Guilherme Mello
Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda
Folha de S.Paulo
A reportagem "Arcabouço destoa de 70% dos países com regra fiscal ao não exigir contrapartidas de ajuste" (30/4), publicada nesta Folha, é um exemplo do atraso do debate brasileiro no tema fiscal, não sendo recomendada para os leitores que queiram compreender o estado da arte do debate fiscal mundo afora, tampouco para aqueles que desejem entender a proposta de novo arcabouço fiscal (NAF) apresentada pelo governo federal.
Em primeiro lugar, o citado texto comete o erro factual de ignorar que a proposta de NAF prevê duas contrapartidas para o caso de descumprimento do limite inferior da meta de resultado primário. A primeira, de natureza política/reputacional, se inspira no regime de metas de inflação e consiste na exigência de elaboração de uma carta do presidente da República explicando os motivos do descumprimento e elencando medidas de correção. A segunda, de natureza propriamente econômica, consiste na redução mandatória do ritmo de expansão dos gastos públicos no ano subsequente ao que for verificado o descumprimento da meta, visando acelerar a retomada da trajetória previamente estabelecida de resultados primários.
O que sai de cena é a criminalização da política fiscal, que não encontra amparo nas melhores práticas internacionais e se provou contraproducente na experiência brasileira ao ensejar metas de resultado primário frouxas e alteradas sempre que necessário, além de afetar negativamente a capacidade de planejamento do Estado ao impor grandes contingenciamentos no início de cada ano fiscal.
Em segundo lugar, a reportagem cita exemplos internacionais antiquados, superados e/ou abandonados na experiência internacional, como as regras fiscais originais do Tratado de Maastricht e o limite para a dívida nos EUA. No caso europeu, as recorrentes alterações das regras fiscais do bloco após a crise de 2008 construíram um regime mais flexível e anticíclico, focado na trajetória fiscal de médio prazo e na garantia de espaço para a ampliação dos investimentos públicos. Já no caso americano, o "teto" de dívida pública nunca representou um impedimento efetivo para sua expansão, servindo apenas como mecanismo de barganha política nos casos em que o governo não possui maioria legislativa em uma das Casas.
Ao citar o caso brasileiro, o texto usa como exemplo de "contrapartidas" o teto de gastos, criado com "gatilhos" que se provaram impossíveis de serem acionados (portanto absolutamente inefetivos) mesmo após alterados por emenda constitucional. Na prática, o único "gatilho" acionado seguidas vezes ao longo da vigência do teto foi a sua alteração através de emendas constitucionais, que possibilitavam a ampliação dos gastos toda vez que o teto limitava os planos do governo anterior.
Por fim, a reportagem ignora solenemente todo o debate atual de regras fiscais de terceira geração, marcado pela maior flexibilidade, pelos marcos fiscais de médio prazo, pela priorização dos investimentos públicos e pela ênfase na governança fiscal em detrimento de mecanismos de punição, constituindo mecanismos de "impositividade" através de incentivos econômicos adequados e do fortalecimento da institucionalidade de acompanhamento das variáveis fiscais, não por meio da criminalização dos gestores públicos.
Ao informar incorretamente o leitor acerca de características do NAF e se distanciar tão abertamente do debate econômico internacional, o texto revela-se conceitualmente equivocado e teoricamente superado, saudoso de elementos de uma institucionalidade fiscal que fracassou no Brasil e no mundo. É necessário alinhar o Brasil às melhores práticas internacionais e construir um novo marco fiscal capaz de combinar responsabilidade fiscal e social, o que inclui a adoção de incentivos econômicos corretos e efetivos nos casos de descumprimento das metas. Esse é um dos avanços institucionais que o NAF propõe, mas que infelizmente ainda não foi compreendido pelos analistas que insistem em analisar o futuro com as lentes (e ideias) do passado.
A reportagem "Arcabouço destoa de 70% dos países com regra fiscal ao não exigir contrapartidas de ajuste" (30/4), publicada nesta Folha, é um exemplo do atraso do debate brasileiro no tema fiscal, não sendo recomendada para os leitores que queiram compreender o estado da arte do debate fiscal mundo afora, tampouco para aqueles que desejem entender a proposta de novo arcabouço fiscal (NAF) apresentada pelo governo federal.
Em primeiro lugar, o citado texto comete o erro factual de ignorar que a proposta de NAF prevê duas contrapartidas para o caso de descumprimento do limite inferior da meta de resultado primário. A primeira, de natureza política/reputacional, se inspira no regime de metas de inflação e consiste na exigência de elaboração de uma carta do presidente da República explicando os motivos do descumprimento e elencando medidas de correção. A segunda, de natureza propriamente econômica, consiste na redução mandatória do ritmo de expansão dos gastos públicos no ano subsequente ao que for verificado o descumprimento da meta, visando acelerar a retomada da trajetória previamente estabelecida de resultados primários.
O que sai de cena é a criminalização da política fiscal, que não encontra amparo nas melhores práticas internacionais e se provou contraproducente na experiência brasileira ao ensejar metas de resultado primário frouxas e alteradas sempre que necessário, além de afetar negativamente a capacidade de planejamento do Estado ao impor grandes contingenciamentos no início de cada ano fiscal.
Em segundo lugar, a reportagem cita exemplos internacionais antiquados, superados e/ou abandonados na experiência internacional, como as regras fiscais originais do Tratado de Maastricht e o limite para a dívida nos EUA. No caso europeu, as recorrentes alterações das regras fiscais do bloco após a crise de 2008 construíram um regime mais flexível e anticíclico, focado na trajetória fiscal de médio prazo e na garantia de espaço para a ampliação dos investimentos públicos. Já no caso americano, o "teto" de dívida pública nunca representou um impedimento efetivo para sua expansão, servindo apenas como mecanismo de barganha política nos casos em que o governo não possui maioria legislativa em uma das Casas.
Ao citar o caso brasileiro, o texto usa como exemplo de "contrapartidas" o teto de gastos, criado com "gatilhos" que se provaram impossíveis de serem acionados (portanto absolutamente inefetivos) mesmo após alterados por emenda constitucional. Na prática, o único "gatilho" acionado seguidas vezes ao longo da vigência do teto foi a sua alteração através de emendas constitucionais, que possibilitavam a ampliação dos gastos toda vez que o teto limitava os planos do governo anterior.
Por fim, a reportagem ignora solenemente todo o debate atual de regras fiscais de terceira geração, marcado pela maior flexibilidade, pelos marcos fiscais de médio prazo, pela priorização dos investimentos públicos e pela ênfase na governança fiscal em detrimento de mecanismos de punição, constituindo mecanismos de "impositividade" através de incentivos econômicos adequados e do fortalecimento da institucionalidade de acompanhamento das variáveis fiscais, não por meio da criminalização dos gestores públicos.
Ao informar incorretamente o leitor acerca de características do NAF e se distanciar tão abertamente do debate econômico internacional, o texto revela-se conceitualmente equivocado e teoricamente superado, saudoso de elementos de uma institucionalidade fiscal que fracassou no Brasil e no mundo. É necessário alinhar o Brasil às melhores práticas internacionais e construir um novo marco fiscal capaz de combinar responsabilidade fiscal e social, o que inclui a adoção de incentivos econômicos corretos e efetivos nos casos de descumprimento das metas. Esse é um dos avanços institucionais que o NAF propõe, mas que infelizmente ainda não foi compreendido pelos analistas que insistem em analisar o futuro com as lentes (e ideias) do passado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário