17 de janeiro de 2021

Intelectuais de extrema-direita estão oferecendo aos trabalhadores um péssimo negócio

Intelectuais de extrema direita como Steve Bannon afirmam falar em nome de uma classe trabalhadora pressionada por elites liberais inabaláveis. Mas sua visão antimodernista e hierárquica do mundo não oferece aos trabalhadores o que eles realmente precisam: mais dinheiro no bolso e mais poder no local de trabalho.

Victor Bruzzone e Matt McManus

Jacobin

Steve Bannon palestrando na Conferência da Ação e Política Conservadora (CAPC) em National Harbor, Maryland. (Gage Skidmore / Wikimedia Commons).

Resenha de Guerra pela eternidade – o retorno do tradicionalismo e a ascensão da direita populista, de Benjamin R. Teitelbaum (editora Unicamp, 2020)

Tradução / Na análise das eleições presidenciais de 2016, Steve Bannon foi amplamente creditado como a mente por trás da vitória de Donald Trump. Os principais canais de comunicação publicaram vários perfis dele em seguida – um fato que aparentemente estava no plano de Trump quando ele removeu o marketeiro do Breitbart do posto de chefe estrategista da Casa Branca. Não foi surpreendente que um homem fundamentalmente movido por vanglória e lucro como Trump iria eventualmente bater de frente com os interesses de Bannon, que, por todas as suas credenciais como um comentarista televisivo, aspirou ser algo como o sábio intelectual (de fato, espiritual) da direita populista.

Essa tensão palpável entre o sensacionalismo hiper-realista e sensacionalismo espiritualista são trazidos à tona no novo livro de Benjamin Teitelbaum Guerra pela eternidade – o retorno do tradicionalismo e a ascensão da direita populista. Parte etnografia, parte biografia de Bannon e parte análise política, Guerra pela eternidade lança mão de entrevistas extensas com Bannon e outros herdeiros intelectuais na extrema direita para compreender a “ideologia ultraconservadora” do tradicionalismo que anima os seus esforços transnacionais.

A guerra reacionária pela eternidade

Uma das principais lições que é tirada da etnografia de Teitelbaum é a idiossincrasia e a irreconciabilidade conceitual das diferentes vertentes da extrema direita.

Os intelectuais tradicionalistas são uma coleção variada de espiritualistas autodidatas da New Age, acadêmicos marginais, guerreiros da cultura digital, skinheads arrumadinhos, neofascistas, filósofos do antigo estado russo e mais. Alguns como Aleksandr Dugin e Bannon, são bem conhecidos e desfrutam de alguma coisa parecida com o status de uma estrela do rock na extrema direita. Outros, como o troll online brasileiro, Olavo de Carvalho e o desonrado ex-acadêmico Jason Jorjani, são menos conhecidos.

Eles são de vertentes extremamente divergentes em diferentes assuntos – Bannon é firmemente pró-Estados Unidos e anti-China, enquanto Dungin favorece uma nova aliança anti-Ocidental entre a Rússia e a China. Os hipernacionalistas do partido Húngaro de Jobbik são com frequência furiosamente islamofóbicos e se enxergam travando uma guerra em defesa do cristianismo, enquanto diversos místicos da extrema direita encontram no ultraconservadorismo islâmico de René Guénon muitos aspectos dignos de admiração, como uma visão totalizante da fé e a rejeição ao liberalismo. Outros na extrema direita, como Richard Spencer, tentaram trazer de volta conceitos de raça enfatizando narrativas de apagamento da “cultura” branca e “substituição étnica”. Outros ainda vêm a ênfase em raça como muito científico e insuficientemente espiritual, uma concessão vulgar para a modernidade que – não coincidentemente – ajudou a derrubar os nazistas.

O que faz os todos esses palhaços parte do mesmo circo são menos suas visões compartilhadas e mais o ódio mútuo pela modernidade. Todos acreditavam que com o avanço do liberalismo moderno e seu pluralismo e materialismo permissivo, algo fundamental foi perdido. Variantes mais seculares do tradicionalismo tendem a enfatizar um senso de comunidade, pertencimento e propósito nacional. A New Age e os tipos mais místicos insistem em abandonar o materialismo e retornar para uma existência espiritual disciplinada. Como Teitelbaum coloca:

Modernização, de forma resumida, envolve a retirada da religião pública em favor da razão. Correspondendo a isso, o que acarreta um enfraquecimento do simbólico em favor do literal, é o declínio do interesse em coisas que não são facilmente matematizadas e quantificadas – espírito, emoções, o sobrenatural – em detrimento daqueles que são, precisamente coisas materiais.

Essa ênfase no metafísico ao invés do racionalismo tem uma longa história no pensamento da direita, desde o foco de Edmund Burke na beleza e no sublime ao invés da razão até a insistência de Joseph de Maistre que a razão é “inútil… porque produz somente disputa”.

Mas o tradicionalismo contemporâneo, diferente de seus antecessores, é de caráter global. Eles vêm a modernidade se espalhando inexoravelmente ao redor do mundo, de uma forma tão forte que diversos liberais atribuem quase uma inevitabilidade teleológica para o triunfo da modernidade e reagem a isso através do estabelecimento de conexões pelo mundo. Eles estão determinados a não simplesmente colocar um freio na história, mas sim em retorná-la completamente, apesar de não ficar muito claro para onde seria esse retorno.

Conservadores mais mainstream como o “Intellectual Dark Web” também divulgam muitas visões reacionárias, mas abrem concessões suficientes para a modernidade a fim de conferir um caráter científico para uma linguagem mística sobre “ordem e caos”, por exemplo. Mas quando se vai mais a fundo na extrema direita, tais concessões para a razão e modernidade se tornam cada vez menos viáveis. Consequentemente, o apelo para o misticismo aparentemente torna-se mais sedutor para compensar pelas suas dissociações com qualquer coisa tangível.

A partir do momento em que essas doutrinas não conseguem se dignificar intelectualmente, eles precisam apelar para a teatralidade e sensacionalismo, levando para a inegável qualidade engraçada e cafona que caracteriza muitos personagens que a extrema direita exibe. O excesso desmedido é um sinal mais de fraqueza profunda do que da força que eles estão desesperadamente querendo projetar.

Falando pela classe trabalhadora?

Como Teitelbaum detalha, as impressões digitais do tradicionalismo estão em todos os líderes mundiais reacionários. Olavo de Carvalho está ligado à ascensão de Jair Bolsonaro no Brasil; Alexándr Dugin já foi descrito como o “filósofo do Estado” de Vladimir Putin; e as conexões de Steve Bannon com Trump são bem documentadas.

Estes movimentos tradicionalistas afirmam estar falando em nome dos interesses da classe trabalhadora. Bannon, escreve Teitelbaum, “descreve a classe trabalhadora ou campesinato como sendo a casta que dá a uma sociedade suas características definidoras”; eles são “a fonte de autenticidade na sociedade moderna inautêntica”.

Embora o tradicionalismo de Bannon valorize nominalmente o espiritual em detrimento do material, “seu plano para salvar a classe trabalhadora foca na economia”. Na verdade, “a exploração e o desenvolvimento espiritual podem germinar apenas quando as necessidades materiais são atendidas”. Isso explica a fracassada tentativa de Bannon de aumentar os impostos sobre os ricos.

Na superfície, parece que o tradicionalismo coincide com o pensamento de esquerda de pelo menos duas maneiras. Teóricos socialistas, de G. A. Cohen a membros da Escola de Frankfurt, lamentam a natureza onipresente do capitalismo de consumo, a perda da comunidade e o crescimento do indivíduo atomizado. O capitalismo coloca as pessoas umas contra as outras – não vemos nossos colegas de trabalho como dignos de solidariedade, mas sim como alguém que precisamos superar na competição.

O tradicionalismo oferece um diagnóstico ostensivamente semelhante. Teitelbaum cita Bannon lamentando a transformação do capitalismo em “uma encarnação de compadrio patrocinada pelo Estado que enriqueceu alguns poucos com conexões políticas e uma forma libertária de egoísmo que não se importou com a comunidade”.

E então há o anticolonialismo. Os militantes de esquerda mostraram como o domínio ocidental, tanto cultural quanto material, destruiu violentamente modos de vida específicos – por exemplo, as culturas indígenas do Canadá. Diante do colonialismo homogeneizante, os militantes de esquerda defenderam um mundo democrático baseado na autodeterminação.

Para o tradicionalista russo Dugin, o domínio norte-americano também foi um desastre, criando um mundo unipolar onde tudo é medido em relação aos padrões liberais de valor e destruindo a particularidade cultural. Dugin defende um mundo multipolar “onde diferentes atores com visões diferentes coexistem e respeitam a reivindicação um do outro quanto ao seu próprio presente, passado e futuro (...) um mundo multipolar onde a diferença prospera, ao invés da homogeneidade”.

Uma verdadeira política da classe trabalhadora

No passado, defendemos o projeto modernista de garantir a igualdade moral e uma liberdade mais profunda para todos. E é precisamente aí que divergem a esquerda e o tradicionalismo: a questão da modernidade.

Embora ambos possam lamentar a desigualdade econômica e o colonialismo, o tradicionalismo o faz enquanto pretende recuperar uma vaga nobreza espiritual perdida. Quando os tradicionalistas falam dos direitos de determinadas culturas de escolher seu próprio destino, é por uma aversão aos direitos humanos universais, uma ideia distintamente modernista.

A diferença entre os apelos de esquerda e os tradicionalistas à classe trabalhadora é que a esquerda se baseia em um exame racionalista das maneiras de como o mundo poderia ser mais justo para mais pessoas – um questionamento de como nossos hábitos sociais podem estar contribuindo para a injustiça, e como nós poderíamos implementar uma ordem social mais justificável.

Os tradicionalistas defendem o apelo oposto: não vamos questionar o impacto que nossos hábitos e tradições podem ter (para marginalizar ou perseguir), porque esses hábitos e tradições estão enraizados em alguma essência mais profunda e espiritual. Como Teitelbaum observa, se alguém tentar derivar uma versão logicamente coerente do tradicionalismo, “todos os caprichos desempenham um papel maior. O que exatamente é essa essência e quem a define? Se um povo é definido por sua história, o que acontece aos cidadãos cujas origens pessoais divergem da norma?”

Submeter o tradicionalismo a qualquer tipo de escrutínio racional revela o que ele é: um apelo à fantasia, o envolvimento de si mesmo no cobertor de categorias vagamente definidas, mas reconfortantes. Ele apresenta uma visão fundamentalmente hierárquica do mundo, compensando os seguidores pela falta de melhorias materiais com uma sensação de que eles são superiores aos liberais degenerados e aos estrangeiros perigosos.

O populismo de direita defendido por figuras como Steve Bannon, por exemplo, exclui enormes faixas de trabalhadores, apesar de suas alegações de defender uma política da classe trabalhadora. Compare isso com o socialismo democrático, que oferece a todos os trabalhadores não apenas melhores condições materiais, mas empoderamento – estendendo os direitos econômicos e políticos básicos que o neoliberalismo permitiu que diminuíssem.

Infelizmente, o fascínio do tradicionalismo permanece relativamente forte, à medida que as pessoas buscam um senso de significado e comunidade além da atomização e unidimensionalidade do capitalismo contemporâneo. Mas o Medicare for All e a democracia no trabalho são muito mais significativos do que a retórica mística sobre uma fonte transcendente de percepção que apenas alguns intelectuais reacionários têm permissão para possuir.

Sobre os autores

Victor Bruzzone é um estudante do doutorado em Ciência Política na Universidade de Toronto, onde ele foca teoria política e política pública.

Matt McManus é professor visitante de política no Whitman College. Ele é o autor de "The Rise of Post-Modern Conservatism and Myth" e co-autor de "Mayhem: A Leftist Critique of Jordan Peterson".

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