Juracy Soares
Rodrigo Keidel Spada
Folha de S.Paulo
Fila para atendimento em agência do INSS em Brasília. André Coelho/Folhapress |
Não é de hoje que as entidades do serviço público alertam sobre o esvaziamento do efetivo de todos os poderes do Estado. Em meio a polêmicas sobre a condução dos trabalhos e a fila de quase 2 milhões de pedidos de benefícios represados no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), é bom lembrar que desde 2016 esse cenário vem se complicando, quando o então governo Michel Temer (MDB) encaminhou ao Congresso Nacional a reforma da Previdência.
Com a promulgação da reforma no ano passado, o cenário tornou-se ainda mais grave para os cidadãos, pois a expectativa é de que cerca de 70 mil profissionais deverão se aposentar somente no serviço público federal.
Com a publicação do decreto que autorizou a contratação de 7.000 militares a atuarem em “força-tarefa” para “vencer” a fila do INSS, o governo federal demonstrou absoluta falta de planejamento e de preparo, como se fosse possível administrar o Estado aos trancos e barrancos.
Não será com medidas amadoras e simplistas que o governo irá resolver a carência de uma área altamente demandada, especialmente por pedidos de aposentadorias e licenças médicas.
Além dos entraves legais, que envolveria treinamento dos militares, essa medida desrespeita os princípios da legalidade, impessoalidade, publicidade e eficiência, previstos no artigo 37 da Constituição Federal, e configura desvio de finalidade.
A reforma administrativa pode causar um efeito dominó, inclusive no âmbito dos estados em crise fiscal. E se a falta de servidores ativos chegar às administrações tributárias dos entes subnacionais?
Nos Fiscos estaduais, temos várias unidades federativas sem concurso para auditor fiscal há mais de 20 anos. Há um efetivo de servidores altamente capacitados que estão se aposentando, e uma parcela dos secretários de Fazenda tem o entendimento de que simplesmente a inteligência artificial e o entrelaçamento de dados podem dar cabo do atendimento às demandas do Estado e do cidadão.
Essa situação do INSS é cômoda para a União, pois significa retardar o pagamento do benefício a milhões de brasileiros. Já no caso do Fisco, se isso ocorrer, haverá forte redução da arrecadação de tributos por absoluto desmantelamento da capacidade operacional das Fazendas dos três entes (que já operam com o quadro de pessoal reduzido).
É importante ressaltar que respeitamos os militares do nosso país. São homens e mulheres altamente qualificados e prontos para agir dentro de sua missão constitucional. O governo, ao tratar os militares como “Posto Ipiranga”, põe em risco a população que demanda atendimento qualificado.
As verbas que estão sendo sonegadas pelo atraso à população são verbas alimentícias, que não podem ficar sujeitadas ao dia em que o governo finalizar os ajustes nos sistemas, o que, segundo informações da própria administração, deve levar mais de seis meses.
Acreditar que simplesmente deslocar 7.000 militares para o INSS vai dar conta de serviço que requer qualificação específica revela outro equívoco do governo federal; ou seja, a tendência a desmontar a infraestrutura do serviço público e expor a população ao constrangimento e à humilhação ao fazerem com que tenham que implorar pelo seu direito, como se não fosse dever do governo e do Estado.
Ingresso por concursos é importante dispositivo contra a corrupção, o paternalismo e o uso político dos cargos públicos. Atende aos princípios da impessoalidade, moralidade, eficiência e motivação.
O cenário anunciado pelo governo não se justifica constitucionalmente e representa apenas a ponta do iceberg. Defendemos que o governo abandone essas ideias.
Sobre os autores
Juracy Soares
Presidente da Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite) e vice-presidente do Fonacate (Fórum Nacional das Carreiras Típicas de Estado)
Rodrigo Keidel Spada
Presidente da Associação dos Agentes Fiscais de Rendas do Estado de São Paulo (Afresp) e coordenador do Focae-SP (Fórum Permanente das Carreiras de Estado)
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