Meg Weeks
Detalhe de A Selva Equatorial de Henri Rousseau. | Wikimedia Commons |
Macunaíma de Mário de Andrade. Traduzido do português por Katrina Dodson. New Directions, 224 páginas. 2023.
"Ah! Que preguiça!" diz o bordão de Macunaíma, protagonista do romance homônimo de 1928 de Mário de Andrade. Esta grande obra da ficção modernista brasileira, publicada pela primeira vez em inglês em 1984, ganhou uma nova vida na recente tradução de Katrina Dodson. Neste romance extenso e absurdo, a busca do personagem-título para recuperar um amuleto querido o leva a uma odisséia da floresta amazônica à movimentada cidade de São Paulo e vice-versa, durante a qual Macunaíma encontra todos os tipos de figuras da história brasileira, do folclore popular, mitologia indígena e imaginação do próprio Mário de Andrade. A frequente expressão de letargia do herói é uma denúncia de uma indolência exclusivamente brasileira, um atraso obstinado que impede a modernização que as elites políticas da época de Mário de Andrade tão desesperadamente desejavam? Ou sugere uma sabedoria astuta sobre a futilidade de se esforçar quando os prazeres sensuais estão mais próximos do que os despojos do trabalho árduo? A tradução de Katrina Dodson para a frase captura essa ambiguidade (na edição anterior em inglês, a frase é traduzida por E.A. Goodland como "Ah! Que porra de vida!"), percebida de forma aguda por muitos brasileiros que se perguntaram sobre o significado do lema positivista estampado na bandeira de seu país: Ordem e Progresso.
Mais pistas sobre as intenções de Andrade podem ser encontradas no subtítulo do romance, "O herói sem nenhum caráter", que intrigou muitos leitores, mas foi notavelmente omitido da tradução de Goodland. Em um dos prefácios inéditos traduzidos artisticamente por Katrina Dodson e incluídos nesta nova edição, Andrade explica que o subtítulo se refere tanto à falta de retidão moral de Macunaíma quanto à ausência de "características definidas". Enquanto em um segundo prefácio Andrade insiste que Macunaíma não deve ser interpretado como um símbolo direto para a nação brasileira, no primeiro ele compara a falta de caráter de seu herói à maleabilidade cultural e psicológica de seu país. Ao contrário dos iorubás, dos mexicanos e dos franceses - civilizações que Mário de Andrade afirma possuir uma "consciência tradicional" acumulada ao longo dos séculos - ele afirma que a falta de caráter fixo do Brasil condicionou "nossa trapaça não muito inteligente, (a elasticidade de nossa honra), a falta de valorização da verdadeira cultura, do nosso improviso... e acima de tudo, uma existência (improvisada) de viver por nossa inteligência" (?)
No entanto, ele não começou no que é amplamente considerado sua magnum opus para condenar o Brasil como inequivocamente juvenil ou primitivo. Em vez disso, ele oferece Macunaíma como uma avaliação ambivalente de um país em um momento de transição cultural e política. Invocando Whitman - como Mário de Andrade fez em seu poema "Eu sou trezentos" - Katrina Dodson escreve em seu posfácio que, em vez de considerar Macunaíma como totalmente desprovido de caráter, ele deveria ser interpretado como contendo "uma infinidade de atitudes, culturas e origens" a serviço da forja de uma identidade nacional coesa para o Brasil, então apenas se aproximando de sua quinta década como uma república independente.
Supostamente escrito durante seis dias febris na casa de campo do tio de Mário de Andrade em 1926, Macunaíma segue seu herói travesso enquanto ele e seus dois irmãos crédulos (e seus muitos amantes) atravessam as selvas, desertos, pastagens e cidades do Brasil. Andrade insere seus personagens, que vão do estóico e corajoso ao astuto e mercurial, dentro de mitos de origem emprestados e reaproveitados de uma ampla variedade de folclore e pesquisa antropológica. Ao longo de dezessete capítulos e um epílogo, parábolas violentas e paródias atrevidas se aninham umas nas outras para criar um deslumbrante e caótico épico Santo Graal luso-tropical. No início da narrativa, as aventuras dos três irmãos em uma piscina enfeitiçada oferecem uma explicação do antigo tropo de que a população brasileira é composta por três raças: negra, indígena e branca. Ao final, a decisão de Macunaíma de trocar a existência terrena pela celeste, após perder a perna e os testículos para uma sereia, explica a assimetria da constelação da Ursa Maior.
Grande parte do enredo do livro é baseado na mitologia do povo amazônico Pemon, contos amplos e coloridos apresentando um semideus travesso chamado Makunaíma que foram compilados e publicados pelo etnólogo alemão Theodor Koch-Grünberg entre 1917 e 1928. Os missionários britânicos invocaram Makunaíma, Katrina Dodson informa os leitores, para substituir Deus em suas traduções da Bíblia para as línguas indígenas, pois, apesar de sua propensão para causar problemas, presumivelmente nenhuma outra figura cosmológica teve a mesma proeminência na cultura Pemon. Acusado por alguns contemporâneos de plagiar Koch-Grünberg para escrever Macunaíma, Andrade prontamente admitiu confiar fortemente nas pesquisas do alemão, assim como em muitas outras fontes, mas defendeu suas técnicas experimentais de recombinar, substituir e desregionalizar idiomas, histórias e personagens em busca de um pastiche único e universalmente brasileiro. Esse léxico foi alcançado tanto pela tradução quanto pela colagem: Katrina Dodson chama a atenção para "um jogo de telefone incrivelmente emaranhado", no qual os mitos de Pemon foram traduzidos para o português pelo intérprete de Koch-Grünberg, depois registrados pelo etnólogo em alemão, e finalmente transposto de volta para o português por Andrade em Macunaíma, embelezado com floreios de sua invenção.
Em seu posfácio, Katrina Dodson supõe que a decisão de Andrade de colocar em primeiro plano a natureza mutante de Macunaíma teve muito a ver com suas próprias experiências de vida. Polímata, musicólogo, poeta e professor, Andrade era, na linguagem de hoje, birracial e queer, embora não reconhecesse publicamente sua ascendência africana ou relações homossexuais. Ao autopublicar Macunaíma, em oitocentos exemplares, já estava consolidado na elite intelectual e artística brasileira, tendo sido um dos organizadores da Semana de Arte Moderna de São Paulo de 1922, um dos principais festivais de artes plásticas e cartas compreendendo exposições, leituras, concertos e palestras. Orquestrado pelo famoso Grupo dos Cinco, que incluía Mário de Andrade e também os poetas modernistas Oswald de Andrade (sem parentesco) e Menotti del Picchia, e as artistas plásticas Tarsila do Amaral e Anita Malfatti, o evento é agora amplamente considerado como um prenúncio da ascensão de São Paulo à proeminência cultural sobre o Rio de Janeiro, que por muito tempo foi o centro político e intelectual do país.
O milieu de Mário de Andrade é mais notavelmente associado ao conceito de antropofagia, definido no muito citado "Manifesto Antropófago" de Oswald de Andrade como a produção de uma estética distintamente brasileira por meio da ingestão de fontes europeias e outras. O manifesto de Oswald, que foi amplamente adotado por artistas e intelectuais brasileiros, inspirou-se no consumo ritual do povo indígena tupi de seus inimigos após a batalha. "Tupi or not tupi, that is the question", escreveu ele, invocando Shakespeare para refletir sobre a utilidade de abandonar os idiomas coloniais pelos locais. No entanto, apesar de o Grupo dos Cinco celebrar o Brasil indígena e afro - este último raramente sendo reconhecido por suas contribuições para a cultura nacional - eles também tinham em alta conta a cidade moderna e europeizada, que em Macunaíma é povoada por todos os tipos de máquinas arrebatadoras e pessoas glamorosas.
Para Andrade, porém, sua atração pela modernidade urbana escondia uma profunda ambivalência. Ao justapor os arranha-céus reluzentes e os automóveis lustrosos de São Paulo com as cabanas de palha e os mandiocais da Amazônia, Macunaíma revela as ansiedades de seu autor sobre a modernização e a posição do Brasil em relação à Europa, um continente que representou tanto o passado, em termos de herança colonial da região, e o futuro, em termos de avanço na governança, saúde pública e alta cultura. Em seu posfácio, Katrina Dodson escreve que, embora Andrade acreditasse na grande vitalidade e potencial de seu país, ele reconhecia os obstáculos ao progresso que sua violência, extração e corrupção originárias apresentavam. Além das expressões de preguiça de Macunaíma, outro de seus ditados frequentemente expressos expressa essa ansiedade fundamental talvez de forma ainda mais sucinta: "Pouca saúde e muita saúva, os males do Brasil são!" lamenta, sugerindo os grandes desafios que restam ao Brasil para domar seu ambiente natural indisciplinado e conter doenças.
No entanto, Katrina Dodson capta apropriadamente o ceticismo de Andrade em relação a essas preocupações comuns sobre o atraso brasileiro; ele satiriza não apenas as conveniências modernas supérfluas da vida urbana, mas também as pretensões dos brasileiros em ascensão que buscam imitar a erudição européia. No final das contas, Macunaíma desiste da vida na cidade, do acúmulo de dinheiro e, eventualmente, até mesmo da rotina diária da própria vida, preferindo "subir e brilhar o brilho inútil das estrelas". Ao retratar um Brasil ao mesmo tempo cosmopolita e tradicional, voltado para o futuro, mas carnavalesco e debochado, Mário de Andrade conseguiu produzir uma ode sincera ao seu país, livre dos impulsos nacionalistas acríticos que caracterizaram o trabalho de alguns de seus contemporâneos.
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Embora o romance, ou rapsódia, como Mário de Andrade preferia chamá-lo, já estivesse disponível para leitores de língua inglesa por meio da tradução útil de Goodland, pode ser, como John Keene escreve em sua introdução, "um dos maiores épicos do século XX e grandes obras da literatura brasileira e modernista que muitos leitores anglófonos não leram nem ouviram falar." Goodland, embora bastante familiarizado com o ambiente natural do Brasil, era um diretor técnico aposentado de uma empresa açucareira e tradutor amador cujas tentativas de dar sentido ao texto reforçaram os estereótipos sobre a lascívia brasileira e aplanaram sua efervescência característica. Graças em parte à excelente reputação de Katrina Dodson como tradutora de outros gigantes da literatura brasileira, como Clarice Lispector e Ana Cristina Cesar, bem como à importância de Mário de Andrade para as letras brasileiras, este Macunaíma reimaginado corrige essa injustiça. Talvez por meio do trabalho magistral de Katrina Dodson, Mário de Andrade finalmente seja amplamente lido ao lado de Joyce, Woolf e Kafka, e o modernismo brasileiro seja cimentado em um cânone que excluiu amplamente autores da América Latina.
Com desenvoltura, Katrina Dodson enfrenta o formidável desafio de converter a prosa lúdica, sonora e vernacular de Mário de Andrade para o inglês. A princípio, algumas de suas escolhas, a saber, a inclusão de coloquialismos e abreviações fonéticas como "nossir", "ain't" e "hunnerd", me pareceram especificamente americanas de uma forma que perturbou e desorientou minha imaginação sobre o Brasil, como evocado pelo romance. No entanto, como ela explica em seu posfácio, Katrina Dodson se propôs a fazer exatamente isso, "transmitir o efeito peculiar de Macunaíma sobre os leitores brasileiros", fazendo "a tradução parecer irrevogavelmente brasileira e americana ao mesmo tempo". A fim de moldar esse pastiche linguístico, ela estudou o discurso regional em obras de literatura de Mark Twain, Zora Neale Hurston e William Faulkner, bem como filmes noir e de gangster, compêndios de folclore local e dicionários de dialetos regionais. Embora nem todos os leitores apreciem a gíria regional e temporalmente específica que Katrina Dodson escolheu incluir, o texto resultante não tem nada da suavidade neutra e cautelosa da versão de Goodland.
Katrina Dodson se destaca ao reproduzir o risco linguístico de Andrade, estilo que afastou alguns críticos, mas rendeu elogios de outros na época da publicação do livro. Enquanto Goodland optou por adicionar pontuação às frases em que Andrade a omitiu, Katrina Dodson segue o exemplo de Andrade, permitindo que seu fraseado se desenvolva sem fôlego, como se fosse falado por uma criança excitada. Uma descrição dos participantes de um rito religioso afro-brasileiro realizado no Rio de Janeiro diz: "todo aquele pessoal vendedores bibliófilos vagabundos acadêmicos banqueiros, todo aquele pessoal dançando em volta da mesa estava cantando", e mais tarde, quando um Macunaíma ferido procura por decepados partes do corpo em uma lagoa encantada, "ele encontrou seus dois brincos, encontrou os dedos dos pés, encontrou as orelhas, a nuqiiris, o nariz". Às vezes, Katrina Dodson favorece a sonoridade e o ritmo em detrimento da clareza e da criação de sentido, contando fortemente com onomatopeias coloridas, insinuações absurdas e verbos de ação improvisados. "Bah-doom-boom-boom", diz o refrão de uma canção nupcial; um pássaro araponga "esqguela amarelo de inveja"; e rendezvous, fonetizado em português no original, é denominado "rondayvoo", junto com uma série de outras interpretações inteligentes dos erros ortográficos e atribuições incorretas de Mário de Andrade.
Essas escolhas evidenciam uma compreensão astuta do papel do tradutor. Em vez de amarrar pontas soltas ou tentar tornar a prosa mais coerente na tradução, Katrina Dodson prioriza a recriação da vivacidade linguística de Mário de Andrade e da irreverência que desrespeita as convenções. Além disso, ela trata os arquétipos e expressões racistas e de gênero do texto com uma mão leve, abstendo-se de saneá-los para um público contemporâneo. Por exemplo, Macunaíma denuncia uma boneca parecida com uma jovem negra como uma incômoda "cabeça de fralda"; mais tarde, uma mulher participando de um ritual religioso é descrita como uma "vaca polonesa com o rosto pintado", uma "arrepiante" cujo corpo nu serve como um receptáculo passivo para uma divindade afro-brasileira possuir. Talvez os próprios apetites sexuais expansivos de Mário de Andrade (que ele perseguia com entusiasmo enquanto se abstinha de discuti-los abertamente) e a identidade racial ambígua o obrigassem a discutir sexo e raça com uma franqueza que às vezes é chocante, mas as traduções de Katrina Dodson dessas passagens são menos indulgentes e exageradas do que de Goodland. Falando sobre esse desafio em particular, Katrina Dodson explica que, considerando a própria herança e sexualidade de Mário de Andrade e suas denúncias subsequentes de racismo casual na cultura popular, as inclusões de linguagem racista e referências frequentes à violência sexual provavelmente pretendiam expor os preconceitos que atormentavam a sociedade brasileira em vez de reforçá-los.
Notar sua mão leve não quer dizer que a abordagem de Katrina Dodson ao trabalho de tradução seja casual. Enquanto o próprio texto mantém a abordagem improvisada de Andrade para a sintaxe e o significado, notas finais copiosas e completas demonstram a extensão e a sofisticação dos esforços de Katrina Dodson neste projeto plurianual. Suas quase cinquenta páginas de anotações fornecem contexto para as muitas referências emaranhadas de Andrade ao folclore, história e mitologia brasileira, sem mencionar as definições de palavras indígenas para flora e fauna, revelando uma meticulosa pesquisa de arquivo e notável atenção aos detalhes, sutileza e padrão. Localizar as notas no final do livro, e não como notas de rodapé, pretendia oferecer ao leitor um encontro não mediado com o texto, cuja opacidade intermitente Katrina Dodson nos encoraja a abraçar.
Embora muitas vezes eu desejasse o acesso fácil a uma nota na mesma página, sua decisão de omitir números e simplesmente listar as notas em parágrafos curtos em uma seção separada permite que a prosa exista sem a densidade pesada conferida pela elucidação em tempo real. Enquanto um brasileiro sem dúvida reconheceria muitas das referências culturais e históricas do livro, outras, assim como muitos dos termos indígenas, podem ser desconhecidos, mesmo para o leitor mais sofisticado. Intimamente ciente da natureza não convencional do texto, mesmo dentro de seu contexto nativo, Katrina Dodson procurou fornecer a seus leitores de língua inglesa uma experiência semelhante de desorientação. No entanto, enquanto lia, senti uma coerência emergindo do caos, um prazer em confiar tanto em Mário de Andrade quanto em Katrina Dodson para me escoltar por uma narrativa que é ao mesmo tempo estranha e familiar.
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Meg Weeks é historiadora, escritora e tradutora. Seus textos sobre arte e política foram publicados na n+1, Artforum, frieze, piauí e Hyperallergic, e suas traduções de ficção brasileira contemporânea foram publicadas pela Adi, Two Lines Press e Asymptote. Sua tradução do livro de memórias de Gabriela Leite, a fundadora do movimento de profissionais do sexo no Brasil, será publicada pela Duke University Press em 2024. Ela foi recentemente contratada como professora assistente de estudos latino-americanos e história dos movimentos sociais na Universidade da Flórida.
Apesar de ter sido publicado há quase um século, o comentário de Andrade sobre a maleabilidade da brasilidade não é menos relevante hoje. Muitas das questões da guerra cultural que vieram à tona nas últimas eleições presidenciais do país são, de certa forma, debates contenciosos sobre a própria natureza do Brasil contemporâneo e as pessoas que nele vivem. É uma nação com uma robusta classe de proprietários de terras apoiada por um aparato de aplicação da lei com mão de ferro e uma visão de mundo católica da vida familiar tradicional? Ou é uma sociedade multiétnica e multirreligiosa, que deu origem a muitos movimentos insurgentes por justiça racial, de gênero e econômica, mas ainda lutando contra os espectros da violência colonial e autoritária?
Essas diferenças foram fortemente incorporadas pelos dois principais candidatos à presidência em 2022: Jair Bolsonaro, fanático e fanfarrão eleito presidente em 2018 após uma carreira como capitão do exército e deputado federal, e Luiz Inácio Lula da Silva, um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores de esquerda e líder sindical dos metalúrgicos durante a brutal ditadura militar pela qual seu rival sempre expressou nostalgia. Embora Lula tenha vencido a eleição e assumido a presidência em janeiro, quase metade do eleitorado brasileiro votou e continua apoiando Bolsonaro, cujo apelo messiânico e inclinação para fake news podem fazer muitos americanos se lembrarem de Donald Trump. De fato, quando chegou a hora de desocupar a residência presidencial no início deste ano, Bolsonaro rapidamente e ignominiosamente fugiu para a Flórida, onde fez discursos para o público conservador nos resorts de Trump e partiu o pão com Trump e seus comparsas.
Embora a produção artística dos modernistas no início do século XX nos lembre que as influências indígenas e africanas há muito são celebradas por suas contribuições à cultura brasileira (pelo menos esteticamente, se não por meio de políticas concretas e redistribuição material), a posição desses grupos é ainda precário. Na verdade, eles foram alvos específicos durante o governo de Bolsonaro por ocupar terras desejadas pelos interesses do agronegócio e por não se adequarem à noção de prosperidade, produtividade e retidão da direita cristã. Em particular, os ritos religiosos afro-brasileiros, como o que Macunaíma frequenta em um templo do Rio de Janeiro, foram denunciados como adoração ao diabo por proeminentes evangélicos, e um estudo recente revelou que os crimes de intolerância religiosa aumentaram 45% nos últimos dois anos, a maioria das vítimas sendo praticantes de Candomblé e Umbanda, as duas religiões afro-brasileiras mais amplamente praticadas.
No entanto, o governo Lula está finalmente abordando a justiça social e econômica para comunidades indígenas, afrodescendentes e quilombolas (descendentes de escravos abandonados que vivem em assentamentos autossustentáveis), promulgando uma série de políticas para proteger propriedades tradicionais, conter a degradação ambiental e retomar os serviços sociais que foram estripados na gestão anterior. Nestes dias de acrimoniosa divisão cultural e social, os brasileiros contemporâneos podem recorrer à vanguarda do século passado, artistas e escritores que reconheceram o valor da heterogeneidade cultural, modos de vida não hegemônicos e coexistência harmoniosa com o mundo natural. E agora, graças à excelente tradução de Katrina Dodson, também podem falar inglês, que talvez possam aprender a se relacionar melhor com nossas próprias nações, com todas as suas confusas hipocrisias e polarizações. Como escreve Katrina Dodson, Mário de Andrade nos mostra que, em vez da "idealização poética da nação" favorecida atualmente pela direita chauvinista, podemos reconhecer a nação contemporânea como "um amálgama profano de influências sagradas e profanas de tradições díspares que coexistem dentro do mesmo território". Refletir sobre como essas tradições podem ser coerentes foi a preocupação de Mário de Andrade em Macunaíma, e talvez seja também o nosso desafio.
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