Nelson Barbosa
A decisão da Ford de deixar o Brasil reacendeu o debate sobre desonerações dadas às montadoras de veículos.
Segundo reportagem da Folha, de 2000 a 2021, o total de gasto tributário com o setor automotivo deve atingir R$ 69 bilhões, R$ 3,1 bilhões por ano, em valores de 2021.
A cifra parece elevada, mas faltou dizer que, no mesmo período de 22 anos, R$ 69 bilhões correspondem a cerca de 1% do valor bruto produzido pelo setor automotivo brasileiro.
Dado que o segmento é altamente tributado no Brasil, com impostos federais e estaduais (só de ICMS são 12%, enquanto o IPI sobre carros varia de 7% a 25%), o valor divulgado pela Folha não é bombástico para quem entende do setor.
O setor automotivo é muito desonerado por ser muito onerado. Carga tributária excessiva e complexa gera desoneração tributária igualmente excessiva e complexa.
Vários analistas culpam os governos do PT por terem barateado o preço do automóvel, pois isso criou mais congestionamento e aumentou a poluição. A crítica às vezes vem de quem já possuía veículo e acha que isso deveria continuar sendo privilégio para poucos. São aquelas pessoas que gostam de exclusão social. Devem ser ignoradas.
A crítica válida está no efeito de mais carros sobre congestionamento e poluição, mas a solução dos dois problemas não é manter automóvel como bem de luxo. A solução é tributar o uso do automóvel e a utilização de combustíveis fósseis.
Traduzindo do economês, mais IPVA e Cide combustível em vez de IPI e ICMS elevados na venda de veículos.
Desoneração da compra e oneração do uso de veículos é a abordagem adotada em vários países desenvolvidos, sendo que alguns adotam até uma espécie de Cide-trânsito, para desestimular o uso de automóvel da hora do rush.
A implementação desse tipo de “incentivo” ao uso mais racional de veículos em grandes cidades depende de estrutura de monitoramento eletrônico, o que não se monta rapidamente, mas é o caminho a seguir.
E, ainda na questão da poluição, a tributação pode ser instrumento para estimular o desenvolvimento de novas tecnologias de propulsão automotiva, como motores híbridos e elétricos. Vários países estão fazendo isso, mas por aqui ainda estamos engatinhando.
Há 12 anos, o governo Lula até cogitou lançar programa de incentivo para veículos híbridos e elétricos, mas infelizmente a iniciativa foi abortada devido a divergências dentro da indústria e do governo.
Naquela época, os críticos achavam que estimular propulsão elétrica prejudicaria carros flex, sem atentar que o desenvolvimento de um motor híbrido-flex poderia ser uma das respostas do Brasil à transição energética no setor.
Hoje, diante da corrida mundial por inovação automotiva, que já está chegando a veículos autônomos (aqueles que “dirigem sozinhos”), acho que até o fã mais arraigado de “Velozes e Furiosos” se convenceu que precisamos mudar de enfoque.
A saída da Ford pode abrir oportunidade para a entrada de novos agentes no Brasil e, quem sabe, para nova estratégia de política pública. O foco deve ser a inovação e incluir aporte de recursos em um centro nacional de inovação automotiva, uma espécie de “ITA” para veículos, com desenvolvimento de produtos e processos por engenheiros nacionais.
O mercado automotivo mundial está em crise, mas também em transformação. Podemos perder o que já temos, mas também aproveitar a janela para desenvolver o que nunca tivemos: design e produção nacional de veículos.
Temos recursos humanos e tecnológicos para tanto, mas será que temos governo?
Sobre o autor
Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research.
A crítica válida está no efeito de mais carros sobre congestionamento e poluição, mas a solução dos dois problemas não é manter automóvel como bem de luxo. A solução é tributar o uso do automóvel e a utilização de combustíveis fósseis.
Traduzindo do economês, mais IPVA e Cide combustível em vez de IPI e ICMS elevados na venda de veículos.
Desoneração da compra e oneração do uso de veículos é a abordagem adotada em vários países desenvolvidos, sendo que alguns adotam até uma espécie de Cide-trânsito, para desestimular o uso de automóvel da hora do rush.
A implementação desse tipo de “incentivo” ao uso mais racional de veículos em grandes cidades depende de estrutura de monitoramento eletrônico, o que não se monta rapidamente, mas é o caminho a seguir.
E, ainda na questão da poluição, a tributação pode ser instrumento para estimular o desenvolvimento de novas tecnologias de propulsão automotiva, como motores híbridos e elétricos. Vários países estão fazendo isso, mas por aqui ainda estamos engatinhando.
Há 12 anos, o governo Lula até cogitou lançar programa de incentivo para veículos híbridos e elétricos, mas infelizmente a iniciativa foi abortada devido a divergências dentro da indústria e do governo.
Naquela época, os críticos achavam que estimular propulsão elétrica prejudicaria carros flex, sem atentar que o desenvolvimento de um motor híbrido-flex poderia ser uma das respostas do Brasil à transição energética no setor.
Hoje, diante da corrida mundial por inovação automotiva, que já está chegando a veículos autônomos (aqueles que “dirigem sozinhos”), acho que até o fã mais arraigado de “Velozes e Furiosos” se convenceu que precisamos mudar de enfoque.
A saída da Ford pode abrir oportunidade para a entrada de novos agentes no Brasil e, quem sabe, para nova estratégia de política pública. O foco deve ser a inovação e incluir aporte de recursos em um centro nacional de inovação automotiva, uma espécie de “ITA” para veículos, com desenvolvimento de produtos e processos por engenheiros nacionais.
O mercado automotivo mundial está em crise, mas também em transformação. Podemos perder o que já temos, mas também aproveitar a janela para desenvolver o que nunca tivemos: design e produção nacional de veículos.
Temos recursos humanos e tecnológicos para tanto, mas será que temos governo?
Sobre o autor
Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research.
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