou 7% do PIB, segundo números do Tesouro. O carro-chefe foi o auxílio emergencial, aquele que o governo encerrou em janeiro e agora, por nova pressão parlamentar, corre para reinstituir.

Segundo: o Banco Central atuou corretamente, cortando a Selic para 2% e mantendo a taxa de juro em tal patamar apesar de pressões cambiais, pois a expectativa de inflação continuou sob controle. Poderia ter havido mais ação direta no crédito para o setor não financeiro, mas isso seria pedir demais ao atual do comando do BC.

Terceiro: devido ao esforço internacional, houve rápido desenvolvimento de vacinas, que, por sua vez, gerou otimismo de que a pandemia pudesse ser rapidamente controlada no início de 2021. Como mercados se antecipam aos fatos, os preços dos ativos se recuperaram no fim do ano passado, beneficiando também o Brasil.

O desempenho econômico do Brasil poderia ter sido melhor? Sim, poderia, sobretudo se o governo federal tivesse encarado a pandemia como o risco de saúde pública que ela foi e continua sendo para todos nós.

Incentivo ao uso de máscaras, lavagem de mãos e outras práticas corriqueiras de proteção poderiam ter diminuído, em muito, o contágio.

No mesmo sentido, coordenação do distanciamento social entre União, estados e municípios poderia ter diminuído o impacto econômico da medida, bem como promovido o retorno mais rápido à normalidade.

Em vez dessas ações, a Presidência da República se comportou de modo irresponsável, condenando distanciamento social e, pasmem, até o uso de máscaras.

Se houvesse maior preocupação federal em proteger a população, teria ocorrido mais investimento da União na compra e no desenvolvimento de vacinas, bem como na manutenção preventiva de hospitais de campanha para lidar com a eventual segunda onda da pandemia, que, infelizmente, se materializou.

Agora, após um ano da eclosão da doença no Brasil, enquanto outros países já caminham para a normalidade, estamos novamente em risco de mergulhar no abismo devido à fanfarronice e à irresponsabilidade do governo federal.

Ainda há tempo para evitar o pior na saúde e na economia? Há opiniões para todos os lados, mas, como devemos ser construtivos no debate público, tenho três sugestões ao presidente e ao Congresso.

Na política fiscal, aprovem logo novo estímulo de até R$ 260 bilhões ao longo deste ano (50% do que foi feito em 2020), concentrado na transferência de renda aos mais pobres, no reforço da saúde e na geração de emprego, sobretudo em construção civil, quando o risco de contágio diminuir.

Na saúde, acelerem a aquisição e a produção de vacinas, pois o SUS tem estrutura para imunizar rapidamente a população, e reforcem novamente a capacidade de atendimento hospitalar. Na “guerra” contra a Covid, se nossos profissionais de saúde tiverem os instrumentos necessários, eles darão conta do trabalho.

E, na política em geral, promovam medidas que protejam a população em vez de criar inimigos imaginários para camuflar incompetência. No Brasil de hoje, isso significa defender publicamente o distanciamento social para quem pode praticar distanciamento social e cuidado (máscara e outras formas de proteção individual) para quem não pode praticar distanciamento social.

Sobre o autor

Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research.

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