As classes médias do Norte Global estão perdendo seu status privilegiado em face da automação, precarização e mobilidade social descendente. Os socialistas devem encontrar maneiras de mobilizar essas camadas de classe média pressionadas em uma luta contra o capitalismo financeirizado de hoje.
Göran Therborn
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| Joseph Vavak, Realization, 1938. (Smithsonian American Art Museum, transferência da General Services Administration) |
Tradução / O aumento da desigualdade desde 1980 foi impulsionado de cima, em parte pelos 10% mais ricos da sociedade e, em maior medida, pelos 1% mais ricos e algumas frações ainda menores que acumulam riqueza de proporções faraônicas. A pobreza não afetou os 90% restantes em igual medida, mas todos os setores que a compõem foram deixados à própria sorte. Esse processo deu origem a uma amarga literatura acadêmica e jornalística típica do Norte global, que contrasta fortemente com os sonhos de uma "classe média em ascensão" propagados por bancos de desenvolvimento e consultorias.
Para fortalecer a determinação burguesa em um momento de crise e baixa auto-estima, o livro de Torben Iversen e David Soskice, Democracia e Prosperidade (2019), presta homenagem às "democracias capitalistas avançadas" (embora os autores mostrem mais deferência ao capitalismo do que à democracia, que é considerada responsável pela desigualdade). “A essência da democracia”, afirmam, é “o avanço dos interesses da classe média”.
Iversen e Soskice, ambos economistas institucionais proeminentes, argumentam que a classe média está alinhada com o capital por meio de dois mecanismos fundamentais. Uma é a "inclusão no fluxo de riqueza" produzida pela acumulação de capital. O outro é o estado de bem-estar: o sistema de impostos e transferências garante que as classes médias "participem" da economia do conhecimento. Mas pesquisas recentes sobre a desigualdade mostram que o que está acabando é justamente essa "inclusão" e essa "participação".
No início, a distribuição neoliberal favoreceu efetivamente os interesses da classe média. A privatização de alguns serviços públicos trouxe alguns lucros para certos segmentos afortunados da classe média. O financiamento público de algumas instituições educacionais privadas por meio de um sistema de bolsas, como o da Suécia hoje, deu aos pais de classe média uma boa oportunidade de mandar seus filhos para "boas escolas" com poucos filhos imigrantes e da classe trabalhadora. A privatização da saúde foi menos popular e mais sujeita a escândalos públicos, mas ainda é aceita por muitos como o par natural de austeridade e poucos benefícios públicos.
Por outro lado, a exclusão da classe média das moradias urbanas de primeira linha continua em ritmo acelerado, e as disparidades de renda e riqueza estão aumentando. Enquanto isso, o ambientalismo está fazendo incursões cada vez mais profundas na classe média educada, colocando explicitamente a sobrevivência planetária e a sustentabilidade ecológica acima dos interesses do capital.
Ficando para trás
Como a mediana é o meio exato de uma distribuição, a proporção entre as rendas do 1% do topo e a mediana é uma boa medida da distância que separa a classe alta da classe média. Nos Estados Unidos, essa proporção saltou de 11: 1 para 26: 1 nos anos 1980-2016. No Reino Unido e na Suécia, passou de um valor relativamente baixo de 3: 1 para cerca de 10: 1. Na Alemanha, a proporção também aumentou, enquanto na França caiu ligeiramente de um já alto 11: 1.
Por causa da polarização de renda, o tamanho geral da classe de renda média - isto é, aquela cuja renda representa entre 75 e 200% da mediana - despencou na área da OCDE e a possibilidade de pertencer a ela foi consideravelmente reduzida. A mobilidade ascendente para o ensino superior estagnou em 1975, enquanto o risco de mobilidade descendente cresceu consideravelmente em 2010, especialmente no Reino Unido.
A COVID-19 continuou, e em alguns países até acelerou, a cisão entre as classes média e alta. Nos EUA, a riqueza dos bilionários aumentou 44% de meados de março de 2020 até o final de fevereiro de 2021, numa época em que 50% das pessoas com ensino superior ou superior relataram dificuldades para pagar suas despesas diárias. No final de julho de 2020, a riqueza dos bilionários britânicos havia crescido 35% a mais do que no ano anterior, enquanto um em cada cinco empregados de renda média declarou que sua capacidade de economizar havia diminuído e metade declarou que não houve alterações.
Falha de Biden
As crianças da classe média são contornadas por um sistema de educação elitista que é cada vez mais exclusivo, que vai desde jardins de infância a universidades importantes. Enquanto isso, pais de classe alta fazem investimentos incomparáveis para preparar seus filhos para as melhores posições que o mercado de trabalho tem a oferecer.
David Markovits, professor de direito da Universidade de Yale, calculou que esse investimento em um treinamento de elite que ultrapassa o gasto médio com educação equivale a uma herança de 16,8 milhões de dólares. O resultado é que "o número de crianças ricas agora supera as crianças de classe média no SAT a uma taxa duas vezes maior do que as crianças de classe média superam as crianças criadas na pobreza".
A Força-Tarefa de Classe Média de Biden sob Obama falhou no que diz respeito a creches e acesso à faculdade, bem como ao seguro saúde. O 1% na América rompeu o contato não apenas com a classe média nacional, mas com todas as outras classes superiores ocidentais e se retirou para uma casta própria.
A COVID-19 continuou, e em alguns países até acelerou, a cisão entre as classes média e alta. Nos EUA, a riqueza dos bilionários aumentou 44% de meados de março de 2020 até o final de fevereiro de 2021, numa época em que 50% das pessoas com ensino superior ou superior relataram dificuldades para pagar suas despesas diárias. No final de julho de 2020, a riqueza dos bilionários britânicos havia crescido 35% a mais do que no ano anterior, enquanto um em cada cinco empregados de renda média declarou que sua capacidade de economizar havia diminuído e metade declarou que não houve alterações.
Falha de Biden
As crianças da classe média são contornadas por um sistema de educação elitista que é cada vez mais exclusivo, que vai desde jardins de infância a universidades importantes. Enquanto isso, pais de classe alta fazem investimentos incomparáveis para preparar seus filhos para as melhores posições que o mercado de trabalho tem a oferecer.
David Markovits, professor de direito da Universidade de Yale, calculou que esse investimento em um treinamento de elite que ultrapassa o gasto médio com educação equivale a uma herança de 16,8 milhões de dólares. O resultado é que "o número de crianças ricas agora supera as crianças de classe média no SAT a uma taxa duas vezes maior do que as crianças de classe média superam as crianças criadas na pobreza".
A Força-Tarefa de Classe Média de Biden sob Obama falhou no que diz respeito a creches e acesso à faculdade, bem como ao seguro saúde. O 1% na América rompeu o contato não apenas com a classe média nacional, mas com todas as outras classes superiores ocidentais e se retirou para uma casta própria.
Trabalho excedente
Em toda a área da OCDE, as crianças que aspiram à mobilidade ascendente enfrentam oportunidades reduzidas de mobilidade. Mas isto não é tudo. O próprio cerne do trabalho da classe média está se enfraquecendo. O trabalho da classe média sempre assumiu três formas principais: trabalho autônomo, trabalho de escritório para alguma autoridade delegada e as profissões "liberais". No longo prazo, a pequena burguesia autônoma, tipicamente composta de comerciantes e um ramo rural de produtores agrícolas e pecuários, diminuiu em número e importância.
É verdade que o Reino Unido tem visto um aumento no número de autônomos urbanos que possuem seus próprios negócios no último século. No entanto, esse aumento é inteiramente determinado pelos trabalhadores autônomos, muitos dos quais estão mais próximos dos trabalhadores precários do que da pequena burguesia histórica, cujos negócios estão encolhendo drasticamente. Sua renda média anual em 2015-2016 foi de £ 21.000, ou um terço da renda média de um funcionário.
Antes de serem completamente depostos, como acontece com grandes grupos de funcionários de bancos e correios, os funcionários de escritórios e gerentes de baixo escalão estarão cada vez mais sujeitos ao que David Boyle apropriadamente chama de "taylorismo digital". Os empregos administrativos de colarinho branco deixaram de ser empregos seguros e formas relativamente confortáveis de escapar da classe trabalhadora e se tornaram o principal alvo da automação.
O terceiro setor clássico de empregos da classe média costumava ser o das profissões "liberais", ou seja, empregos acessados após formação prolongada em instituições de ensino superior que permitem o acesso a conhecimentos inacessíveis à população em geral. Incluem profissões antigas como ensino, medicina, direito, em muitos países carreiras de funcionários públicos e, a partir do século 20, algumas "semiprofissões" como enfermagem e serviço social, para citar apenas duas.
Por muito tempo, essas profissões foram respeitadas e percebidas como pouco interessantes para os negócios e o capital. Na tradição alemã dos séculos 19 e 20, esses setores eram chamados de Bildungsbürgertum (burguesia educada) e eram mais ou menos associados à Wirtschaftsbürgertum (burguesia econômica). Em oposição ao mundo dos negócios, cujo objetivo é o lucro, a sociologia definiu as profissões como atividades orientadas para o cultivo do conhecimento e do serviço público.
Profissões prejudicadas
No momento, as profissões da classe média estão sob ataque - com exceção geral dos advogados - e estão em vias de ser destruídas. O ataque vem de diversos ângulos, o que pode ser resumido como uma invasão do "gerencialismo". Isso implica uma relativa desvalorização do conhecimento dos especialistas que, por sua vez, perdem o respeito. Na prática, isso significa antes de tudo a subordinação de professores, pesquisadores, médicos, enfermeiras, engenheiros e outros, a gerentes e administradores de escolas, universidades, hospitais e empresas.
A prática do saber profissional está sujeita ao controle, avaliação e sanção dos gestores, o que decorre da desconfiança institucionalizada da autonomia e da ética profissional. A prática profissional e a ética estão sujeitas a cálculos gerais de custo-benefício, muitas vezes inventados especialmente para esses mercados quase domésticos, como, por exemplo, administrações universitárias que cobram departamentos universitários pelo uso de instalações universitárias. Essas invenções de custo-benefício também fazem parte de um ataque antiprofissional particularmente intenso sob a bandeira do mercado.
A imposição de uma norma ideal de mercantilização - o oposto instrumental da mentalidade profissional de valores intrínsecos, como conhecimento, satisfação das necessidades e justiça da lei e das normas - é promovida tanto pela comercialização privada (de escolas, hospitais, prisões, e assim por diante) e pela chamada "Nova Gestão Pública" das instituições financiadas por impostos. Estas últimas devem trabalhar internamente como empresas dentro de uma estrutura de quase-mercado, comprando e vendendo serviços umas às outras, enquanto externamente são obrigadas a contratar empresas privadas para fornecer serviços públicos.
Desse modo, educação, saúde e serviços sociais tornaram-se áreas lucrativas para a acumulação de capital, o que atraiu sobremaneira o interesse da "burguesia econômica" que demoliu a "burguesia cultural" por conta própria.
As profissões da classe média não devem ser idealizadas, pois suas rotinas repetitivas podem certamente tornar aqueles que as praticam fechados, conservadores, complacentes e ineficientes. Mas esse não é um traço inerente ao profissionalismo, e ser professor, médico ou funcionário público já foi uma fonte de orgulho e segurança para a classe média. Esse orgulho e confiança estão sendo pisoteados e o chicote gerencial está prevalecendo sobre a colegialidade. Muito poucos têm sucesso em sua tentativa de escapar para a classe média alta de gerentes e profissionais "estrelas", mas quanto ao resto, o presente - e provavelmente o futuro também - é instabilidade e uma trajetória descendente.
Uma nova política
A dialética do capitalismo industrial, que Marx analisou e previu com chocante precisão, deixou de operar no Norte global e encontrou obstáculos no Sul. O capitalismo pós-industrial parou de produzir uma classe trabalhadora cada vez maior e mais concentrada. Esse processo terminou no Norte durante o período 1965-1980, quando o peso social da classe trabalhadora atingiu seu auge. No Sul global, a manufatura estagnou na década de 1990 e o emprego industrial - incluindo mineração e construção - por volta de 2010.
Mesmo que setores da classe trabalhadora perdidos para a direita possam ser recuperados, o movimento operário é apenas um dos componentes necessários de uma política igualitária e não é mais o único agente suficiente ou seu centro natural. As propostas políticas de esquerda para a classe média são decisivas para qualquer política igualitária que se diga exitosa.
Esta é uma questão muito delicada e difícil, porque essas políticas igualitárias para a classe média não podem abandonar os mais vulneráveis, nem a metade mais pobre da população em face das privatizações e estagnação de renda, nem podem ignorar os direitos dos trabalhadores vis-à -vis empregadores. Trata-se de fazer o oposto do blairismo e de uma certa orientação de direita pela classe média que destruiu o Partido Socialista Francês e o Partido Social Democrata da Alemanha, ou seja, o contrário de virar as costas ao povo e festejar com o capital enquanto representa uma visão de mundo da classe média alta.
A tarefa é convencer a classe média - ou partes substanciais dela - das vantagens da igualdade e da solidariedade humana sobre os privilégios e recompensas neo-faraônicas para o capital e seus filhos. O ponto de partida é que o capitalismo financeiro e pós-industrial está abandonando e excluindo a classe média ao mesmo tempo em que produz uma sociedade que opõe 1% contra 99%. Quem quer que governe essas democracias sombrias, certamente não é o eleitor mediano das teorias econômicas da democracia. “A média acabou” poderia ser o epitáfio neoliberal para a classe média.
Sobre o autor
Göran Therborn é professor emérito de sociologia na Universidade de Cambridge. Seus trabalhos foram publicados em pelo menos 24 idiomas e incluem Inequalities of the World, Asia and Europe in Globalization, e Between Sex and Power.
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