Diogo Bercito
Folha de S.Paulo
Israel chega aos 75 anos com as feridas abertas, eviscerando suas contradições. Impressiona –e desalenta– que três quartos de século de vida não foram o suficiente para solucionar os impasses que estão na base de seu Estado desde o início, em 1948.
Um exemplo eloquente dessas incongruências é o fato de que ainda existem duas maneiras de enxergar o aniversário do país. Há inclusive duas datas para falar desse mesmo evento.
O governo israelense, que segue o calendário judaico, celebrou seus 75 anos em 25 de abril na festa conhecida em hebraico como Yom HaAtzmaut, ou "o dia da independência". Foi ocasião para festejar a tão sonhada autodeterminação do seu povo judeu.
Policiais de Israel bloqueiam manifestação em Jerusalém - Avishag Shaar-Yashuv - 27.mar.23/The New York Times |
Já os palestinos esperam até o 15 de maio para observar o que chamam em árabe de Nakba, ou "a catástrofe". É o dia seguinte à criação de Israel, segundo o calendário gregoriano, que não coincide com o judaico na cronologia. É quando eles se recordam da expulsão e da fuga de mais de 700 mil palestinos, além da destruição de seus vilarejos e da desarticulação de sua história.
Em diversos momentos destes últimos 75 anos, houve alguma esperança de que essas narrativas díspares pudessem se reconciliar. Os Acordos de Oslo, de 1993, foram um deles.
Um dos principais obstáculos à paz é a decisão do que fazer com os refugiados palestinos, que somam 5,9 milhões de pessoas, segundo a ONU. Há ainda o fato de que Israel ocupa o território da Cisjordânia desde a guerra de 1967 e ergue ali suas colônias, consideradas ilegais pela comunidade internacional.
Nada disso foi resolvido nessas décadas, e há poucos motivos para acreditar que o próximo quarto de século vai trazer soluções. Pelo contrário —ao que parece, a situação pode piorar.
O cenário interno, afinal, é bastante delicado também. Israel tem guinado com força e velocidade para o autoritarismo. O país se parece pouco com as promessas feitas por seus fundadores.
O primeiro-ministro Binyamin Netanyahu vem se desdobrando para reformar o Judiciário, enfraquecendo-o. Isso justo no país que tanto se gaba de ser a dita única democracia do Oriente Médio, em oposição aos seus vizinhos árabes, mais autoritários.
Protestos de dimensões históricas por ora conseguiram forçar o recorrente premiê —que governou o país diversas vezes desde os anos 1990— a recuar. As rachaduras, porém, seguem visíveis na sociedade e no seu sistema político, que demonstram cansaço.
Muito se tem falado sobre esses movimentos internos em Israel. Da reforma do Judiciário, dos grandes protestos. Mas é fútil —para não dizer equivocado— tratar da política interna israelense como se ela estivesse descolada das questões palestinas.
Netanyahu, afinal, construiu sua base eleitoral em cima do temor aos árabes. Palestinos fizeram uma série de atentados terroristas contra alvos civis israelenses nas últimas décadas como parte de seu movimento por um Estado próprio. Netanyahu se vende como a única maneira de manter o país em segurança.
O premiê, ademais, escora-se em setores da população israelense que não existiriam tal e qual se não fosse pelas disputas com os palestinos. É o caso dos que defendem a expansão dos assentamentos e mesmo anexação da Cisjordânia. A disputa com os palestinos molda as forças internas israelenses.
Para reverter essas tendências, os israelenses precisam mesmo revirar seu país. Mas o fato de que as manifestações se concentram na questão do Judiciário tem frustrado os palestinos.
Um de seus argumentos é que eles gostariam de ter visto protestos tão hiperbólicos, por exemplo, quando Israel bombardeou a faixa de Gaza. Foram diversas vezes nos últimos anos e, inclusive, nos últimos dias —a ver se a trégua acordada com o Jihad Islâmico será respeitada pelos dois lados.
Talvez seja exaustivo para alguns que todo ano, a cada celebração de aniversário de Israel, a conversa seja sobre palestinos. Talvez o tom mude no futuro —distante ou improvável— em que todas essas contradições já tenham sido solucionadas.
Em diversos momentos destes últimos 75 anos, houve alguma esperança de que essas narrativas díspares pudessem se reconciliar. Os Acordos de Oslo, de 1993, foram um deles.
Um dos principais obstáculos à paz é a decisão do que fazer com os refugiados palestinos, que somam 5,9 milhões de pessoas, segundo a ONU. Há ainda o fato de que Israel ocupa o território da Cisjordânia desde a guerra de 1967 e ergue ali suas colônias, consideradas ilegais pela comunidade internacional.
Nada disso foi resolvido nessas décadas, e há poucos motivos para acreditar que o próximo quarto de século vai trazer soluções. Pelo contrário —ao que parece, a situação pode piorar.
O cenário interno, afinal, é bastante delicado também. Israel tem guinado com força e velocidade para o autoritarismo. O país se parece pouco com as promessas feitas por seus fundadores.
O primeiro-ministro Binyamin Netanyahu vem se desdobrando para reformar o Judiciário, enfraquecendo-o. Isso justo no país que tanto se gaba de ser a dita única democracia do Oriente Médio, em oposição aos seus vizinhos árabes, mais autoritários.
Protestos de dimensões históricas por ora conseguiram forçar o recorrente premiê —que governou o país diversas vezes desde os anos 1990— a recuar. As rachaduras, porém, seguem visíveis na sociedade e no seu sistema político, que demonstram cansaço.
Muito se tem falado sobre esses movimentos internos em Israel. Da reforma do Judiciário, dos grandes protestos. Mas é fútil —para não dizer equivocado— tratar da política interna israelense como se ela estivesse descolada das questões palestinas.
Netanyahu, afinal, construiu sua base eleitoral em cima do temor aos árabes. Palestinos fizeram uma série de atentados terroristas contra alvos civis israelenses nas últimas décadas como parte de seu movimento por um Estado próprio. Netanyahu se vende como a única maneira de manter o país em segurança.
O premiê, ademais, escora-se em setores da população israelense que não existiriam tal e qual se não fosse pelas disputas com os palestinos. É o caso dos que defendem a expansão dos assentamentos e mesmo anexação da Cisjordânia. A disputa com os palestinos molda as forças internas israelenses.
Para reverter essas tendências, os israelenses precisam mesmo revirar seu país. Mas o fato de que as manifestações se concentram na questão do Judiciário tem frustrado os palestinos.
Um de seus argumentos é que eles gostariam de ter visto protestos tão hiperbólicos, por exemplo, quando Israel bombardeou a faixa de Gaza. Foram diversas vezes nos últimos anos e, inclusive, nos últimos dias —a ver se a trégua acordada com o Jihad Islâmico será respeitada pelos dois lados.
Talvez seja exaustivo para alguns que todo ano, a cada celebração de aniversário de Israel, a conversa seja sobre palestinos. Talvez o tom mude no futuro —distante ou improvável— em que todas essas contradições já tenham sido solucionadas.
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