18 de março de 2021

Este Banco Central merece um voto de confiança

Copom agiu na direção correta para minimizar o risco de inflação elevada em 2022

Nelson Barbosa

Folha de S.Paulo


O Copom elevou a Selic. Como a economia brasileira ainda está se recuperando da pandemia e grande parte do aumento recente da inflação decorre de choques no câmbio e nos preços internacionais de alguns produtos, a subida de juros reacendeu o debate entre economistas.

Faz sentido elevar juro quando a economia está estagnada e a inflação não é demanda? Segundo alguns colegas, não, pois, como o nível de atividade está baixo, o aumento da inflação é temporário.

Segundo a visão de quem é contra aumentar a Selic, o Copom deveria esperar os choques adversos de preços se dissiparem. Subir juro seria ineficaz sobre a inflação de custos e agravaria a estagnação da economia. A visão parece correta, mas está errada.

Já escrevi neste espaço e repito: mesmo quando a inflação não é de demanda, o Copom pode ter que elevar a Selic para combater o repasse de choques adversos em alguns preços ao restante da economia.
No linguajar dos economistas, o Copom deve combater os efeitos secundários de choques exógenos de preços quando o efeito desses choques não se revelar temporário.

Como saber se o efeito é temporário? Olhando a expectativa de inflação. Se o choque for realmente passageiro, a expectativa de inflação não mudará muito a médio prazo. Por analogia, se a expectativa de inflação para um ou dois anos à frente subir muito, o choque não é temporário, e o Copom deve agir.

Foi isso que aconteceu agora.

Uma rápida consulta às expectativas de inflação mostra que a projeção para 2021 (4,6%) está quase um ponto acima do centro da meta do governo (3,75%). Teoricamente, o Copom poderia acomodar esse desvio, pois a economia está estagnada e a inflação projetada para 2022 ainda está na meta do governo (3,5%).

Porém, como também há muita incerteza sobre a inflação, acomodação demais poderia fazer a inflação esperada para 2022 começar a subir. O Copom agiu para minimizar esse risco. A decisão está na direção correta.

Hoje a discussão relevante não é se a Selic deve ou não subir. Ela deve subir. A discussão relevante é quanto a Selic deve subir para eliminar o risco de inflação elevada em 2022.

Vamos para juro de 4%, 5% ou mais em dezembro? Até a semana passada a expectativa do mercado era Selic de 4,5% em dezembro, 2,5 pontos percentuais acima da taxa até terça (16).

Diante da decisão do Copom, de dar uma “paulada” de 0,75 ponto na quarta e anunciar outro aumento da mesma magnitude para a próxima reunião, pode ser que a Selic não suba tanto quanto o mercado esperava.

A antecipação do aumento do juro pode fazer com que o aumento total do juro seja menor, sobretudo se levarmos em consideração que a inflação deve começar a cair no segundo semestre. Se isso acontecer (tomara), a Selic poderá parar de subir em outubro e voltar a cair no início de 2022.

E, mesmo que a Selic suba para 4,5%, como o mercado espera, a taxa de juro real efetivo continuará negativa ao longo deste ano, e baixa (para padrões brasileiros) ao longo de 2022. Por esses motivos, não compartilho da opinião de alguns colegas em condenar a decisão do Copom.

Política monetária não é guerra de torcidas. Sim, existe o “partido do juro alto”, aquele pessoal que sempre quer Selic um ponto acima do nível vigente, mas a resposta ao rentismo não é ser sempre e em qualquer lugar contra o aumento do juro.

Há momentos em que é preciso subir o juro, como há momentos em que é preciso fazer ajuste fiscal. Saber quando e quanto é arte da política econômica. No cenário atual, esse BC merece um voto de confiança.

Sobre o autor

Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research.

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